Crítica: Till – A Busca por Justiça

Certa feita, Cassius Clay, morador de Louisville, Kentucky, ficou chocado com um crime que aconteceu em 1955 e parou os Estados Unidos. O pai do futuro maior boxeador de todos os tempos comprou uma revista que mostrava o caixão aberto de um menino de 14 anos que fora morto por conversar com uma mulher branca em Money, Mississipi. O estado do corpo e a chocante imagem marcaram toda a família e seu filho Cassius Clay Jr., com 13 anos, jurou para si mesmo que seria alguém na vida e jamais seria desrespeitado por brancos. A história provou que ele conseguiu, já o jovem Emmett Till, o menino da foto, não teve essa sorte, mas chacoalhou a América em busca dos direitos civis e respeito aos negros, principalmente na luta de sua mãe Mammie Till, que lutou incessantemente por justiça. Essa incrível história de vida dela e o caso que abalou os Estados Unidos virou filme, dirigido por Chinonye Chukwu e tem estreia marcada para o Brasil essa semana, falo de Till – A Luta por Justiça (Till, 2022).

Emmett Till é um garoto de 14 anos feliz da vida. Tem uma família amorosa, gosta de andar bem arrumado, ouve boa música e vai crescendo tranquilo em Chicago. Um dia Bo (seu apelido) resolve ir a Money, no Mississipi, visitar seus primos. Na inocência de um menino negro que tinha uma vida boa e com menos racismo presente, parte para aquela cidade e logo se surpreende com ordens de que tem que baixar a cabeça e não se misturar com brancos. Um dia depois de ajudar os primos e o tio na colheita de algodão, vão a um armazém, e Bo inocentemente puxa assunto com a dona branca do estabelecimento e também faz elogios a sua beleza. Só que ela não gosta nenhum um pouco e parte pra cima do menino com uma arma e os primos se mandam. Parecia apenas uma confusão juvenil. Dias depois, Bo é tirado à força da casa do tio por dois homens armados para sumir por uns tempos. Enquanto isso, em Chicago, Mammie Till, sua mãe, sempre preocupada com o filho, recebe a noticia que encontraram o corpo do menino. Mammie desaba, mas levanta e consegue, com apoio de muitos ativistas dos direitos civis, uma luta quase impossível de buscar justiça, ainda mais no sul segregado dos Estados Unidos, colocar na cadeia os culpados pela morte brutal e sem sentido do menino.

Till, com direção de Chinonye Chukwu e roteiro dela e mais quatro mãos, pode até não ser um filme perfeito, mas ele é extremamente necessário e impactante. A diretora não ousa muito, mas apresenta de maneira didática, sem grandes firulas, um caso que marcou a história dos direitos civis e jamais deve ser esquecido. Parecido com diversas biografias atuais, ela opta por apresentar, ao invés de uma biografia de Mammie, contar os fatos de 1955 que mexeram com a família Till e o futuro dos negros do sul.

Uma bela reconstituição de época, trilha sonora marcante, que às vezes abusa dos clichês lacrimejantes, mas que devido à estupidez e à injustiça histórica retratada na tela, não diminui em nada a trama. Um retrato cru das diferenças que viviam os negros do norte com os do sul dos Estados Unidos. Enquanto alguns estados do norte do país já se inseriam numa sociedade mais inclusiva, os irmãos do sul sofriam tratamento desumano e viviam ainda como seres de segunda categoria, devido à discriminação dos brancos. E mostra também como a tranquila realidade de Mammie, uma mulher bem empregada, de classe média, vivendo numa bolha, às vezes egoísta e indiferente à realidade, tem seu mundo arrasado e vê que ninguém estava livre da discriminação e do ódio racial.

Danielle Deadwyler está ótima como Mamie Till, mostrando toda a sua obstinada luta e desenvolvimento de consciência racial, uma mutação como de uma mulher realizada e feliz para uma mãe sofrida e lutadora. Bela atuação que foi esquecida pelo Oscar… Jalyn Hall, como Bo, ou Emmett Till, está excelente também, mostrando toda a inocência de um garoto acostumado com uma realidade e custando a acreditar o quanto cruel era o mundo fora de sua bolha, mesmo com o pouco de atuação mostra grande talento. Whoppi Goldberg é a avó de Emmet e mãe de Mammie, em um papel discreto, mas é sempre bom ver a atriz nas telonas. O elenco ainda conta com Frankie Faison, Haley Bennett (a dona da mercearia), Jayme Lawson, Tosin Cole, entre outros.

O filme tem cenas muito bem realizadas, com destaque a do próprio episodio do encontro de Bo com a dona da mercearia, seu sequestro, o momento em que Mammie atende o telefone e sabe do sumiço do filho e quando ela cai ao saber da morte. Momentos impactantes do filme, como o tribunal do Mississipi, controlado por brancos, conservadores e racistas e o principal: o funeral de Emmett, que é velado com o caixão aberto, mesmo com o corpo inchado de ter sido achado num rio e todo arrasado por todo o tipo de violência que recebeu, e a diretora não ocultou a chocante cena, reproduzindo fielmente o corpo do menino para o espectador sentir na pele o resultado da estupidez humana.

Till – A Luta por Justiça é um filme necessário, vale cada segundo, pela história, para que ela jamais fuja da memória das pessoas. Além de mostrar a obstinada luta de uma mãe contra um inimigo feroz e praticamente imbatível, o ódio racial, ainda mais em uma época que o negro era considerado praticamente nada e tinha obrigação de baixar a cabeça para o branco, caçado como um animal, onde para fugir dessa caça muitos tinham que ter o talento de um Cassius Clay, que lutou contra tudo e todos para soquear o racismo, ou ter a força e a coragem de uma mãe como Mammie que mesmo sabendo que a luta era árdua, não baixou a guarda e serviu de exemplo para gerações.

 

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