Crítica:Galeria Futuro

Em um passado não muito distante, toda cidade grande que se preze tinha uma galeria, muitas vezes chamada de centro comercial, nas suas áreas centrais. Ancestrais do shopping, os tais complexos eram repletos de salas transformadas em lojas com uma diversidade de ofertas de produtos. Podíamos, ao sair da ótica, passar numa loja de discos e depois de subir as suntuosas e modernas escadas rolantes, procurar um livro na livraria do andar de cima e quem sabe devorar uma torrada na lanchonete ao lado. Muitas galerias fecharam com o passar dos anos, umas se mantiveram, outras viraram locais específicos de certos produtos (a Galeria do Rock em São Paulo é um exemplo) mas elas ainda estão na memória de quem viveu, frequentou ou ainda frequenta as poucas sobreviventes. Em tom de nostalgia, estreia essa semana Galeria Futuro (2021) que retrata um pouco esse nostálgico cenário, com direção de Fernando Sanches e Afonso Poyart.

Galeria Futuro era um desses exemplos citados acima, centro comercial da zona sul do Rio de Janeiro, que com suas suntuosas rampas, suas inúmeras lojas e escadas rolantes modernas, fizeram história. Mas hoje os tempos são outros, as lojas na maioria estão fechadas, a galeria está às moscas e uma oferta milionária de um pastor para transformá-la numa igreja parece ser a solução. Mas três amigos, que por anos mantêm seus negócios no local, Valentim e sua locadora de DVDs, Kodak que mantém bravamente seu negócio de câmeras de vídeo e revelações e Eddie que tem um quiosque que vende os outrora fascinantes produtos de mágicas que hoje não encantam mais a molecada, não se conformam com o fechamento do local e buscam uma solução para manter os seus negócios. Certo dia descobrem num baú umas pastilhas coloridas, provavelmente alucinógenos dos anos 1970 e veem que a balinha tem como consequência fazer o usuário realizar suas mais complexas fantasias (na mente, é claro). Juntamente com Paula Fabiano, cabeleireira e nova inquilina do local, eles acabam vendo que a comercialização dos tais produtos pode ser a solução para pagar as dívidas da galeria.

Pode ser um ranço meu, mas parece que todo o filme da Globo Filmes, principalmente de humor, é uma edição reduzida a um capítulo de uma novela das 19 (ao menos quando elas tinham seu núcleo de humor nessa faixa) e Galeria do Futuro é apenas o mais do mesmo em termos de humor das produções da Vênus Platinada.  Fernando Sanchez e Afonso Poyart até tem uma boa intenção dando um ar de nostalgia e uma homenagem ao passado e às nossas saudosas galerias, mas o filme é bem limitado no que nos apresenta. Praticamente ambientado apenas na tal galeria, eles acertam no trio de protagonistas. Marcelo Serrado, Ailton Graça e Otavio Muller, são todos bons atores, e em certa medida engraçados, mas a caracterização e construção dos três personagens beira aos níveis extremos do caricato.  Os três parece que saíram de um set de uma novela da Globo, passaram no figurino e colocaram roupas setentistas a la festa a fantasia e foram atuar. E, infelizmente, mesmo sendo bons atores, com um roteiro fraquinho, pouco brilham. Luciana Paes, como a cabeleira Paula, tem seus momentos de graça, mas não passa de um clichê total de qualquer caracterização de cabeleira de qualquer produção global dos anos 1990, só lembrando que sem a graça da Babalu, de Leticia Spiller da novela Quatro por Quatro. Taumaturgo Ferreira, como o moderninho vendedor de LPs, Dudu e o onipresente e sempre excelente Milhem Cortaz, como traficante Mesbla (homenagem à icônica loja do passado), apesar de coadjuvantes, convencem mais que o esforçado quarteto. Mas, apesar dos pesares, o filme passa longe de ruim, é uma razoável comédia, com boas tiradas, como o apelido para a droga chamada de TH, o capanga imitando Faustão, a atriz pornô ávida por um Charles Bronson (aqui obviamente representado pelo nosso Jackson Antunes), referências a filmes como Poderoso Chefão na figura do Mesbla e a defesa da galeria, toda inspirada em clássicos do cinema, mostra que os roteiristas queriam prestar uma homenagem bem-humorada à sétima arte. Galeria é um filme sobre nostalgia, amor ao cinema, amizade e como é difícil entendermos que as coisas passam, as coisas acabam e viver no passado e não aceitar as mudanças não é nada fácil.

Galeria Futuro, apesar de ser o básico de sempre, é um filme simpático, leve, com atuações razoáveis e um roteiro que tenta dar um ar modernoso, mas acaba não passando do velho padrão arroz e feijão da produtora. Mais um filme quase igual, mas com algumas tiradas divertidas e saudosistas que podem agradar a quem está acostumado com esse tipo de filme, que infelizmente desperdiça uma bem bolada história e um incrível cenário em uma comédia que provoca poucas risadas.

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