Crítica: Mulher Maravilha 1984
O que falar de 1984… não estou falando da obra prima literária de George Orwell sobre uma sociedade totalitária de controle absoluto que foi escrita 35 anos antes desse ano, e nem do clássico disco do Van Halen, lançado esse sim em 1984 e com mesmo nome. Falo do quarto ano da década de 1980. Uma era de cores, exageros e muita inovação. Por exemplo, em 1984 foi lançado o primeiro Macintosh e o mundo começava a popularizar os computadores pessoais. Nesse ano Madonna cantou Like a Virgin no histórico e primeiro Vídeo Music Awards da MTV, mas quem ganhou o melhor vídeo clipe foi Cindy Lauper com seu hino que conclamava às garotas dos anos 1980 para apenas se divertirem.
No cinema tivemos Arnold Schwarzenegger como O Exterminador do Futuro, criaturas fofas virando monstrinhos malvados em Gremlins, um grupo de caçadores de fantasmas atrapalhados e um monstro de marshmallow em Ghostbusters e ainda o arqueólogo mais famoso das telas na sua segunda aventura, agora com problemas na Índia, em Indiana Jones e o Templo da Perdição. Foi também o ano onde o mortal vírus do HIV, que provoca a AIDS, começava a ser melhor entendido. E 1984, apesar de muita cor e diversão, eram tempos de medo. Nas olimpíadas de Los Angeles, retribuindo o boicote de quatro anos atrás os soviéticos não mandaram atletas para a competição e o mundo temia que a qualquer momento um norte-americano ou um russo apertasse um botão e mandasse o planeta Terra em segundos pelos ares… Nesse já tão distante ano é que Diana, a Mulher Maravilha tem como cenário sua segunda aventura solo pela DC, falo do recém-lançado e muito esperado Mulher Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984, 2020) dirigido novamente por Patty Jenkis.
No filme, Diana Prince, depois de passar décadas vivenciando horrores e se adaptando à sociedade, hoje trabalha em Washington DC, mais precisamente como curadora do museu Smithsonian. Nas horas vagas combate o crime, salva crianças e pedestres pelas ruas da cidade como Mulher Maravilha. No museu conhece Barbara Minerva, uma atrapalhada criptozoologista. Certo dia aparece no museu uma pedra misteriosa que supostamente tem o poder de realizar desejos. Artefato esse que é procurado pelo empresário falido Maxwell Lord, que tem como meta megalomaníaca ter um poder supremo com a posse dela. Diana não resiste à tentação, usa a pedra e através de seu desejo consegue trazer de volta Steve Trevor, sua eterna paixão terrena. Barbara com uma baixa autoestima tremenda também usa do artefato para se tornar igual à Diana, de quem tem inveja e admiração. Lord também, de posse do cobiçado objeto, realiza seu desejo de ele próprio ter poder da pedra e manipular os desejos dos outros para conquistar o mundo ao seu jeito. Tarefa que a Mulher Maravilha e Steve têm que evitar.
Mulher Maravilha 1984, um dos lançamentos mais esperados de 2020, sofreu com inúmeros adiamentos devido à pandemia de COVID-19 e finalmente foi lançado no fim do ano passado. Enfim, o filme tão aguardado muitas vezes decepciona e fica longe de empolgar. A diretora Patty Jenkis que teve o mérito de fazer o melhor filme do universo estendido atual da DC, com o muito bom Mulher Maravilha (Wonder Woman, 2017), tinha todo um ambiente favorável para uma brilhante continuação: o ano de 1984 como cenário, roteiro que ela colaborou, foi coprodutora e principalmente poder contar com o carisma e talento de Gal Gadot, já uma insubstituível Mulher Maravilha. Infelizmente o filme deixa a desejar. Ele até começa muito bem, em uma competição estilo olímpica em Themyscira, terra das Amazonas, onde uma criança Diana disputa com outras guerreiras uma frenética competição que serviu para um grande aprendizado a ela. E o filme ainda tenta embalar na primeira parte com uma Mulher Maravilha heroína nas ruas de Washington de 1984, salvando os indefesos cidadãos. Daí em diante o filme não engrena.
Um roteiro meio confuso e com poucas soluções, personagens que poderiam ser mais bem explorados e principalmente um melhor aproveitamento da época em que o filme se passa. Poderia com bom humor ter muito mais referências, músicas, abusar da moda e inserções mais diretas a 1984. Uma ideia superinteressante muito mal aproveitada. As atuações do quarteto principal se salvam no filme. Vemos uma Gal Gadot mais poderosa, confiante e adaptada ao mundo dos mortais e mais uma vez com uma bela química com o ator Chris Pine, que interpreta sua paixão Trevor. O bom humor dele, que nesse filme é o alienígena em um novo mundo, traz boas tiradas. Mas, a meu ver, a necessidade de ele voltar ao filme e a obsessão de Diana por Trevor, mostrando uma mulher que faz tudo por um homem, é um fator negativo ao empoderamento da personagem.
Uma mulher presa à paixão de um simples mortal não combina com a vibrante e idolatrada heroína. Kristen Wigg está muito bem como Barbara Minerva /Mulher Leopardo, mas pena que sua boa atuação é atrapalhada pela fraca construção da personagem muito forçada e sem sentido, não dá para acreditar que apenas não saber andar bem com salto alto e usar óculos é motivo para uma pacata intelectual se transformar numa invejosa, ambiciosa e perigosa vilã. O mesmo vale para Pedro Pascal como o caricato e megalomaníaco Max Lord. Pedro está muito bem como o falido e manipulador empresário, lembrando às vezes até os grandes vilões dos filmes de heróis do fim do século 21. Mas o excesso de exagero, a megalomania e o cinismo passam mais uma aura de políticos populistas da nossa era e que não chega nem aos pés de uma classe de um Lex Luthor de Gene Hackman ou o divertido e sádico Coringa de Jack Nicholson. Enfim, dois vilões que se bem explorados poderiam ter dado um excelente resultado.
Até visualmente o filme tem alguns poréns. Se empolga mais uma vez com as cenas slow motion das lutas com braceletes e o laço de Mulher Maravilha, a parte final decepciona e, principalmente, o embate entra ela e a Mulher Leopardo fica devendo. Luta realizada com uma fotografia escura e inúmeros cortes frenéticos pouco empolgantes. Além, é claro, da clássica parafernália de destruição, geralmente no final, característica dos filmes da DC cansam, e muito, visualmente (além da metragem longa demais). Mas é o final decepcionante, para não dizer sem sentido, abusando de clichês em um grau surreal que chega a provocar risadas, que é a cereja do bolo de modo negativo do filme. Não dá pra acreditar que Max Lord depois de tudo acaba daquele jeito, mas enfim, assistam ao filme… Pra não dizer que o filme não tem méritos, ele tem sim, por alguns instantes ele nos dá uma nostalgia dos grandes filmes do Superman entre 1978 e 1980 e até do humor do fraco de 1983, mas pena que é apenas um pequeno gosto e logo o filme perde esse rumo e não volta mais.
https://noset.com.br/podcast/setcast-251-mulher-maravilha-1984-e-tudo-isso-mesmo/
Mulher Maravilha 1984, infelizmente não chega perto do excelente e quase épico primeiro filme, o que realmente não deve ser fácil, mas minha expectativa era de um filme mais digno com o talento de Gal Galdot, que leva muito bem o filme, porém que naufraga num roteiro vazio, mal explorado e um exagero de efeitos visuais cansativos. Uma lástima, uma personagem fantástica, bons vilões e uma ideia boa desperdiçados num filme que decepciona.