Crítica | O Melhor Está por Vir

Fazendo uma análise das dez maiores bilheterias de cinema feito no Brasil em 2019 podemos constatar que, com exceção do filme da Turma da Mônica, uma grata surpresa, e o excelente Bacurau, as bilheterias foram tomadas por filmes espíritas (que tem um grande nicho específico), biografias encomendadas e bilhetes comprados com salas vazias (Nada a Perder 2), e o restante  dominado por comédias com atores globais e youtubers. Muitos esquetes vindos da Tv transformados em filmes e humor fácil com roteiros bem fraquinhos. Infelizmente essa é a realidade das telonas brasileiras, um cinema fácil, que com fórmulas vencedoras, consegue gerar bilheteria. Nada contra comédias, precisamos rir e muito, até como terapia, mas faltam no Brasil, ao menos no circuito comercial, boas comédias com histórias mais encorpadas e adultas e principalmente: bons roteiros. Nisso o cinema argentino passa a escavadeira na gente. Os argentinos conseguem fazer filmes divertidos, adultos, com boas histórias e o melhor: levam público ao cinema. Um exemplo de como se faz um cinema de qualidade é a comedia dramática francesa que estreia essa semana: O Melhor está por Vir (Le Meilleur reste á Venir, 2019), dirigido e roteirizado a quatro mãos por Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patelliére, um exemplo de comédia bem humorada, adulta e leve que infelizmente não aparece nas telonas falando português.

O filme conta a história de dois amigos de infância, Arthur e César. Um dia, devido a um simples acidente, Arthur, um médico comedido, sério e que pouco se arrisca na vida, descobre que César, seu amigo boa vida, irresponsável e mulherengo, está com um câncer terminal. Devido ao medo de contar ao seu amigo que ele está para morrer, uma confusão faz com que César acredite que Arthur é que está doente, e faz de tudo para os dois viverem intensamente a vida.

O maior mérito de O Melhor está por Vir é que o filme consegue com leveza e bom humor tratar, sem ser piegas, um tema tão forte como o câncer e a morte. Tudo auxiliado pela firme direção da dupla Delaporte e Patelliere, que com ritmo ágil, constrói uma história, que tinha tudo para ser um drama lacrimejante, em uma divertida comédia que mostra como laços de amizade, mesmo com pessoas tão diferentes, são tão importantes na vida do ser humano. O roteiro é muito bom, com piadas e situações cômicas, que fazem esse episódio tão pesado ficar leve na telona, provocando ao invés de pena, muitos risos no espectador.

Aliás, a dupla de atores que interpreta os amigos dá o tom e conduz a história muito bem. Patrick Bruel, como o fanfarrão e irresponsável César, dá um show como o amigo que só quer o outro aprenda a viver, mesmo não tendo ideia de que ele é que não irá mais viver. Fabrice Luchini, como Arthur Dreyfus, médico pesquisador, recém-separado, responsável e sério, também está excelente, fazendo de tudo para ajudar o amigo, mas que tem muito medo de dizer a verdade para alguém que tem a vida como o seu bem mais valioso. Esse antagonismo de personalidades entre os parceiros tempera a receita de boas piadas e situações vividas pela dupla. Destaque também para Zinede Triki, como Randa Ameziane, que auxilia pacientes com câncer e Pascale Arbillot, como Virginie, ex-esposa de Arthur, as duas tem importantes papeis na condução da trama e trabalharam muito bem.

Claro que o filme abusa um pouco de clichês do gênero, tem uma trilha mais dramática que aguça facilmente a sensibilidade, repete uma história que já foi contada várias vezes (alguém com doença terminal tenta viver ao máximo) e tem até um ar de comédia romântica americana, mas o que realmente difere o filme são a naturalidade e a leveza que fazem fluir a história provocando encantamento e diversão.

O Melhor está por Vir, além de ser um filme de reflexão sobre finitude, valor da vida, arrependimentos, perdão, é um filme sobre valorização da amizade. O verdadeiro e longo relacionamento de Arthur e César mostra como é difícil explicar o quanto duas pessoas completamente diferentes entre si, com vidas desconexas, modos de entender o mundo e viver a vida extremamente díspares, conseguem mesmo assim manter um laço que é difícil de explicar, um amor verdadeiro e infinito, que só quem realmente tem grandes e amigos de verdade tem o privilégio de ter essa sensação, e como a possibilidade da perda física de um amigo é algo difícil de entender e assimilar.

Uma pena que no Brasil, ao menos no circuito comercial, não temos esse hábito de fazer esse tipo de cinema mais maduro, com bom humor, sem ser apelativo e privilegiando roteiros bem escritos, talento obviamente que não falta aqui, resta mesmo saber se faltaria é publico para prestigiar, uma lástima.

 

Sinopse – O Melhor Está por Vir: Após um enorme mal-entendido, dois amigos de infância convenceram que o outro tem apenas alguns meses de vida, e devem deixar tudo para compensar o tempo perdido.

Ficha Técnica

Diretor: Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte

Roteirista: Chantal Pernecker

Elenco: Fabrice Luchini, Patrick Bruel, Zineb Triki, Pascale Arbillot, Marie Narbonne

Gênero: Drama

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