Democracia em Vertigem: diretora se inspira em Leni Riefenstahl para produzir documentário de esquerda.

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Democracia em Vertigem é um documentário dirigido, produzido e roteirizado por Petra Costa e lançado recentemente pela plataforma de streaming Netflix. Petra dirigiu filmes como Elena (2012) e Olmo e a Gaivota (2014), mas também já atuou como atriz. Aliás, a narrativa usada durante todo o documentário é uma mostra de que a diretora tem talento para a atuação, tal é o tamanho da dramatização de suas falas.

Resumidamente, Democracia em Vertigem é uma obra voltada a destacar as “injustiças” que levaram à queda de Dilma Rousseff e a prisão de Lula. Continue lendo e entenderá o motivo do uso das aspas na palavra injustiças. Também explicarei minhas motivações para incluir a diretora de filmes sobre o Terceiro Reich no título deste artigo.

Deixo claro o seguinte: ao invés de condenar o documentário com base em palavras e publicações de redes sociais, assisti-o do início ao fim e ponderei bem sobre seu conteúdo. Essa é uma vantagem de assistir por streaming, pois o recurso de retornar aos pontos obscuros permite ao crítico uma análise mais ponderada da obra.

Proximidade.

Não se deixem enganar pelo formato intimista e aparentemente documental. Petra Costa criou uma obra para fomentar ainda mais o discurso de inocência de Lula e a ilegitimidade do processo de impeachment de Dilma. A diretora se vale de narração (feita por ela mesma) para destacar as virtudes embutidas nos anos de governo do PT. Todas as imagens foram feitas por quem transitava livremente pelos corredores do poder, como uma igual. Isso não se deu à toa. A mãe de Petra foi militante e opositora ao regime militar instaurado em 1964, tendo chegado ao ponto de estar presa.

É com base no passado dos pais que Petra monta sua índole e caráter. Ela é militante da esquerda e isso fica óbvio durante todo o documentário que dá voz apenas aos “oprimidos”. Aliás, essa proximidade de pessoas como Lula, Dilma e até mesmo do advogado de Lula embasam minha afirmação sobre sua vontade em defender os agora ex-presidentes não apenas por ser militante, como também por conviver com os mesmos e acreditar nas suas  inocências. Petra também está próxima de pessoas do meio artístico com vertentes esquerdistas, fato comprovado no próprio twitter da diretora que mostra Caetano Veloso e Monica Iozzi aclamando sua obra mais recente.

Algumas das imagens presentes no documentário (incluindo as feitas dentro do Palácio do Planalto) são íntimas, tal como fez Leni Riefenstahl com Hitler – outro líder populista que soube usar como ninguém o cinema e as mídias da época. As cenas onde Lula e Dilma aparecem são quase “familiares”, enquanto outras mostram a força de caráter e a determinação dos líderes em questão. Essas abordagens foram usadas por Leni no documentário O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens), de 1934. 

E já que o assunto é proximidade, a diretora esclarece o espectador sobre sua origem elitista, visto que a mesma tem parentesco com um dos fundadores da construtora Andrade Gutierrez (alguém disse Lava Jato?) e é uma mulher de posses. Ela representa uma esquerda que não está tão preocupada com as partilhas propostas por extremistas de esquerda, conhece países e teve uma ótima educação. Mas ao se retratar como a menininha que viu seus pais serem presos pelos malignos militares que detinham o poder, ela esquece de citar que cresceu e hoje perambula entre os poderosos (perambulava, na verdade), sempre colhendo extratos para montar uma história como essa que ela fez questão de transformar em drama/tragédia.

Ninguém tem acesso livre ao poder, sempre há algo a pagar. Democracia em Vertigem é o tributo que ela devia ao César petista, o homem que teve todas as oportunidades e o apoio necessários para mudar – mudar mesmo – o Brasil, porém optou apenas por melhorar sua condição financeira e as daqueles que gravitam ao seu redor.

Acusações veladas.

A linha temporal do documentário é clara: parte do remoto governo militar que durou de 1964 a 1985, indo até a eleição de Jair Messias Bolsonaro. Bolsonaro, por sua vez, é incluído como um torturador em uma parte do documentário, segundo o discurso de Jean Willys: “Eu tô constrangido de participar dessa farsa, dessa eleição indireta, conduzida por um ladrão (aparece a imagem de Eduardo Cunha), urdida por um traidor conspirador (referência a Temer), e apoiada por torturadores (imagem focada em Jair Bolsonaro, vide abaixo), covardes, analfabetos políticos e vendidos.”. A diretora poderia ter evitado destacar o atual presidente, mas fez questão de colocá-lo justamente durante o discurso onde Jean afirmou que torturadores apoiavam Temer. Ela fez essa escolha por conta própria… sem levar em conta que o passado militar dele não esteve vinculado a qualquer ato do gênero.

Há várias passagens onde Petra deixa claro que houve golpe ao invés de impeachment. Como clara apoiadora da ex-presidente (que chegou a conhecer e conversar com a mãe de Petra, uma ex-revolucionária) a diretora novamente pecou pela parcialidade. Essa mesma parcialidade é vista nos discursos de Lula, pois absolutamente nenhuma fala negativa dele foi incluída no documentário. Claro que a trajetória de Lula é mostrada com muita pompa (incluindo discursos às massas) e vários pontos positivos de seu governo são destacados, mas ela sempre faz questão de posicioná-lo como a vítima da Operação Lava Jato, mais precisamente de Sergio Moro.

Falas e discursos.

O que eu disse acima é aplicado em todo o documentário. Mesmo diante da brutal falha de seu governo, Dilma é retratada sempre como a coitada, a mulher perseguida por lobos apenas por ser mulher. O fato é que Dilma permitiu (como líder da nação) o estabelecimento de diversos escândalos, alguns oriundos do governo Lula. Em contrapartida, a oposição é sempre mostrada como exagerada e até idiota. Há o desprezo pela oposição e isso é até normal, desde que mantido o devido respeito.

A diretora editou o filme para que em certa parte os discursos da oposição ao governo Dilma fossem vistos como hipócritas (e eu sei que esse é um adjetivo muito bem encaixado na política brasileira), mas ela preferiu generalizar ao invés de apontar (exceção a Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e Aécio Neves). Captar trechos de diálogos é algo simples, principalmente quando expostos fora de contexto.

Uma só face da moeda.

Ao tocar mais uma vez no discurso de que o regime militar matou – e consequentemente os militares – , Petra esqueceu de citar que os ditos “subversivos” também o fizeram. Há mortes em ambas as partes e isso mostra o quanto os ânimos durante o período estavam alterados.

Há um ponto crucial nesse documentário: ele destaca a polarização da população brasileira. Sim, estamos divididos entre esquerda e direita, cada lado mais exaltado que o outro. Entretanto, a diretora esqueceu de dizer quais são os motivos para essa partição de ideologias. A citação do mensalão, petrolão e outros escândalos existe, sem que isso signifique em ampliar a discussão do tema ou apontar os “cabeças” dessas quadrilhas que orquestraram o maior esquema de corrupção da história da humanidade.

Em suma, ao mostrar só um lado da história – e apontá-lo como vítima -, Petra mostra que ela já escolheu seu lado e irá lutar por ele, ainda que esteja errado. Esse, infelizmente, é o pensamento de uma grande massa que escolheu o Petismo como bandeira. O PT, destaco, começou bem ao buscar os direitos dos trabalhadores, mas perdeu todo o foco ao se encantar pelo poder e as fortunas atreladas a ele.

Lula teria sido um líder democrático de influência global se não tivesse cedido à sede de riquezas. Entretanto, quando escolheu ser mais um dos que “vampirizam” a nação, selou seu destino como o maior traidor da confiança da população que o elegeu, reelegeu e seguiu sua determinação de ter Dilma Rousseff como sucessora. Ela não tinha o tato necessário para lidar com os demais políticos e mesmo assim permaneceu no poder por 6 anos, sempre por intermédio do apelo popular da imagem de Lula.

Esse mesmo apelo foi fator preponderante para sua queda quando, movida pelo desespero e conselhos equivocados, optou por nomear Lula como Ministro da Casa Civil, cargo que lhe proporcionaria o famigerado “foro privilegiado”. A decisão foi embargada e Lula findou preso. Pouco depois, a queda de Dilma se configurou.

Assim como ocorreu em documentários como Pastor Claudio e O Processo, faltou a essa produção um tom mais equilibrado onde tanto a direita como a esquerda fossem realmente ouvidas e questionadas. Quando o assunto é política, certamente encontraremos ações questionáveis em todos os lados. Bastava apontar e identificar as ideologias por trás do partidarismo existente em nosso meio político para que o espectador, munido de informações verdadeiras e imparciais, decida qual lado se encaixa melhor em seu viés político. Ao não fazer isso, Petra transforma um documentário (um documento em sua essência) em uma propaganda partidária escancarada e de menor credibilidade.

P.S.: não há citações aos escândalos nos governos Sarney, FHC e Collor. Estranho, não?

Netflix?

A diretora foi esperta, assim como a própria Netflix, ao lançar esse documentário (?) na plataforma. Ao contrário do Brasil Paralelo que quis lançar seu documentário 1964: o Brasil entre armas e livros nos cinemas (e foi sumariamente proibido), Petra optou por colocar seu trabalho na Netflix. Com o auxílio das redes sociais e da própria rede de streaming, seu documentário ganhou o ódio e o amor da população polarizada do nosso país.

Assim, diante de tudo que foi exposto, digo que não apreciei seu trabalho por vários motivos, sendo o pior deles a forma como ela conduz o espectador a acreditar que Lula é um Messias, um homem que só quer o bem do povo mais carente, algo já desmentido através de seu enriquecimento e da forma como grandes forças políticas e legislativas ainda permanecem ao seu lado, mesmo na prisão. E é nessa prisão que, tal como Fernandinho Beira-Mar e outros chefes do tráfico, ele manobra e coordena o cenário político da esquerda em nosso país.

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