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CINEMA Críticas

Crítica: Não Fale o Mal

Crítica: Não Fale o Mal
  • Publishedsetembro 12, 2024

Como de praxe, em minhas eternas reflexões cinematográficas, sou daquela teoria indagativa de: para que servem refilmagens? E quando os estúdios cometem o crime de fazer uma refilmagem de um filme de 2022, a pulga atrás da orelha não para de coçar mesmo. E quando esse remake é de um cultuado filme dinamarquês de terror psicológico, aí sim que a chance de tudo naufragar é grande demais. Mas não é que às vezes a gente erra feio (o que é ótimo) e o diretor James Watkins faz bonito na sua versão do clássico da Dinamarca Speak No Evil (de Christian Tafdrup) intitulado Não Fale o Mal (Speak No Evil, 2024), a grande estreia desta semana nos cinemas no Brasil.

O casal estadunidense Ben e Louise, e sua filha Agnes, desfrutam do bom e do melhor numa viagem à região da Toscana, na Itália. Lá acabam amigos de um casal inglês, Paddy e Ciara, que tem um filho, Ant, com um problema congênito na língua, que o impede de se comunicar. Paddy é daqueles caras que, com seu poder persuasão, te considera o melhor amigo apenas com horas conhecendo as pessoas. E quando os Dalton voltam a Londres (eles moram lá devido ao trabalho de Ben) recebem um convite de Paddy para passarem um fim de semana na casa de campo do casal no interior da Inglaterra. Mas o que parecia ser apenas um encontro de amigos em um tranquilo fim de semana acaba se tornando um terrível  pesadelo.

Como Speak No Evil, o original, nunca foi lançado por vias, digamos, legais no Brasil, não tive a oportunidade de assistir. E não posso usar como termos de comparação essa versão de Watkins. Mas posso afirmar com autoridade que Não Fale o Mal é um dos filmes mais perturbadores do ano. A atmosfera criada pelo diretor, que vai conduzindo o estranho relacionamento de amizade dos dois casais, que vai se transformando conforme vão se passando as horas do fim de semana do encontro, fazem do filme uma tensão absurda.

Porque por trás daquela truculência zombeteira e hospitalidade duvidosa de Paddy e Ciara, em contraste à educação e às atitudes politicamente corretas dos Dalton, todos sabemos que em algum momento algo iria acontecer naquela improvável amizade dos casais, algo como uma bomba relógio prestes a explodir para culminar no chocante desfecho. Watkins, até a parte final do filme, dá um show de direção de suspense, construção de personagem e diálogos afiados, mas infelizmente derrapa realmente é na conclusão da trama, onde todos os vícios e lugares comuns do cinema de horror americano dão as caras. Também não vou dizer que não é divertido e perturbador o tal desfecho, mas toda aquela carga acumulada de  tensão do fim é implodida num festival de sangue e violência exagerados. Mas repito, não estragam o filme, e talvez para muitos espectadores, pode ser o crème de la crème da trama.

E nada que apague o que vemos em quase duas horas de filme, um jogo de gato e rato, onde o gatos vão conduzindo com sua sutileza e controle total suas presas, no caso, um casal devastado por uma crise conjugal, fracasso na carreira e que talvez se não fosse a pequena Agnes nem juntos estariam. Ao contrário de Paddy, um homem auto suficiente, questionador, um red pill, que a todo momento precisa mostrar a sua masculinidade e domínio sobre a submissa Ciara. E tudo isso com tons de ironia, mas completo comando da situação, com direito a requintes de crueldade sobre o filho deles, fazendo o menino sofrer o diabo com o pai. Pode-se até notar um tom de crítica social, em uma sociedade de aparências e boas maneiras, em que os mais ricos e educados, com sua consciência típica dos intelecto burgueses, para se sentirem descolados se submetem a qualquer situação, mesmo tentando afinidade com quem apenas despreza e ridiculariza o politicamente correto e seu estilo de vida, mas tudo conduzido de uma maneira sem panfletarismo e em segundo plano total na história.

Talvez o filme tivesse outra cara se não fosse James McAvoy. O ator escocês toma o filme para si como o médico Paddy. Com seu charme rústico, ares de galhofeiro e um olhar assustador, ele é alma do filme, por mais que seja difícil acreditar que alguém em sã consciência iria aguentar meia hora com a companhia de um mala daqueles, quiçá passar um fim de semana. Mas os Dalton caíram. Scoot McNairy também convence como bolha a que é o personagem Ben Dalton, além de Mackenzie Davis, como Louise, que mostrava fragilidade na aparência, é a verdadeira rocha e defensora da família, capaz de tudo por sua filha Agnes, em bela atuação da atriz Alix Wst Lefler. Aisling Franciosi serve bem de estepe como a submissa Ciara, o troféu feminino de Paddy, e o menino Dan Hough, como o pequeno Ant, completam o sexteto da trama. Ah, e tem o coelhinho de pelúcia da Agnes…

O bom de falar de um remake sem ter assistido ao original é que posso vir com menos pedras e mais apto para ser surpreendido, e Não Fale o Mal, mesmo com algumas saídas  óbvias do gênero, consegue criar uma intensa tensão no espectador, constroi bem os personagens, e o melhor, explica, ao menos sutilmente, todo o absurdo e maldade dos segredos da família de Paddy (um senhor vilão!), mas nada didático demais, fugindo das conclusões mastigadas da maioria dos filmes de hoje em dia. Um raro produto da Blumhouse, que funcionou recentemente e que de uma maneira mais comercial, mas com muita qualidade e vida própria, tem tudo para mostrar ao mundo, agora de maneira mais ampla e comercial, o filme do dinamarquês Christian Taldrip, só que falado em língua inglesa. Intenso, com um clima crescente de tensão, violento e catártico, é um dos melhores filmes de horror do ano, com certeza.

 

Written By
Lauro Roth