Crítica: Trem Bala

A tensão de misturar a velocidade dos incríveis trem bala japoneses, cinco assassinos de carteirinha, uma trama de vingança e violência, tendo como cenário uma locomotiva passando por cidades japonesas, fez do livro de Kotaro Isaka, Trem Bala (2010, a primeira edição), ser um fenômeno de vendas no Japão, com mais de 700 mil unidades abocanhadas pelos fãs. No Brasil, o livro foi lançado recentemente e promete vender bem, ainda mais acompanhado pela adaptação cinematográfica que estreia nessa quinta-feira, Trem Bala (Bullet Train, 2022), com direção de David Leitch.

Ladybug, leia-se no Brasil Joaninha, se considera o assassino profissional mais azarado do mundo. Cansado de falhar nas suas missões ou ter o azar de encontrar as possíveis vítimas já mortas, ele decide tentar mais uma missão, talvez sua última, que é entrar num trem bala em Tóquio e encontrar uma maleta. Só que na veloz locomotiva também se encontram assassinos que tem uma missão meio que interligada à tal mala e quase que dentro de uma ratoeira ambulante, um a um tem de se enfrentar para tentar realizar suas implacáveis missões.

Com um roteiro de Zak Olkewicz, que adaptou a obra Maria Beetle (ou Trem Bala para o mundo), de Kotaro Isaka, David Leitch nos apresenta um intrincado filme, recheado de ação, violência, gore, cenas incríveis e frenéticas e personagens interessantes. Ele simplesmente pega doses de Tarantino, mistura com John Wick, acrescenta pitadas humorísticas de Deadpool e tenta inserir a cultura japonesa, com muita tecnologia e neon no bolo e temos um divertido, nonsense e surreal filme, mas por vezes irregular. Não podemos deixar de louvar o trabalho visual da obra, com cenas de brigas de tirar o fôlego, idas e vindas no roteiro, apresentações dos personagens ao estilo Scorsese, Tarantino e até Cidade de Deus, efeitos visuais incríveis e tipos caricatos, que funcionam na tela. Mas esse excesso de informação, de personagens, de viradas no roteiro e, principalmente, no terço final do filme, acabam cansado o espectador, já que a trama poderia ter sido resolvida de maneira mais direta (ou com uns 20 minutos a menos). Mesmo com tantos labirintos de roteiro e poluição visual, o filme se salva pelos alívios cômicos da trama. Para isso, o grande e competente elenco demonstra seu talento para conduzir a tão amarrada história.

O cartel de personagens é ótimo, começando com Brad Pitt, como o azarado Joaninha, sempre guiado por Maria Beetle (Sandra Bullock), que com sua voz orienta os passos do desajeitado anti-herói, que passa por tudo que é apuros para conseguir realizar sua missão. Brad, quanto mais o tempo passa, melhora, além de brilhar nas cenas de ação, seu papel cômico provoca diversos momentos hilariantes, um personagem marcante que até merecia uma nova chance nas telas em uma suposta franquia. Tangerina e Limão, interpretados por Aaron Taylor-Johnson e Brian Tyree Henry, dois irmãos gêmeos e assassinos profissionais, também dão o ar da graça, em cenas como quando tentam contar quantos mataram num massacre ou em que Limão sempre acaba comparando a vida ao desenho Thomas, a Locomotiva. Joey King como Príncipe, também brilha como uma manipuladora assassina, que com seus ares de inocente engana e tripudia de seus inimigos. Bad Bunny, como Lobo, e Zazie Beetz, como Vespa, também dão o ar da graça como cruéis assassinos, ele um mexicano metido a macho e ela com seus métodos peculiares e letais de matar. Hiroyuki Sanada, como Elder, é mais um que quer jurar vingança e conta com sua espada de samurai para o intento, além de Michael Shannon, como o cruel chefão de máfia japonesa, Morte Branca, que é responsável por juntar toda essa fauna para o trem.

Esse grande número de personagens que beiram o bizarro e abusam de requintes de crueldade são a alma do filme, onde mesmo que o roteiro até ajude, a gente fica sem torcer pra quase ninguém, devido ao nível de pilantragem deles na trama.

Trem Bala tem como maior mérito essa junção de tipos e esse elenco afiado, misturado ao melhor que o novo cinema de ação recente fez e com situações cômicas de primeira, com tiradinhas e piadas quase que em tempo integral, até nos momentos de tensão e extrema violência, em um show do absurdo, mas bem divertido. Devido a sua duração, excesso de explicações para tudo, cada personagem tem sua história mostrada em flashbacks, que deixam pouco a imaginação funcionar, além de cenas de ação que se tornam banais em meio a tanta informação, Trem Bala acaba perdendo velocidade, ou melhor, fôlego no final, onde o roteiro cheio de conexões se torna confuso e às vezes previsível. Obviamente que merece ser conferido com carinho, porque com um elenco afiado assim, com um roteiro nonsense, que faz um liquidificador de velhas, mas ótimas ideias, já vale o ingresso. Nem que seja para ver o Brad Pitt, que por si só, mesmo com um filme divertido, mas imperfeito, conduz a locomotiva da trama com sua ironia fina e carisma de maneira brilhante.

 

 

 

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