Abordar a realidade de pessoas especiais ou com necessidades especiais é algo difícil ao extremo, independentemente do meio usado para isso. Essas barreiras são fruto do temor de equívocos sobre o cotidiano dessas pessoas, suas peculiaridades e, sobretudo, o desconhecimento de suas realidades e tudo que envolva-os.
Dafne é um filme peculiar que conta com vários atores e atrizes portadores da síndrome de Down, mas focado principalmente em uma jovem mulher (Carolina Raspanti) cujo nome é também o título da obra. Ainda que não tenha uma trama complexa ou atuações fortes, o longa tem grande pertinência pela coragem de mostrar um universo tão complexo e interessante.
É possível para uma pessoa Down viver normalmente?
Esse é o primeiro questionamento dos que não conhecem os pormenores do mundo dos portadores dessa síndrome. Para da culpa desse desconhecimento é das próprias pessoas que não se esforçam para aprender e compreender. Em acréscimo a isso, os próprios veículos de mídia e as artes (literatura, cinema, séries, teatro, etc) não dão destaque ou espaço para as realidades desse mundo atípico.
Uma das raras exceções (em circuito comercial) é Dafne, obra que aborda a vida dessa mulher, cujo foco está no convívio com os pais, porém essa realidade é bruscamente alterada pela morte da mãe (Stefania Casini). A partir deste fato, ela precisa ajudar seu pai (Antonio Piovanelli) a seguir com a vida, assim como também deverá aprender a conviver diariamente com ele sem a ajuda da mãe. Esse é um ponto bem interessante do roteiro por mostrar que mesmo diante das dores, perdas e dessa radical mudança de vida, a jovem não se entrega e tenta retomar as rédeas dos destinos dela e do pai.
O desenrolar da história mostrará os altos e baixos nessa relação abalada pela perda, porém também forte pelos vínculos sanguíneos. Para que compreendam um pouco mais, vamos ao trailer…
Diferenças, sim. Limitações? Jamais…
As diferenças da vida de uma pessoa Down estão muito bem abordadas no longa. Dafne tem um comportamento quase sempre “normal”. Sua vida é simples (do trabalho em um mercado até o retorno ao lar) e cheia de pequenas nuances. Dafne fala muito alto, reage de forma adversa diante de problemas antes resolvidos pela mãe, mas é fácil perceber que esses entraves são apenas uma parte indissociável de quem ela é, alguns problemas são provenientes da síndrome. Devo destacar que esses mesmos problemas são solucionados pela mesma mente “limitada” pelo Down.
No filme é possível perceber que a jovem assume as funções de companheira, filha e protetora do pai.
Em suma, ela se mostra tão capaz quanto qualquer um de nós, mesmo diante dos problemas mais complexos, cujo destaque fica por conta do descontrole emocional e da queda da saúde do papai dela.
Outra limitação que alguns ainda acreditam haver na vida do Down é a falta de tato no convívio social ou a reação diante das novidades bruscas. Dafne tem um grande rol de amigos (muitos, obviamente, também são portadores da síndrome) e é uma pessoa muito querida em seu trabalho. Ela, definitivamente, é independente e dona de uma percepção diferenciada, o que a levou a perceber o quadro depressivo do pai… e ajudá-lo.
Ambientações, fotografia e atuações.
Apesar de ser filmado em locações simples e, na maioria, abertas (sem estúdios), o longa é competente no que diz respeito às tomadas e planos de filmagem utilizados. A fotografia se vale da luz natural em muitas passagens e isso traz uma sensação de naturalidade às cenas.
Quanto às atuações, a jovem Carolina surpreende ao dar vida à protagonista. Ela atua bem e convence na maioria das passagens, porém sua voz mais alta que o normal (em quase todas as situações) incomoda um pouco. Esclareço que essa impostação de voz não é incomum em Downs e autistas. Já o ator Antonio Piovanelli mostra-se como a escolha correta para o pai de Dafne. Por sua vez, a atriz Stefania Casini tem pouquíssimo tempo de tela para dar vida à mãe dela, mas esse foi o tempo suficiente para mostrar seu empenho ao atuar.
Nota final.
Ao longo do filme nós acompanhamos a trajetória de uma mulher portadora de uma síndrome que, aos olhos do público comum, deveria receber cuidados. Isso, contudo, não acontece, já que ela é que precisa assumir o papel de cuidadora do pai em função da morte repentina da mãe. Com suas próprias atribuições (trabalho, amigos e outros afazeres) e dotada de um senso de responsabilidade incomum, Dafne se prepara para uma jornada ao lado do pai onde ela e ele crescerão como pessoas e como parentes. A sensibilidade do roteiro é tocante.
Em contrapartida, preparem-se para um filme com um ritmo narrativo lento, o que pode incomodar um público mais acostumado aos blockbusters e filmes mais modernos. Isso, claro, não tira o mérito da obra que mostrou de forma corajosa um pouco da realidade das pessoas que nasceram com essa síndrome, porém se esforçam diariamente para driblar as pequenas limitações que ela impõe.