Crítica: Sra. Harris vai a Paris

Às vezes me pergunto por que algum tipo de filme ainda é feito, produzido e o que os diretores ou financiadores esperam por ele. E não falo de filmes super cabeça feitos para críticos pedantes e que não levam nem moscas paras as salas de cinema, e sim filmes que parece que já nasceram antigos, com cara de sessão da tarde, com fórmulas bem batidas e largamente utilizadas , mas ainda dão as caras nas telonas. Essa semana estreia um simpático filme, nessa linha, mas com cara de já datado, falo de Sra. Harris vai a Paris (Mr. Harris Goes to Paris), do diretor Anthony Fabian.

Na Inglaterra dos anos 1920, Sra. Harris é uma mulher de meia idade, que mesmo 10 anos depois, ainda tem esperança de que seu marido, que lutou na Segunda Grande Guerra ainda esteja vivo. Enquanto ainda alimenta esse sonho, faz sua vida como faxineira e tem como patroas desde peruas da alta sociedade a jovens atrizes, sempre com seu esmero capricho e boas referências. Também vive e aproveita a sua vida, tendo como companheira a amiga Violet, e juntas vão a pubs desopilar, em Londres do pós-guerra. Um dia, fascinada por um vestido Christian Dior de uma das suas patroas pão-duras, mas que gastam tubos em artigos de luxo, Sra. Harris resolve que vai comprar um vestido desses e faz de tudo para economizar dinheiro para o feito, trabalhando dobrado, apostando em corrida de cachorros, guardando cada moeda para ir diretamente para Paris comprar um vestido da famosa marca da alta costura. Só que mesmo juntando a grana, na sua visita a não tão glamourosa Paris (que vive uma greve de lixeiros), vê que para entrar no jogo dos ricos não basta apenas juntar dinheiro, o preconceito social faz com que ela resolva lutar para tentar mudar esse quadro, a sua maneira, sem perder a simpatia e a elegância.

Quando falei que é um pouco complicado entender como se fazem filmes assim ainda, não estava questionando a qualidade dele. Sra. Harris vai a Paris é uma leve, simpática e fantasiosa fábula, aos moldes antigos, emula uma época que não existe mais, tem um quê de Mary Poppins sem poderes  e nos apresenta um rol de personagens com uma educação exemplar da mais alta classe e finesse britânica. Com certeza a adaptação de Fabian e mais 6 mãos, Carroll Cartwright, Keith Thompson e Olivia Hetreed, da obra Mr. Harris Goes to Paris, de Paul Gallico (com outras adaptações para TV e cinema), em outras décadas teria tudo para se tornar um clássico da TV aberta. Com uma bela reconstituição de época, desde a Londres dos anos 1950 até a Paris, que mesmo inundada por lixo ainda tem seu glamour e elegância, juntando a isso figurinos belíssimos, realçadas pela sofrida, mas elegante época retratada e uma fotografia  que contribui para a fluência das belas imagens, a Sra. Harris consegue, com seu sonho e vontade de conquistar, mais que um vestido, e sim adquirir respeito e ser notada pela sociedade blasé francesa e inglesa. É de um tom tocante e inspirador. Mas em contrapartida, o filme falha na questão de simplificar tudo de uma maneira direta demais. Por mais que a protagonista tenha sua força de vontade em querer mudanças, é ingênuo pensar que ela possa conseguir apenas com seu bom papo, seu jeito meigo de ser, fazer tantas revoluções pontuais na sociedade e principal causar uma reviravolta tão grande na própria Christian Dior. Além do tom meio forçado em frases prontas sobre greves, poder dos trabalhadores, que meio que nos passam a impressão de uma revolução quase cartunesca, em uma caricata tentativa de crítica social na trama.

 

Lesley Manville é a doce Ada Harris, nos passa toda a ternura da inglesa boa praça típica dos anos 1950, sempre de bem com a vida, amada por suas imaculadas atitudes, enfim, quem não queria uma amiga ou tia como a Sra. Harris? E Manville nos apresenta toda essa leveza balanceado com o vigor da personagem. Isabelle Huppert também tem um papel de destaque como Claudine Colbert, que é quem coordena a marca Christian Dior, uma mulher obcecada pela representatividade e status da grife. Lambert Wilson, como o elegante Marques de Chassagne, Alba Baptista como Natasha, a modelo apressada, Lucas Bravo como o bondoso André Fauvel e Ellen Thomas, ótima como Violet, amigona de Ada, completam o elenco principal, todos importantes no ciclo da aventura da sonhadora Sra. Harris.

O filme também é uma bela homenagem ao mundo da alta costura e como o desejo de possuir vestidos de marca e a exclusividade de certas grifes, no caso a Dior, era um exemplo de segregação social, já que poucos poderiam almejar os únicos e personalizados modelos, e também é divertido a maneira como era produção de certos vestidos com ênfase nas costureiras, modelos e alfaiates, que viviam em prol da grandeza da marca. Mas em alguns momentos do filme, tudo soa tão artificial e um tanto superficial, que fica pouco verossímil acreditar que uma faxineira inglesa poderia causar todo aquele rebuliço apenas com seu sorriso e lábia, tudo numa previsibilidade que não permite surpresas na trama. Enfim, Sra. Harris vai a Paris é um filme à moda antiga, que pode agradar um público que ainda se dá o direito e o tempo de ter um entretenimento nas telas grandes, mesmo parecendo que ele foi filmado com uns 30 anos de atraso. Uma película bem acabada, leve, diria muito simpática, que parece fora do esquadro atual do cinema, mas que nos deixa um convite e tanto para termos por duas horas um leve passatempo e nos entregarmos aos sonhos, fibra, senso de acolhimento  e coragem da queridona  Sra. Harris.

 

Mais do NoSet