Crítica: O Urso do Pó Branco

Em 1985, o traficante Andrew Thornton viajava em um avião diretamente da Colômbia com quase meia tonelada de cocaína. Em um surto total (talvez motivado pelo consumo do pó branco), Andrew jurava que a polícia estava atrás dele e a solução encontrada foi jogar sacolas cheias de embrulhos da droga a esmo do avião. Ele mesmo se jogou do avião com uma boa quantidade de cocaína no corpo, mas o paraquedas não abriu e ele se esborrachou no chão em uma estrada do Tennessee. O que seria apenas mais uma história de um desastrado contraventor, se tornou uma lenda, já que grande parte da droga foi encontrada no Parque Nacional de Chattahoochee, na Georgia, e perto de envelopes de pó, foi encontrado um urso negro morto. A autópsia confirmou que o animal morreu de overdose de cocaína ao comer o produto que encontrou em seu habitat. O urso se tornou o Cocaine Bear e hoje está empalhado e exposto em um museu. Elizabeth Banks, tendo como premissa essa sinistra história, em um exercício de imaginação de como o urso teria ficado se ficasse doidão com o pó branco ao invés de morrer, nos apresenta o divertido terror animal O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear, 2023), que estreia nos cinemas brasileiros essa semana.

Estamos em 1985 e Andrew Thorton, o traficante citado, arremessa várias sacolas com cocaína do alto de um avião, seu desfecho é conhecido, morto com pó por todo o corpo, estatelado no chão. Mas parte da droga é encontrada no Parque Nacional de Chattahoochee, um urso negro encontra algumas dessas “iguarias” e acaba se tornando uma fera incontrolável fazendo vítimas pelo caminho. Enquanto isso, uma dupla de crianças resolve ir ao parque sem conhecimento da mãe, alguns arruaceiros sempre vigiados pela guarda florestal também importunam os visitantes, e um grupo de traficantes que está atras da droga a qualquer custo é perseguido por um policial. Todos acabam no caminho do urso, que provoca o terror, deixando vítimas por onde passa, sempre com seu nariz branco e sedento por sangue e pó.

Até que enfim temos um filme que se passa nos anos 1980, com a cara dos anos 1980, fotografia dos anos 1980, violência dos anos 1980 e personagens politicamente incorretos e debochados, exatamente como era naquela maravilhosa década. É comum reconstituições daquele tempo que sempre cometem o erro de, mesmo com boas caracterizações, a aura e vícios do ano que fora realizado prevalecerem. Já Elisabeth Banks, com um roteiro divertido de Jimmy Warden, acerta a mão nessa bizarra história do urso mais trincado do planeta. Com um terrir de primeira, abusando da violência explícita, rolam braços, pernas, sangue e tiros sem pudor, tudo é contado de uma maneira objetiva em uma hora e meia. Até nisso ela acerta, os grandes filmes B ou trash dos oitenta não chegavam a uma hora e meia e até hoje povoam nosso imaginário. E o urso é candidato pra se tornar um belo cult da época, com uma história sensacional e diversos personagens extremamente engraçados. Inclusive as crianças do filme eram bem aquelas crianças aventureiras dos filmes daquele tempo, sempre com tiradas boas, independência e malandragem. E tanto os bons moços ou os vilões do filme também são retratados com bom humor e sarcasmo. Uma verdadeira pérola que provoca risadas constantes.

Keri Russell está ótima como a mãe “ursa” Sari, atrás da filha e do amigo dela, as crianças muito bem interpretadas por Brooklynn Prince, como Dee Dee, e Christian Convery, como Henry. O trio de bandidos Ray Liotta (em sua última aparição nos cinemas, tendo falecido logo depois), Alden Ehrenreich e O’Shea Jackson Jr. fazem aquelas homenagens aos atrapalhados vilões dos anos 1980, que mesmo sendo malvados, ganham a simpatia da plateia. Além de um grande elenco de apoio talentoso que serve de isca para o urso doidão.

Fazia tempo que não saía de uma sessão de cinema tão satisfeito com um filme curto e grosso. Uma história pra lá de original, um terror animal clássico com humor no tom certo, mortes originais e piadas com timming perfeito. Uma comédia de erros que não tem verdadeiros heróis, aquele filme que de tão absurdo e caótico se torna maravilhoso e O Urso do Pó Branco, que não deve ser levado a sério, é um exemplo perfeito que o cinema ainda tem espaço pra filmes assim. É digna de muitos aplausos a coragem de Elizabeth Banks em nos premiar com essa pérola. Ah, e às vezes ele também assusta, por mais surreal que seja, tem cenas em que o urso cheirador tem lampejos tão selvagens, turbinados e violentos que chegam a dar alguns sustos, mesmo com alguns efeitos meio toscos, mas que não comprometem.  Uma nostálgica volta no tempo, quando na década de 1980, o cinema nos proporcionava filmes desse naipe, pouco se importando com atuações, crises existenciais, fantasmas pessoais e explicações para tudo. Simplesmente vemos pessoas em situações absurdas, cada um com suas motivações, cercados por uma ursa (sim, é uma mamãe ursa) loucaça e virada no pó e pouco se lixando pra humanos idiotas que passam pelo seu caminho, além de uma trilha sonora ótima da época. Pipoca e diversão pura e se assistido com a mente aberta e desligada, dá um tremendo barato.

 

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