Crítica: Não Se Preocupe Querida

Se pudermos definir uma época que possa ter sido o paraíso na Terra para os Estados Unidos, essa era foram os anos 1950. Com uma Europa arrasada e literalmente quebrada no pós-guerra, os estadunidenses viveram a plenitude do American way of life. Com a economia turbinada e sem concorrência, e com quase zero danos estruturais de uma guerra territorialmente distante, o país vivia a era do pleno emprego, dos carrões, do surgimento dos eletrodomésticos que facilitaram a vida das donas de casa, música boa, e se pensarmos, na era pré Elvis, ainda viviam uma espécie de tranquilidade comportamental, enfim, uma plenitude para o homem branco e com certas posses nos Estados Unidos. Usando essa tal atmosfera dos anos 1950, Olivia Wilde nos apresenta seu novo filme, um suspense psicológico, Não Se Preocupe Querida (Don’t Worry Darling, 2022), estreia das semanas no cinema.

Alice Chambers é uma dona de casa perfeita. Vive com o marido Jack numa cidade isolada, mas com todo o luxo e conforto do mundo. Espera seu marido do trabalho com um copo de uísque na mão, está sempre com a casa arrumada, tem uma vida sexual agitada e aparenta ser feliz. Ela vive com Jack Chambers, que trabalha numa empresa que desenvolve um secreto projeto, o Victoria Project. Enquanto os homens trabalham por lá, as mulheres do local aproveitam a vida da sua maneira, cuidando da casa, dos filhos, papeando com as amigas, fazendo compras, em uma perfeita tranquilidade. Até que um dia uma moradora começa a surtar e é obrigada, junto com o marido, a partir da cidade e do projeto, Alice então resolve investigar o porquê disso, e acaba desconfiando o que pode estar por trás desse tal mar de tranquilidade e sucesso da simétrica e perfeitinha cidade.

Difícil falar de um filme que antes mesmo da estreia já teve polêmica, com troca de atores por denuncias sexuais, e pelo trailer, que mostra uma cena de sexo oral que deu o que falar. Polêmicas à parte, muito se esperava do novo filme de Olivia Wilde, mas infelizmente, a expectativa se revelou um pouco decepcionante. Com roteiro de Shane e Carey Van Dyke e Katie Silberman, produtora do projeto, Olivia mostra um grande esmero na direção, com grandes tomadas aéreas, ênfase à perfeita simetria das imagens, cores vibrantes e vivas, contrastando com a aridez do local onde fica a cidade e consegue, até certo ponto, conduzir o que poderia ser uma grande história. Logicamente, o filme tem muito de Mulheres Perfeitas e alguns filmes que não posso citar para não criar spoilers desnecessários, que no desfecho serão revelados, mas um dos grandes problemas do filme é apresentar soluções demoradas demais para conclusões que pareciam óbvias. Com mais de uma hora de projeção sabíamos que havia algo de podre no Reino de Vitória, mas a diretora enrola tanto que o filme acaba cansando e o final não surpreende o que mereceria surpreender. Uma pena e desperdício de uma premissa tão interessante e uma crítica severa ao machismo, a sensação de controle dos homens nas esposas e a submissão feminina.

Florence Pugh é a melhor do filme disparado. Mais uma vez a jovem atriz, aqui interpretando Alice Chambers, a perfeita esposa, mostra a segurança de sempre, apresentando desde a sua faceta de total subordinada ao marido, a desconfiança, ao enfrentamento e ao sofrimento, lembrando até um pouco seu papel em Midsommar, onde sofre sozinha contra tudo e todos, mas sempre nos oferecendo uma atuação impecável. Harry Styles, o jovem cantor britânico, é Jack, o marido exemplar de Alice, por mais que o menino tente, ainda falta um estofo de personalidade de atuação pra ele, ainda mais que está substituindo o escanteado Shia LaBeouf. Tarefa complicada, mas que mesmo assim não atrapalha e tem certa química com a ótima Pugh. Chris Pine faz o galã canastrão dono do projeto, Frank, sempre poderoso e com seu charme e persuasão controla tanto a homens e a mulheres da cidade, em uma boa atuação. Olivia Wilde é Bunny, melhor amiga de Alice e como sempre, dentro das câmeras nunca compromete.

E falando de Olivia, o filme tem uma boa direção de imagens, através do perfeccionismo, usa tomadas onde objetiva a harmonia exata das formas, tanto na arquitetura das casas, nas danças, nas tomadas aéreas da cidade, em uma busca pelo ideal, uma metáfora da obsessão masculina da época banhada de machismo, onde a missão do homem era buscar um ótimo emprego, ter um belo carro, uma casa moderna e ter uma mulher perfeita, sempre bela, trabalhadora do lar, disposta a tudo, boa mãe, em suma, comparando a esposa a suas conquistas profissionais e materiais. A cena do sexo oral protagonizado pelo casal principal do filme tem uma tomada aérea muito bem realizada e não apenas sugere, mostra de maneira velada, mas de forma impactante. A lástima é que esse balé de belas imagens, pontuadas por uma trilha que muda conforme o clima e andamento do filme, se perde no desenvolvimento da história. O que começa muito bem, apresentando aquele ambiente de luxo, belas mulheres com vestidos deslumbrantes, carros e homens elegantes, se perde no meio do filme, cansando, demorando para chegar a conclusões e dar pistas, e ao sabermos a verdade atrás dos penteados e do perfeito American way of life do filme, as conclusões são demoradas, às vezes confusas e com meia hora de filme a menos já poderiam ter sido explicadas.

Enfim, Não Se Preocupe Querida tem um apelo visual muito bonito, algumas atuações interessantes, principalmente de Florence Pugh, faz uma crítica à dominação masculina e o quanto a submissão feminina ainda pode ser desejo de muitos homens e é atemporal. É um bom filme, mas como a expectativa era tanta, acaba não por decepcionar, e sim ficando aquele gostinho de que poderia ser muito melhor.

 

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