Crítica: Sem Ar

Recentemente o cinema de terror e suspense tem explorado o tema de adeptos de esportes radicais, geralmente mulheres, que ao praticarem escaladas, mergulho esportivo, exploração de cavernas, alguma coisa dá errado e acabam precisando lutar desesperadamente pela sobrevivência em situações periclitantes. Abismo do Medo (esse ainda usou artifício do terror através de criaturas nas cavernas), Medo Profundo (esse com tubarões pra atrapalhar) e A Queda (filme ótimo pra quem tem medo de altura…) são alguns exemplos recentes e de sucesso explorando esse filão, luta pela vida. Nessa semana estreia nos cinemas mais um exemplar desse quase subgênero, falo de Sem Ar (The Dive, 2023), do diretor Maximilian Erlenwein.

Drew e May são duas irmãs bem diferentes. Uma é realista, introspectiva e com cara de poucos amigos e a outra é uma menina de bem com a vida, falante e sempre de alto astral. Elas têm em comum o amor ao mergulho em grandes profundezas, de preferência em cavernas submarinas. Se encontram todo o ano para explorar uma nova aventura. Dessa vez, escolhem um local lindo e ermo, um rochedo cercado por um oceano límpido e recheado de locais para exploração submarina. Só que um deslizamento faz com que May, a mais realista delas, fique presa numa pedra a dezenas de metros de profundidade com muito pouco oxigênio, restando a Drew tentar com o que tem, salvar sua irmã, em uma claustrofóbica e angustiante luta para trazer os cilindros de ar e algo que possa tirar sua irmã do fundo do mar, além de lutar pela sua própria vida.

Maximilian Erlenwein, diretor alemão, faz sua refilmagem de Além da Profundezas (Breaking Surface, 2020), filme sueco de Joachim Hedén. Nessa nova versão, o alemão escreve o roteiro com o próprio Joachim. A expectativa para ver esse filme era quase zero. Um filme que tinha tudo para ser o mais do mesmo e entrar para a lata de lixo dos descartáveis, mas para minha grata surpresa Sem Ar, com perdão do trocadilho, assistido numa tela de cinema, deixa o espectador quase sem ar mesmo, tamanho o clímax de tensão, edição de som e imagens que o longa nos apresenta. A dualidade de personalidades das duas personagens faz todo o sentido na trama. Drew, a “princesinha” da família, tem que assumir ao seu jeito a frieza da situação, tomando decisões muitas vezes desacertadas, mas perfeitamente compreensíveis devido à gravidade do momento. Enquanto May precisa usar toda sua frieza para manter os nervos em dia, poupar ar e manter a esperança de ser salva e acreditar que a irmã conseguirá ajudar da maneira correta. E ao contrário de alguns filmes do gênero, onde praticamente o drama é todo construído no caso a 30 metros de profundidade, muitas das cenas de tensão são na superfície, onde Drew precisa buscar desde mais oxigênio, ajuda de pessoas ou precisa simplesmente ter que abrir o carro sem chave. Um clima de enorme tensão construído fora do oceano, onde cada segundo e ação bem realizada podem ser essenciais para a irmã presa no fundo do mar.

A dupla de irmãs é interpretada muito bem por Sophie Lowe, como Drew, e Louise Krause, como May. As claras diferenças de personalidade de ambas, que parecem ter em comum fora o sangue, apenas o espírito de aventura, torna a atuação mais dramática entre elas, pois uma precisa confiar na outra e, naquela situação, qualquer diferença simplesmente se extingue na luta pela vida .

Locações paradisíacas, com a praia e o penhasco filmados na Ilha de Malta, explorando com longos planos o esplendor local em contraste com a tragédia que se abate com as irmãs, além de a paisagem ser um terceiro personagem na trama, já que o quase total despovoamento da região e a solidão do ambiente, trazem mais pânico para Drew, que tenta a qualquer custo ajuda, praticamente em vão. Talvez alguns dos pontos negativos do filme sejam as inúmeras vezes que mostram flashbacks do passado, onde aparece o pai das meninas ensinado a mergulhar, quando as duas eram crianças. Como é mostrado quase em exaustão, fica confuso e repetitivo, talvez uma maneira de o diretor mostrar as origens de alguns traumas das meninas, mas tudo é nebuloso e literalmente feito para preencher tempo da película.

Sem Ar é uma gratíssima surpresa, filme para se assistir no cinema, para entrar de vez na apreensão que causa a trama, além de curtir as incríveis cenas aquáticas e desfrutar a belíssima fotografia do filme. Também aproveitar a excelente edição de som que mantém o clímax de suspense até fora da água. Um filme de luta pela sobrevivência e de como o ser humano tem a capacidade de buscar saídas, e mesmo em situações catastróficas como essa, às vezes manter a calma e usar a cabeça sejam as únicas maneiras para lutar contra o tempo, as divergências familiares, traumas pessoais, a falta de ar e a inóspita natureza.

 

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