Crítica: Top Gun – Maverick

O ano era 1986 e um filme dirigido pelo irmão mais novo de Ridley Scott, simplesmente se transformou em uma das maiores bilheterias da década de 1980, entrou definitivamente no imaginário pop e transformou um ator de 23 anos em um dos mais famosos da história. Entre caças, aviões, porta aviões e batalhas aéreas frenéticas, tendo uma trilha sonora que era a cara do pop musical da sua era, Top Gun (Idem, 1986) mexeu com as estruturas do cinema e elevou os filmes de ação a um padrão, com perdão do trocadilho, a serem cada vez mais top. 36 anos depois, e com dois anos de atraso devido a pandemia do coronavírus que chacoalhou o mundo, a tão esperada continuação de um dos maiores clássicos do cinemão dos anos 1980 estreia essa semana nas salas de cinema (e sim, assistir nas salas de cinema é praticamente obrigatório) Top Gun – Maverick (Idem, 2022), com direção de Joseph Kosinki.

Maverick, mais de 30 anos depois do primeiro filme, continua sendo um dos maiores pilotos da Marinha, mas mesmo cheio de condecorações, prêmios e combates no seu cartel pessoal, ele não emplaca e nunca sobe do posto de capitão na Marinha, devido ao seu jeito arrojado de voar, quase suicida. Quando a equipe Top Gun está precisando de um instrutor para treinar alguns jovens pilotos (entre eles Booster, filho de seu ex-companheiro Goose) que tem como missão bombardear alvos de combustível nucleares, Pete “Maverick” Mitchell é recrutado para liderar os treinamentos, meio a contragosto de alguns superiores, que consideram o piloto uma quase uma bomba kamikaze. Mas parece que apenas ele e seu jeito ousado de voar podem passar as coordenadas a essa nova geração, em uma época dominada por drones, que andam substituindo os combates humanos.

Confesso que é meio injusto fazer uma análise do filme, já que sou muito fã do original e realmente esperei com extrema expectativa essa continuação. E posso falar com certeza: o filme é sensacional! Uma continuação mais que digna, uma ode ao filme original, mas com um tempero moderno, que juntando isso ao carisma nato de Tom Cruise e os incríveis efeitos visuais, posso afirmar que temos um dos melhores filmes de ação em tempos. E mais que isso: o roteiro de Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie nos apresenta uma digna história, com diversas citações ao filme original, um novo bar de encontro dos oficiais, as incríveis tomadas de Maverick pilotando sua moto, o jogo na praia, enfim, tudo isso com uma pitada de romance, heroísmo, provações, muita luta, fantasmas do passado, lema de equipe e, é claro, incríveis cenas de ação literalmente de tirar o fôlego (isso que a música do Berlin sabiamente não faz parte da trilha). E sem contar o excelente acerto de inserir Val Kilmer, mesmo sem poder falar, como o Almirante “Iceman”, em uma cena do reencontro dos dois que, digamos, para os nostálgicos fãs do filme original e conhecedores do drama de Val, deixa até uma lágrima quente escorrer marotamente do rosto. E ver ele falando então, é algo de arrepiar e mostra o tamanho da magia que o cinema nos proporciona.

A fotografia mescla um dourado típico do clima californiano com um azulado escuro, faz lembrar muito o clássico dos 80. As cenas de combate, onde vemos a tensão no rosto dos pilotos, o suor, as caretas oriundas da pressão, são de um realismo poucas vezes visto em filmes do gênero, praticamente sofremos junto com os atores. Outro acerto do filme foi a inclusão de Jennifer Conelly como o par romântico de Tom Cruise. Uma atriz madura e fugindo da regra em que o tal galã poderia fazer esse par com uma mulher da metade da idade dele.

Poderia falar do elenco, temos algumas boas atuações como a de Jennifer Connely, como Penny, a dona do bar e affair de Maverick, Miles Teller, digno como Booster, o filho ressentido de Goose, Glen Powell, como Hangman, uma espécie de misto de Iceman com Maverick, mas enfim, o filme é todo do Tom Cruise. Com seu carisma e jovialidade de um menino de 59 anos, ele comanda o espetáculo, tanto na terra, no ar nem se fala, e até dá uma velejada no mar. Cruise se diverte e rala muito com o papel, mantendo os trejeitos de 36 anos atrás com sua contagiante imaturidade que beira o irresponsável, de Maverick, mas que o faz ser o melhor de todos os pilotos, não seguindo as convenções e fazendo do personagem um dos mais emblemáticos do cinema. Fora Tom o filme é obviamente um deleite visual. Com tomadas aéreas espetaculares, com voos reais e intensos, Tom Cruise e a equipe de atores teve que voar com meses de treinamento e quase um ano de tomadas aéreas. Tom Cruise que costuma dispensar dublês e sabe pilotar, chegou até criar programas de voo para o elenco, tornando as cenas de um realismo incrível. O ato final do filme é um espetáculo visual, parece que estamos dentro das cabines dos pilotos, sentimos o chacoalhar das aeronaves e até desviamos da mira dos mísseis, claro que para quem tem labirintite não deve ser uma bela experiência, mas não tem como não se impressionar com o balé aéreo excepcionalmente dirigido por Kosinski. A parte técnica do filme, desde edição de som, efeitos visuais e sonoros, já podem ser considerados a papar diversos prêmios técnicos em festivais. E sobre a trilha sonora é mais um acerto com o grande Hans Zimmer, Harold Faltermeyer (que fez a trilha do original) e Lady Gaga, que nos apresenta um tema romântico, Hold in My Hand, tudo isso misturado a Danger Zone, de Keny Loggins, clássico de 1986 reaproveitado e outras canções. Mas não tem como não se arrepiar ao ouvir novamente a melódica guitarra de Steve Stevens em Top Gun Anthem, em composição conjunta com Harold Faltermeyer, tanto no início do filme quanto no final, saudosismo do bem, com um dos temas mais lindos do cinema.

Top Gun – Maverick é um filme de ação à moda antiga, mas que sabe explorar o seu tempo, até o conflito do velho (no caso Maverick) com o novo (drones, aviões modernos e pilotos jovens com outra cabeça) é muito bem conduzido pelo roteiro, porque, por mais que Maverick represente um passado onde pilotos valiam mais por sua perícia e destreza nos manches, e a nova geração tem a tecnologia do seu lado, alguns valores como senso de equipe, companheirismo e uma certa dose de coragem, são valores fundamentais para qualquer time, no caso mesmo os Top Guns.

Enfim, os dois anos de espera valeram a pena, Top Gun – Maverick coloca muito filme de ação e de herói no bolso, e Tom Cruise mesmo quase sexagenário, não deve nada a qualquer desses atores da nova geração que tem carisma e simpatia mais murchos que plantas mal regadas. E se você procura uma história que mistura romance, comédia, trilha sonora marcante, drama, companheirismo e os outros deliciosos chavões, mas que funcionam perfeitamente bem, além de uma viagem de mais de duas horas pelos ares com os melhores aviões e pilotos, assista se possível, a sequência do sucesso de 1986, que nada deve a ele (aliás, acrescenta e muito ao original), obrigatoriamente no cinema e, preferencialmente, numa tela IMAX, onde somos literalmente transportados para dentro das aeronaves nos fazendo sentir um Top Gun.

 

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