Crítica: Wonka

Se existe um filme que é a cara da Sessão da Tarde no Brasil (dentre diversos), esse filme é  A Fantástica Fábrica de Chocolates, de Mel Stuart, do ano de 1971. Apesar de alguns acharem que o filme não é para crianças, ele encantou gerações de moleques que se deliciaram visualmente com a incrível fábrica de chocolates e sonhos de propriedade de Willy Wonka. Gene Wilder era o Wonka, em um dos grandes papéis da sua vida, criou um personagem inesquecível. Tivemos décadas depois aquela chatice sem sentido do Tim Burton, com Johnny Depp numa insossa e Burtoniana interpretação do clássico Willy. Como a obra de Roald Dahl, criador da fábula, ainda tem muito pano pra manga, coube a Paul King nos apresentar o jovem Wonka, quando este ainda era um incipiente e criativo criador de chocolates que tinha um sonho. E essa história chega aos cinemas com Wonka (idem, 2023), com estreia nessa semana.

O filme conta a história de Willy Wonka, jovem fabricante de chocolates que viajou o mundo atrás de ingredientes de todo o tipo e pretende vendê- los na cidade. Só que essa cidade é tomada por um cartel de três fabricantes de chocolate, Arthur Slugworth, Prodnose e Fickelbruguer e o trio não quer dar chance para o excêntrico jovem fabricante de chocolates. Wonka ainda se mete em uma enrascada e, cheio de dívidas, acaba tendo que trabalhar numa lavanderia, onde conhece a órfã Noodles e um time de amigos que irão ajudar o rei do chocolate a ter seu lugar ao sol e enfrentar o monopólio de chocolateiros da cidade.

Contrariando diversas expectativas, Wonka pode ser considerado um dos mais divertidos e doces (com perdão do trocadilho) filme do ano. Paul King, que também assina o roteiro com Simon Farnaby, acerta em cheio em nos pegar pela nostalgia, ao contrário do obscuro, quase tétrico e penumbroso filme de Tim Burton, esse prequel nos volta ao clássico de 1971. Com musicais leves, muito bom humor, ironia, muita cor, e é claro, chocolate, Wonka é uma fantasia à moda antiga. Uma história leve, para a família, que vai agradar em cheio também a criançada de hoje em dia e aqueles como eu, que sonhavam em comer uma barra Wonka. Como musical, aproveita apenas algumas canções do original e as novas não chegam a empolgar, mas o que agrada é que os números de dança são discretos só que muito bem coreografados, lembrando musicais dos anos 1940 e 1950, com agradáveis melodias, pontuando as passagens musicais.

A história em si é aquela básica narrativa do bem contra o mal, sem grandes invencionices, com vilões estereotipados, heróis atrapalhados e um divertido conluio de cartel, monopólio e corrupção que mistura monges amantes de chocolates e um policial e padre, viciados no suculento doce. Além de um casal vilão de baixo escalão, donos de uma hospedaria e lavagem, que através de contratos de letras miúdas escravizavam os hóspedes que se viam endividados e obrigados a trabalhar por lá. Os mocinhos também são aqueles tipos encantadores, um ex-contador, um comediante frustrado, uma menina abandonada na lavanderia que foi criada pela dona (e explorada) que sonha em saber suas origens, e é claro, Willy Wonka, um cara que apenas sonha em compartilhar seu dom com os outros e adocicar o mundo. Em mundos politicamente corretos de combate à diabetes e à obesidade, Wonka pode ser cancelado, mas não temos como não nos encantar com chocolates  coloridos, divertidos, que nos fazem voar, nos embriagar, não parar de comer e com ingredientes de todo o tipo, que a cartola ou maleta do Wonka podem guardar. Ah, e temos também um Oompa Loompa, que zangado, resolve se vingar de quem roubou cacau de sua ilha.

Timothée Chalamet está ótimo como o jovem Willy. Fica claro que ele estudou muito Gene Wilder, e se não tem o sarcasmo e humor ácido do velho Wonka, nos mostra um ainda imaturo mas extremamente persistente chocolateiro, que ainda aspira sonhos de com seus chocolates transformar o mundo num lugar melhor e fugir dos sisudos tipos de chocolate padrão dos clássicos três fabricantes. Ele canta bem, dança bem e transmite sem excessos o que o Willy jovem tem que mostrar, que a vida é movida por objetivos e ser sonhador não é nenhum defeito. Olivia Colman, como sempre, está bem na caricata dona da hospedaria lavanderia, uma cartunesca personagem, fugindo da sua zona de conforto e mostrando sua versatilidade. Calah Lane manda bem com uma firme atuação como a órfã e melhor amiga do Wonka, Noodles, e temos ainda Rowan Atkinson, nosso eterno Mr. Bean como o padre viciado em chocolates que faz passagens secretas da igreja para reuniões dos chocolateiros. Mas Hugh Grant como um Oompa Loompa (ou melhor, seu rosto) está genial. Mesmo que ele tenha dito que odiou o papel, suas falas são ótimas, suas caras e bocas, e  principalmente, o seu humor britânico, nos faz dar gargalhadas em qualquer aparição do alaranjado e minúsculo personagem.

Wonka vai na contramão do cinema de hoje. Usa formas antigas para agradar, nos faz rir, nos emociona e joga muito pesado com a nostalgia. Multicolorido, faz um cinema à moda antiga, aquele que agrada todos os públicos, um cinema um tanto abandonado desde os  anos 1990, onde se dividiu demais cinema para crianças, para adultos e para fãs de heróis. Wonka é o programa certeiro para famílias irem ao cinema, rirem junto e se entregarem a um dos gêneros que fez o cinema ser o que é e hoje anda debaixo do tapete: a fantasia.  Nos faz sonhar e se divertir e com o número de Pure Imagination, no final da película,  nos permite concluir que com a imaginação qualquer coisa pode ser possível. Enfim, filme e tanto para as férias, provando que Willy Wonka é atemporal e encantador.

 

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