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    CINEMA Críticas

    Crítica: Tipos de Gentileza

    Crítica: Tipos de Gentileza
    • Publishedagosto 20, 2024

    Confesso que não sou fã ardoroso ou daqueles que acham tão genial Yorgos Lanthimos. O grego radicado nos Estados Unidos, realizador de obras tanto controversas como O Sacrifício de um Cervo Sagrado, A Lagosta e A Favorita, conhecido pelo seu cinema dito perturbador, por mais que tenha adquirido fama cult com esses filmes, nunca me seduziu tanto. Para mim, apenas acertou a mão no excelente Pobres Criaturas, onde, com seu estilo barroco, agressivo e provocador, reinventou a história do monstro do Frankenstein na personagem de Emma Stone, e que mesmo assim, os adoradores mais ávidos do clássico personagem torceram o nariz para essa grande obra. E, muito rapidamente, Lanthimos está de volta na sua nova aventura cinematográfica, que estreia essa semana no cinema. Falo de Tipos de Gentileza (Kind of Kindness, 2024), o lançamento mais aguardado da semana.

    No filme (talvez como o diz o meme) mais sem história do cinema, observamos três “histórias” que envolvem um enigmático nome R.M.F. Na primeria, conhecemos Robert, uma pessoa que é um verdaeiro lacaio de seu chefe que controla até que tipo de meias ele deve usar, quantas páginas de um livro deve ler diariamente e até em que hora deve fazer sexo com sua mulher. Um dia, ele se revolta ao negar-se a tomar uma atitude extrema, e acaba provocando a ruptura com o chefe. Mas isso causa medo e arrependimento de Robert, que realmente não sabe viver sem ser mandado. No segundo episódio, Daniel, um pacato policial que teve a mulher dada como morta num naufrágio, tem sua vida mudada com a suposta volta dela. Suposta porque ele não reconhece a mulher que voltou como sua esposa e faz de tudo para provocá-la e tentar descobrir quem é que voltou em seu lugar. No último episódio conhecemos Emily, uma mulher que deixou a família de lado para viver numa seita excêntrica e passa a sua vida rodando e cantando pneu atrás de uma messiânica pessoa que pode mudar o rumo da seita e de sua miserável vida.

    A impressão que passa é que Yorgos, depois do sucesso de Pobres Criaturas, literalmente soltou o freio e pensou, vou fazer o que quiser, colocar nas telonas e apresentar como meu filme. E é isso que ele e Efthimis Filippou fazem no nonsense total roteiro de Kind of Kindness. Por quase três horas, nos apresenta o que de mais absurdo do seu universo tem de melhor, como sangue, vísceras, violência, o absurdo e o desconforto. Mas todas esses fetiches são usados apenas com a intenção de chocar e usar e abusar de planos abertos e retilíneos, claustrofóbicos e detalhistas da fotografia de Robbie Ryan, e a trilha sonora cortante e assustadora de Jerskin Fendrix, com notas de piano soltas, agudas e cortantes, uma sonorização perfeito para o absurdo. Até aí tudo bem, sempre bem assessorado por seus colaboradores, mas o filme realmente acaba sendo uma experiência frustrante, dado o tom pessimista e experimental de Yorgos.

    Claro que a inventividade no cinema atual é tão rara como notas de 100 reais na minha carteira, mas esse experimentalismo de Tipos de Gentileza tem tudo para aborrecer muito mais que provocar supostas reflexões. Inclusive a reflexão, às vezes, segue um tom total de subjetividade extrema, o que não deixa de ser uma das funções primordiais da arte, mas as arestas totalmente mal aparadas do filme mal têm esse dom de o que perceber. Seria uma metáfora de que todo o ser humano precisa tanto de um chefe, um marido ou algum guru espiritual para guiar e nortear nossas vidas? Enfim, com o apresentado nas quase três horas, fica até difícil criar uma tese ou alegorias do que realmente Yorgos quis dizer com isso tudo, ou apenas se divertiu exercendo o cinema com liberdade e usando e abusando de grandes atores.

    Do time de atores não podemos nos queixar. No trio que carrega as maluquices de Yorgos temos Willem Dafoe, com sua ameaçadora estampa, parecendo que está fazendo o mesmo papel nas três histórias, só mudando o nome, uma como o chefe dominador, a segunda como o pai de Emma e no terceiro como o chefe espiritual de uma seita bizarra. Jesse Plemons, que parece que tem um imã para grandes filmes, aqui também se sai bem nas três histórias, tanto como o atormentado servo do chefe, o policial que enlouquece a cada dia pensando que está com a mulher errada em casa, como o amigo de Emily na busca da mulher que faz milagres. Mas novamente é Emma Stone que brilha e serve como condutora dos errantes três episódios, no primeiro como a substituta de Robert como nova serva do chefe, no segundo como a mulher que faz de tudo, de tudo mesmo, para provar que ama o policial e no terceiro onde brilha mais como Emily, que numa desenfreada busca, procura encontrar uma mulher especial. Emma chora, grita, esperneia e faz até dancinhas no episódio mais bem costurado dos três (vejam até os créditos finais). 

    Tipos de Gentileza é uma experiência cinematográfica duvidosa de Yorgos. Mesmo querendo chocar, não choca, tamanha a banalidade que usa esse artifício nas cansativas duas horas e quarenta e cinco minutos, mostrando que quando o absurdo e o grotesco ficam banais, perdem completamente a graça. É o tipo de filme que ao sair da sala de cinema pouco podemos falar, se ele é bom ou ruim, e no meu caso, piorou com o tempo, tamanho absurdo e excesso de pretensão. Um desaforo visual que vai agradar a muito poucos, que irão dizer que entenderam tudo e vão se passar por gênios da crítica cinematográfica, mas que por mais que tente dar um sentido a uma trama tão sem sentido, apenas posso dizer que subjetividade é bom, só que quando não leva a quase nada, às vezes, sinto falto de um filme redondinho e mastigado. Uma prisão audiovisual das excentricidades e bizarrices do grego, que se não fossem os atores, o hype em cima dele, seria considerado uma das maiores chatices em muito tempo no cinema…

     

    Written By
    Lauro Roth