Crítica: Uma Vida – A História de Nicholas Winton

Até início dos anos 1990 era comum termos como heróis de guerra apenas os grandes generais, altos escalões do exército e as grandes potências, que simbolizavam as vitórias e, digamos, o livramento da humanidade contra os déspotas senhores de guerra. Mas alguns desconhecidos heróis, com seu humanismo e atitudes certeiras e disciplinadas, começaram a ter suas histórias descobertas.  

Com a Lista de Schindler, Steven Spielberg revelou para o mundo um homem, que de colaboracionista nazista, se redimiu e acabou salvando várias vidas dos campos de concentração. Aristides de Sousa Mendes, um português, também teve sua história divulgada por ajudar diversos refugiados a fugir da França dominada por Hitler. E é claro, Nicholas Winton, inglês que ficou conhecido por um vídeo que viralizou, que em um programa de TV britânico, a plateia que estava ao seu lado eram crianças as quais ele ajudou a salvar da Tchecoslováquia em vias de ser dominada pela Alemanha. E esse fato virou filme, que estreia essa semana, com direção de James Hawes, Uma Vida – A História de Nicholas Winton (One Life, 2023).

O filme conta a saga de Nicholas Winton, corretor da bolsa de valores inglesa, que em um ato de humanismo, antes da Segunda Guerra estourar e com Praga em vias de ser dominado pelos nazistas, resolve ir para lá com um grupo de ajuda humanitária. Na capital tcheca descobre que existem várias crianças judias vivendo em condições insalubres, e com o risco iminente da invasão nazistra, ele e seus colegas resolvem registrar, arranjar vistos e mandar centenas de crianças para a Inglaterra. Winton, após a guerra, seguiu sua vida normal e guardou em livros os registros dessas crianças. Quarenta anos depois, a televisão britânica descobre sua história e graças a isso, sua épica atitude é revelada e as crianças de Winton acabam encontrando o seu salvador.

Bonita e justa homenagem em forma de filme a um dos maiores heróis da Segunda Guerra Mundial. O  famoso vídeo que viralizou, do senhor de idade que fica surpreso ao ver que a plateia é toda composta por crianças que ele ajudou a salvar, já continha uma carga de emoção incrível. E o filme  de James Hawes segue esse fato, contando como foram esses salvamentos. Pega pesado nas tintas da emoção, mas infelizmente peca no quesito dramaticidade e tensão, que todo filme de Segunda Guerra tem como tempero. O filme é  burocrático, quadrado demais e desperdiça muito tempo com enfadonhas questões de ordem de gabinete e burocracia para realizar a deportação dos pequenos. E perde uma oportunidade de aprofundar mais a ligação de Winton com elas e como eram feitas as saídas de trem de Praga para a Inglaterra. Inclusive o melhor momento é o que seria a última viagem, o que mostra como poderia ter sido melhor explorado as incríveis fugas das crianças judias.

Das duas passagens do tempo do filme, a que se passa em 1938 carece de uma constituição melhor e as atuações são mais fracas.  O filme melhora quando chega nos anos 1980, como foi a descoberta dos arquivos de Winton e a reconstituição do momento na televisão, apesar de carregar forte na pieguice da música, não tem como não emocionar. Mas não deixa de ser uma produção com cara de telefilme de décadas passadas.

Anthony Hopkins, como sempre brilhante, fazendo sua parte e carregando na fase mais oitentista do filme. A idade pouco atrapalha e ele sempre consegue transmitir com seu talento uma comovente atuação. Lena Olin, como a esposa Grete Winton, não decepciona, já Johnny Flynn, como o jovem Nicholas, realmente ficou devendo, com uma atuação opaca e prejudicada pela fraca condução do momento do filme de 1938.

Uma Vida – A História de Nicholas Winton, repito, é uma justa homenagem a um quase outsider, que passou anos acumulando relíquias materiais do seu passado e teve como mérito sua história reconhecida pela humanidade. Como diz o ditado, quem salva uma vida salva o mundo inteiro. E com sua atitude, conseguiu salvar 669 crianças, gerando uma descendência de mais de 6 mil pessoas. Um filme protocolar, com cara de sessão da tarde, com todos os clichês para emocionar a plateia, mas peca por ser raso demais, um mero passatempo sobre um ato humanitário tão gigante e até pouco tempo desconhecido.

 

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