Crítica: A Noiva (2017, de Svyatoslav Podgayevskiy) – Terror ou comédia sem querer?

Quando, ao fim do ano passado e durante boa parte de 2017, foi anunciado “o filme blockbuster russo de super-heróis Os Guardiões” ( assim como era alardeado em sua promoção), o que se esperava era alguma surpresa em relação a um subgênero que se tornou uma dominância na bilheteria mundial e uma maneira solidificada de levar o entretenimento caro e explosivo para toda uma geração. Portanto, o exemplar russo era uma saída “diferente”, um olhar sob a ação e os heróis a partir de um renovado ponto de vista – e de orçamento.

Só que isso não aconteceu. Repleto de falhas e um amadorismo pulsante, o fracasso do filme era evidente com apenas poucos minutos de projeção. Um roteiro pueril e uma direção sem qualquer sutileza tornaram o filme uma comédia involuntária, o que acabou causando desconfiança de toda a coisa do “vejam só esse exemplar novo e original de um gênero batido vindo de outro país”. Não que a Rússia traga o mal cinema consigo, claro. Sua cinematografia, apesar de ter atravessado momentos decadentes devido à história conturbada da própria nação, ainda é respeitada por sua contribuição (diretores que fizeram parte da revolução da montagem na era do cinema mudo e outros como Andrei Tarkovski e Aleksandr Sokurov me vem à cabeça).

Se estou divagando um pouco é pela necessidade de não cair na armadilha de temer os próximos filmes russos a serem lançados aqui sob a onda da “novidade”, embora isso esteja ficando difícil, já que este novo terror A Noiva parece ter sido comandado pelas mesmas mãos responsáveis pela tragédia de Os Guardiões (não foram, para constar). Aproveitando a onda de uma certa retomada do gênero nos últimos anos, o filme traz, no trailer, uma aura de mistério e bizarrice que certamente consegue chamar nossa atenção. Contudo, também serviu bem para mascarar um longa que, apesar de apresentar lampejos de alguma criatividade escondida, é quase tão ruim quanto seu outro conterrâneo.

Na trama, Nastya (Victoria Agalakova) é uma jovem mulher que é convidada para passar um tempo numa casa de campo pertencente à família de seu futuro marido, que começa a agir de maneira defensiva frente ao comportamento estranho da família em relação à expectativa de seu casamento. Descobrindo que a casa – e seus habitantes – guardam segredos antigos envolvendo a prática de fotos post mortem, isto é, fotografia de familiares mortos em posições que os simulassem em vida (creepy!), a protagonista se vê diante de uma luta pela vida contra forças demoníacas e os costumes antigos da família.

Pela sinopse, é perfeitamente entendível que a premissa chame nossa atenção. Infelizmente, este é um filme que consegue o “mérito” de se equivocar em quase tudo que tenta fazer. Mas, se há algo que já fica claro de início, é que a espinha dorsal, representada pelo roteiro, é, certamente, a origem de quase todos os problemas que surgirão. Partindo de decisões que se mostrarão constantemente equivocadas, o roteiro – também escrito pelo diretor – é uma série de tentativas frustradas em despertar o interesse pelo mistério da maneira mais errada possível: não permitindo que se crie expectativa acerca da história. Já iniciando com uma terrível e brega narração em off que não hesita em explicar todo o plot da trama, inclusive, telegrafando os principais acontecimentos (um sinal que quase sempre aponta para um texto preguiçoso), somos apresentados aos elementos sobrenaturais do filme sem que esses jamais fisguem nossa atenção. E se era demais que a exposição não deixou espaço para as dúvidas, logo em seguida, outra narração substitui a anterior para tratar de explicar logo tudo para o expectador; e mais, é praticamente constante durante todo o enredo que os diálogos tenham função primordial de servir do pior tipo de exposição: aquela que mastiga tudo a cada 15 minutos (algo que é contrassenso para qualquer roteiro razoável).

Em se tratando de diálogos, o filme realmente tem a capacidade de causar o humor involuntário sobre o qual havia alertado anteriormente. Nada no universo de A Noiva parece natural e isso serve, também, para ilustrar o desiquilíbrio total no tom da narrativa. Sem qualquer sutileza aparente, a história frequentemente salta de momentos tensos para outros românticos (se digo romântico, imagine algo como uma novela mexicana) de maneira nada natural, fazendo com que as tentativas de causar empatia com a relação do casal, por exemplo, soem mais hilárias do que qualquer outra coisa. Somando-se aos diálogos ruins e expositivos, essa estrutura descompassada afeta todo o desenvolvimento da narrativa em geral, já que prejudica o envolvimento que o espectador tem com os elementos que, supostamente, deveriam ser descobertos por nós. Se não há nada que surpreenda, não há com quem o ou que se envolver. O resultado é que na metade da projeção, ninguém liga mais a mínima para o que está acontecendo.

Claro que isso também pesa pela direção desajeitada de Svyatoslav Podgayevskiy, que jamais parece saber se equilibrar entre uma sequência e outra, ainda mais pontuada por uma trilha absolutamente maniqueísta, que também causa risos quando invade uma sequência “do nada” com uma música que grita “hora do casal apaixonado!” ou “agora é hora de ficar medo imediatamente”. E falando em som, não poderia deixar de comentar os erros de mixagem e edição que transformam a dublagem americana num festival de horrores com direito a ruídos que foram claramente causados por faixas mal gravadas durante a dublagem de um certo personagem (e o barulho desaparece, literalmente, quando há um corte para outro); fora o total desalinhamento nos tons de fala que em nada condizem com o ambiente – a exemplo de um péssimo recurso narrativo, repetido várias vezes durante o filme, que faz com que a protagonista flagre conversas entreouvidas por frestas de portas e corredores através de vozes que subitamente saltam como se estivessem saindo de um sistema especial de auto falantes.

Tudo isso acaba fazendo com que os sinais de criatividade do longa sejam cobertos por uma história que nunca engrena. Poderia até elogiar, por exemplo, a decisão do diretor de não apelar para dezenas de jump scares gratuitos e guardar a aparição das ameaças para aparecem aos poucos, mas de pouco adianta depois que, passado algum tempo, já não nos importamos mais com nenhum personagem ou com a resolução da trama, que é clichê desde de seu instante inicial. Até no trabalho de fotografia há alguns momentos isolados que chamam a atenção – a exemplo de quando a protagonista é “iluminada” por janelas em momentos distintos na narrativa –, mas, em contrapartida, o aspecto visual não tarda a ser sabotado por alguns cortes que parecem ter sido programados aleatoriamente num computador.

Unindo seus elementos – e seus defeitos – numa coisa só, temos um filme que se transforma numa triste quase comédia involuntária (mais uma), quando deveria causar o efeito contrário, ainda mais por apresentar algum potencial escondido bem lá no fundo mesmo (ou nos trailers). Seus personagens são apáticos, suas relações são dignas de constrangimento e sua trama navega entre tudo o que já é clichê no gênero há tempos, além de sabotar a própria lógica algumas vezes com seus furos e “licenças poéticas” (basta prestarem atenção em todo o falatório em torne de demônios, casamentos, virgens e maldições).

Espero que a próxima vez que anunciarem o próximo “filme russo que promete trazer originalidade” a mais algum gênero, eu não fique esperando sair da sessão levando o mínimo possível, já que esperar o mínimo apenas me condicionaria a aceitar o próximo Os Guardiões ou A Noiva.

Trailer

Nota: 

Data de lançamento: 02 de novembro de 2017 (1h 33min)

Direção: Svyatoslav Podgayevskiy

Elenco: Victoria Agalakova, Igor Khripunov, Vyacheslav Chepurchenko, Aleksandra Rebenok, Igor Khripunov

Sinopse: Nastya é uma jovem mulher que viaja com seu futuro marido para a casa da família dele. Logo após chegar, ela percebe que a visita pode ter sido um erro terrível. Rodeada por pessoas estranhas, ela passa a ter visões horríveis à medida que a família do seu futuro esposo a prepara para uma tradicional cerimônia de casamento eslava.

 

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