Crítica: ‘Vida de Cão’
Eta vida de cão… essa expressão frequentemente é usada para designar o quanto sofrida está a situação de um indivíduo e sua comparação encontra semelhança na cruel vida que um cachorro normalmente leva. Obviamente que hoje alguns cachorros levam uma vida muito melhor que certos seres humanos, com casa, comida, banho e extremo carinho, fazendo até – por que não? – jus aos versos que Eduardo Dusek cantava nos 1980: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”, devido à realidade até cruel que vivem algumas crianças, mas enfim, estamos falando de cachorros e cães de rua, nossos queridos vira-latas, existem em qualquer lugar do mundo. A Turquia é um país que tem uma política que proíbe o extermínio e accrueldade aos animais de rua, fato que além de aumentar a quantidade de bichinhos pelas ruas de Istambul, criou uma cultura de cuidados da população com os animais, que dão comida e abrigo para eles. Elisabeth Lo registrou com suas câmeras o cotidiano de três cãezinhos, em especial, e suas aventuras pela cidade, tudo isso agora pode ser assistido no documentário Vida de Cão (Stray, 2020) que está disponível nas plataformas Claro Now, Vivo Play, Google Play, Sky Play e YouTube Filmes.
O filme segue a epopeia silenciosa e às vezes tortuosa de três cães, o cachorro Zeytin, a cadela Nazar e o filhote Kartal, pelas ruas de Istambul em busca de abrigo, comida e carinho. Elisabeth Lo tem uma ideia complicada, mas genial: seguir em imagens o caminho de alguns cachorros pelas ruas de uma cidade que protege com leis severas (e muitas vezes questionada) a agressão e sacrifício de animais perdidos. Com sua câmera segue uma panorâmica da cidade, quase um city tour visual tendo como guia os animais. Desde parques, pontos turísticos, o centro da cidade, até a periferia, regiões abandonadas, obras inacabadas, temos um quadro vivo do cotidiano de uma metrópole pontuada por uma odisseia canina.
A luta deles por comida, um lugar para dormir sem medo, os encontros não tão pacíficos com companheiros de raça que acabam em arranca-rabos sem tamanho, tudo isso está bem ilustrado pelas lentes da diretora. Mostra também o afeto do ser humano com os animais, que pouco tem para eles mesmos, mas fazem questão de alimentar e proteger os seres de quatro patas. Também é retratada a indiferença que alguns cidadãos têm com a proliferação deles pelas ruas e o quanto uns parecem invisíveis para a maioria. Alguns questionam essa liberdade desenfreada que os animais têm de perambular com a proteção de uma lei. Emocionante também o encontro dos cães com meninos refugiados de Alepo, na Síria, que como cães perambulam pelas ruas turcas, se chapando de cola, mas que fazem questão de ficar com os cachorros e tratá-los bem. Em um canteiro de obras, um popular fala uma frase que sintetiza a situação: “Os garotos podem fazer mal a si mesmo, mas jamais fariam mal aos cachorros”.
Elisabeth cria um retrato sem filtro na perspectiva animal, um retrato também de uma cidade que, mesmo obrigada a viver com a companhia dos animais, que já fazem parte do cotidiano, aprendeu a conviver e a tratá-los muito bem, além de dar um recado que a adoção é a melhor solução para o futuro desses errantes cachorros. Sobre o filme, talvez ele peque pelas longas tomadas que o tornam cansativo, dando um ritmo extremamente arrastado e que, mesmo com a beleza do trio principal de cachorros e o fascínio com o qual eles nos atraem, a obra, apesar da curta duração, muitas vezes é um exercício tedioso, mas fica difícil passar um retrato cruel da realidade dos cães sem mostrar o quadro vivo da existência deles e a realidade pode cansar. Com produção de Shane Boris (produtor de Democracia em Vertigem) e da própria diretora, Vida de Cão mostra uma Istambul cosmopolita, recheada de contrastes sociais e tendo como protagonistas a visão observadora e instintiva de três espertos e vividos cães que, se não têm aquele ar de cão herói de Hollywood, são cães de verdade, vira-latas genuínos, que vivem cada dia de uma vez em busca de comida, teto e principalmente, um pouco de afeto.
Sobre o filme: O filme documental “Vida de Cão” (“Stray”), dirigido por Elizabeth Lo (“Hotel 22”) e produzido em parceria com Shane Boris (produtor do documentário “Democracia em Vertigem”), estará disponível para compra e aluguel nas plataformas Claro Now, Vivo Play, Sky Play, Google Play e YouTube Filmes em 20 de agosto. Distribuída pela Synapse Distribution, a produção segue três cães vira-latas pelas ruas de Istambul.
Nas palavras da diretora Elizabeth Lo, “Vida de Cão” “é um experimento sobre o que aconteceria se deixássemos a narrativa de um filme para os cães”. A cineasta conta que viajou em 2017 para a Turquia pois considera a história e relacionamento do país com os cães algo único no mundo. “As autoridades turcas aniquilaram no século passado muitos cães de rua. No entanto, protestos generalizados contra esses assassinatos transformaram a Turquia em um dos únicos países onde agora é ilegal tanto a eutanásia quanto manter cativo qualquer cão. Os cães que perambulam livremente hoje são considerados um emblema de resistência”, conclui Lo.
Filmado como uma carta de amor aos cães, o filme acompanha o cotidiano do trio canino Zeytin, Nazar e Kartal em busca de comida, abrigo e segurança. Em sua jornada, os animais embarcam em aventuras solitárias pela capital da Turquia e fazem amizades com os humanos que conhecem pelo caminho. A produção propõe uma viagem sensorial para novas maneiras de enxergar o próximo.