Crítica: Tomb Raider – A origem | Lara Croft de Vikander tem potencial, mas a história estaciona.

O JOGO

Menu clássico do jogo

O dia em que recebi a minha caixinha completa de Tomb Raider II – A Adaga de Xian (2º jogo da série, lançado em 1997) ficou marcado em minha memória. Lá se vão 21 anos de quando migrei do calejado Mega Drive para o meu primeiro computador (um novíssimo e potente Pentium MMX 200 com incríveis 16mb de vídeo). Já havia babado em cima do exemplar de estreia ao ver uma demo sendo jogada na casa de um amigo e me lembro de ter ido para casa com aquele 3D maravilhoso na cabeça. A possibilidade de controlar uma personagem em cenários variados, saltar por beiradas de precipícios e quebrar a cabeça tentando achar chaves e abrir portas iria me marcar até hoje. O mundo espetacular da aventura de plataforma com inspiração em Indiana Jones se tornou uma das maiores franquias de todos os tempos – e a que eu mais joguei e repeti em ciclos ao longo dos anos (enfrentando e evolução dos computadores e suas incompatibilidades com os primeiros jogos).

Do Windows 95 para o 98, em seguida para o saudoso XP, que me virou a cara para as primeiras edições e me obrigou a passar madrugadas em fóruns americanos tentando arrumar uma maneira de fazê-lo aceitar minha volta a 1997. Parte disso porque sentia saudade, mas também porque eu neguei a nova geração (que se iniciou com Legend, em 2006) e não aceitei a nova jogabilidade (estava velho para isso). Questão de poucos meses para gostar do novo e voltar a ser um gamer de um jogo só. Aí veio o reboot de 2013 e dessa vez era demais (estava realmente velho para isso). Durou, claro, pouco tempo e já estou na 2ª vez, na continuação de 2015, e me tornando um fã igual àquele de 1997.

O FILME (2018)

Mas porque a necessidade de explicar minha ligação emocional com a saga? Talvez seja para deixar claro que ela não interfere na versão cinematográfica. O jogo está lá, no lugarzinho dele. Apesar de ser impossível não relacionar qualquer easter egg ou fan service imediatamente com minha memória, é justamente por sua rica história que o cinema merece um bom exemplar condizente com a linguagem de sua mídia. Depois de duas tentativas equivocadas com Angelina Jolie, Tomb Raider – A Origem traz a talentosa e oscarizada Alicia Vikander na pele da heroína, dessa vez com a cara da nova geração e da nova linha estabelecida pelo reboot do game de 2013, mais voltado para a sobrevivência em um mundo semiaberto. Infelizmente, embora este não caia na galhofa dos anteriores e tenha algumas qualidades, nunca dá um passo além do marasmo para sustentar o filme – além de se preocupar em ser simplesmente uma adaptação – como aventura e ação.

Vamos em partes. É preciso que uma obra cinematográfica seja “fiel” ao jogo? Não. Não há necessidade que ela tenha que depender da trama de outra mídia para que sua lógica se complete. Um bom roteiro tem de fazer isso sozinho. É claro que esse bom roteiro vai levar em conta a história da personagem para resgatar a fan base antiga ao mesmo tempo em que se molda aos dias atuais. Afinal, não há mais necessidade de uma Lara Croft no estilo mulher-fruta, assim como parece ser mais compatível hoje em dia retratar uma sobrevivente com força própria, não uma super-heroína praticamente invulnerável. Nesse sentido, ponto para adaptação, escrita por Geneva Robertson-Dworet e Alastair Siddons, que consegue criar uma trama que sabe bem os limites de sua própria “realidade”, correspondendo a uma tendência mais pé no chão dos filmes de gênero da última década. Dentro das regras estabelecidas na premissa, portanto, não há instância imediata para que Lara seja indestrutível, o que certamente contribui com sua relação com o espectador.

Sendo assim, a protagonista ao menos tem uma característica que a faz ter ligação com o público: a vulnerabilidade. Ela se machuca, sofre e teme pela própria vida. Essas são representações, aliás, que ganham verdade na caracterização de Alicia Vikander, que exibe um porte mais atlético e ágil equivalente com essa proposta mais atual – tendo, inclusive, realizado grande parte de suas próprias cenas de ação. Sua entrega física e emocional permite que se crie simpatia pela personagem e o mérito da atriz é mais evidente do que permite o texto apático. O carisma natural e a sensação de que aquilo tudo poderia acontecer com uma pessoa comum se refletem na segurança exibida de sua atuação. Se há buracos que faltam para completar a vida da personagem, eles se devem mais ao roteiro do que à caracterização.

Por mais que o gênero de aventura seja o cerne da obra, a história e os personagens devem ter o mínimo para nos segurar durante seus 122 minutos, o que, infelizmente, é o grande ponto fraco. E não adianta presumir que um bom filme de gênero não precisa ter personagens bem desenvolvidos e uma grande história. Esses não precisam multifacetados ou dignos de um drama ou estudo de personagem, mas basta que despertem nossa curiosidade o bastante para que não estejamos ali simplesmente para ver segmentos isolados de ação. Dessa maneira, apesar da protagonista carregar alguma substância, os mistérios que envolvem a ela e sua família são, no mínimo, tão genéricos e expostos sem cuidado que não se torna incomum nos indagarmos, “do que mesmo eles estão atrás? ”. É uma característica negativa que vai tornando a trama insossa, e mesmo quando há a tentativa de plantar uma dúvida acerca de seus elementos sobrenaturais, o roteiro não deixa muito para absorver, já que basicamente as respostas são dadas de bandeja sempre que necessário. O resultado é que a jornada é desinteressante e a “mitologia” por trás dela é superficial, além de ser uma mistura de elementos sobre rainhas, tumbas, dominação global e perigo mortal que jamais apresentam um senso de ameaça palpável.

Há outros problemas consideráveis também advindos da dificuldade do roteiro em dar qualquer camada para seus personagens secundários. Parte importante da personalidade de Lara é a relação com seu pai Richard Croft (Dominic West, o eterno Jimmy McNulty da excepcional série The Wire), mas a conexão emocional dos dois depende basicamente de flashbacks inseridos estruturalmente de forma piegas, o que acaba não funcionando como deveria e o drama de pai e filha vai e vem da maneira artificial. O resultado só não é pior porque seus intérpretes têm talento para tentar criar algum vigor entre as cenas mais afetivas, permitindo que ao menos haja verdade naquela ligação, mesmo que não tenha o efeito pretendido no espectador. Já outros secundários nem sequer fazem sentir sua ausência na trama. A tentativa de convencer a lealdade instantânea de Lu Ren (Daniel Wu) é frustrada e nem sequer nos lembramos dele até aparecer e não ter muita importância na trama principal. O vilão da vez, Mathias Vogel (Walton Goggins), até que ensaia algumas motivações elaboradas, mas seu personagem aparece tarde e não há tempo para envolvimento ou para que surja como um antagonista memorável.

O que resta é que a ação impressa na narrativa faça jus ao teor enérgico do material de origem, o que é parcialmente alcançado pela direção de Roar Uthaug (A Onda, Fuga). Mesmo que de natureza evidentemente diferente – num jogo você participa ativamente do processo, num filme você acompanha – o diretor atinge o funcional nas sequências mais dinâmicas. Só que no fim das contas, prevalece novamente aquela sensação: tudo é genérico e já vimos tudo isso várias vezes antes – para tal, basta pegar o próprio exemplo de Indiana Jones citado anteriormente e notar como qualquer um da saga de Harrison Ford denuncia o quão derivado são os elementos usados aqui. Há um esforço para que alguns fundamentos icônicos dos jogos estejam presentes, mas grande parte do que se esperaria deles, como os quebra-cabeças, são rapidamente colocados sem inventividade. Tudo chega rápido e é resolvido mais rápido ainda usando como ferramenta uma mitologia que não empolga. Há uma ou duas sequências de ação que funcionam e não apelam para a infame desorganização atual de uma montagem picotada (ufa), além de fazerem referência direta ao reboot do game de 2013, com direito às cachoeiras, destroços de um avião e o famoso climbing axe – diga-se de passagem, as referências não aparecem de graça e um dos méritos é justamente colocá-las de maneira orgânica na narrativa, com exceção de uma que remete a uma icônica imagem de Lara, mas essa era indispensável).

Se analisarmos o conjunto todo, portanto, sobra uma adaptação frouxa e um filme de ação/aventura bastante genérico. E arrisco dizer que a impressão será mesma para aqueles que procuram o famoso “filme para passar o tempo” (uma expressão que só ajuda a diminuir os bons exemplares de gênero, mas ainda parece servir didaticamente). Pouco se leva ao final da sessão e, apesar de Vikander ter facilmente a capacidade de continuar na saga, fica a expectativa para que as continuações justifiquem uma verdadeira aventura. Talvez assim chegaremos próximos de participar mais da ação, mesmo que passivamente.

Ps: Na verdade, levei sim algo comigo quando terminei o filme. Acho que vou atrás daquele jogo de 1997. Não estou muito velho para isso.

Pontos fortes: Alicia Vikander como Lara Croft, independência do material de origem (o que não faz necessariamente a adaptação funcionar) mesmo com referências (bem colocadas) e uma sequência de ação em particular.

Pontos fracos: trama enfadonha, falta de criatividade nos elementos de aventura, personagens secundários ruins, um roteiro sem inspiração e uma direção, no máximo, funcional.

Nota:

Trailer

Data de lançamento: 15 de março de 2018 (2h 02min)

Direção: Roar Uthaug

Elenco: Alicia Vikander, Dominic West, Walton Goggins, Daniel Wu, Kristin Scott Thomas

Sinopse: Lara Croft é a independente filha de um aventureiro excêntrico que desapareceu anos antes. Com a esperança de resolver o mistério do desaparecimento de seu pai, Lara embarca em uma perigosa jornada para seu último destino conhecido – um túmulo lendário em uma ilha mítica que pode estar em algum lugar ao largo da costa do Japão. As apostas não podiam ser maiores, pois Lara deve confiar em sua mente aguda, fé cega e espírito teimoso para se aventurar no desconhecido.

 

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