Crítica: Thor – Amor e Trovão

O neozelandês Taika Waititi, com 46 anos, já pode ser considerado um dos diretores mais criativos – e por que não? – divertidos dos últimos anos. O Que Fazemos nas Sombras, de 2014, é um dos filmes de terrir mais sensacionais dos últimos anos e, principalmente, Jojo Rabbit (idem, 2019), foi uma das mais incríveis sátiras ao nazismo e seus horrores da história do cinema recente, com o próprio diretor fazendo o papel simbólico de Adolf Hitler, numa divertida atuação. Mas quando o assunto são suas adaptações de super-heróis para o cinema, ele gera certa desconfiança. Com seu Thor – Ragnarok, uma miscelânea de histórias, com toque de humor, muita gente torceu o nariz para o tal sacrilégio de transformar o deus viking em um comediante, as aventuras cósmicas multicolor, efeitos extasiantes, mas ao mesmo tempo muita gente comprou a ideia e adorou a repaginada de Taika ao universo Asgardiano, com um toque de humor de quadrinhos oitentistas, com cores vibrantes, personagens carismáticos e com pouca preocupação de se levar a sério. Enfim, Taika está de volta, ou melhor, Thor volta com tudo em seu novo filme, o quarto solo do universo Marvel, Thor – Amor e Trovão (Thor – Love and Thunder, 2022), mais uma vez com direção do excelente (goste ou não), Taika Waititi.

Gorr, o Carniceiro dos Deuses, anda revoltado com a vida e depois de uma tragédia pessoal, de posse de uma espada poderosa, jura vingança sobre os deuses. Enquanto isso, Thor, depois de momentos de depressão, perdas pessoais, acabar com seu planeta e a perda do seu martelo, anda junto com os Guardiões da Galáxia, ajudando povos em lutas pelos planetas afora, já que sua Asgaard foi destruída. Na Terra, Jane Foster sofre de um câncer violento em estágio avançado e pensa que sua única chance é usar o martelo do Thor para ter superpoderes e se transforma na poderosa Thor. A nova Asgaard, feita por sobreviventes do extinto planeta, hoje uma cidadã na Terra, é atacada por Gorr e suas criaturas que sequestram as crianças, o que provoca a ira de Thor, que juntamente com sua amada Jane, Valquíria, a rainha da nova Asgaard, e o emaranhado de pedras Korg, vasculham o universo para deter o carniceiro de encontrar um artefato que poderia dar um poder inimaginável a ele.

Thor – Amor e Trovão, com certeza, já pode ser considerada uma das melhores comédias dos anos de 2022. O filme é um amontoado de pérolas cômicas, tiradas inteligentes, situações nonsense que provocam risadas no espectador. Às vezes eu achava que estava assistindo a uma das geniais paródias que o Mel Brooks fazia nos anos 1970 e 1980. Para o espectador comum, onde eu me incluo, o filme funciona muito bem. Mas estamos falando de um filme do Thor. O poderoso filho de Odin, deus nórdico, que nos quadrinhos tinha um pomposo linguajar e virava hidromel como água e dava um dedo por batalhas alucinantes e sangrentas. Confesso que talvez a Marvel tenha exagerado no tom da galhofa, o que fez até eu, um simples observador desse rico universo, ficar até um pouco constrangido com tamanha falta de freio no humor do filme. Claro que a característica da Marvel, desde O Homem de Ferro, foi dar esse tom leve e cômico aos seus personagens e esquecer aqueles insuportáveis dramas existenciais da concorrente, mas às vezes brincadeira parece ter hora e Waititi simplesmente chutou o balde transformando o Thor num personagem do Hermes e Renato. Tirando esses detalhes, o filme é divertidíssimo. O encontro deles com Zeus em uma convenção de deuses é um momento puramente Mel Brooks. Russell Crowe como Zeus está impagável. As narrações de história, mostrando o antes dos personagens, não devem nada a esquetes do Monty Python e algumas partes das fases de cinema pastelão do Woody Allen. Mas é claro que temos batalhas, o quarteto se mete em mil e umas confusões pelos universos afora, com muita pancadaria, martelada, socos, espadadas, machadadas e ainda temos o momento sombrio, quando Thor encontra as tais crianças sequestradas, talvez ali seja o momento mais sério do filme, onde tomadas de decisões, que podem provocar perdas, mexem com a trama e o humor é deixado de lado. Quanto às atuações, Christian Bale, talvez seja o personagem mais complexo do filme, Gorr deixado à míngua perde tudo e só tem ódio no coração, mas com o tempo vê que só o poder que tanto almeja, pode se transformar no que ele mais ama. Um dos poucos personagens mais profundos sem ser piegas do filme. Chris Hemsworth mais uma vez se mostra à vontade no papel de Thor, mas toda aquela visceral idade rústica dos primeiros filmes se transforma quase num pastiche, um quase cosplay viking, engraçado sim, às vezes até demais. Natalie Portman, de volta a série, como a poderosa Thor, também está se divertindo no papel, mesmo com Jane Foster tendo seu drama pessoal, o filme não provoca um show de melodrama e ela vai à luta sem medo. Tessa Thompson também está bem no papel da Rainha praticamente terrena da Asgaard e é responsável por belas inserções cômicas com o trio. Até o rochedo Gork, com a voz de Waititi, tem seu divertido papel na trama.

Um dos destaques do filme é aquele clima colorido dos anos 1980, visualmente funciona muito bem e não tem como não falar da inclusão de clássicos do Guns and Roses que embalam as batalhas, dando mais tons a esse cenário. Ouvimos Welcome to the Jungle, Sweet Child O´Mine, Paradise City e November Rain como trilhas das inúmeras batalhas, isso numa tela grande dá gosto de ouvir e assistir. Sem esquecer de até um Dio perdido na trilha, que ao menos pode fazer as novas gerações ouvirem música boa.

Concluindo: se em Ragnarok, Taika já tinha seu dedo no mirabolante filme, em Thor -Amor e Trovão, o filme é todo dele. Desde o ritmo, o estilo de filmagem, o roteiro explicativo e nonsense, o excesso de humor e boas piadas, algumas frenéticas, outras sutis, enfim, vemos uma incrível criação de um genial diretor. Mas não podemos esquecer que estamos falando do Thor, e por mais divertido que o filme seja, às vezes beira o constrangedor, o excesso de humor. Se fosse qualquer filme diria que estava assistindo a uma joia rara da comédia, mas o desprezo e a total auto sátira que o filme faz com o personagem e seu universo, pode afastar os fãs mais ardorosos, mas que também pode, devido à facilidade de compreensão da história e seu tom leve, fazer com que os menos afetos ao universo se arrisquem e, com certeza, se divirtam com essa excelente comédia, que mistura ação, drama pessoais, amor e que em quase nenhum momento consegue se levar a sério. Enfim, Marvel sempre foi assim, mas parece que anda passando dos limites e virando um pastiche, que gera milhões aos cofres dos seus produtores. Um conselho: assista sem medo e não leve tão a sério, é apenas um filme de super-herói e, se prepare, porque as gargalhadas são garantidas.

 

 

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