Crítica: M3gan

Depois que, em 1988, um simples boneco que era para ser um grande companheiro da molecada foi possuído por um bandido e no corpo do brinquedo fez misérias e deixou um rastro de violência, assustando uma geração (além de servir como apelido de Chuck, alguns traumatizantes, para garotos baixinhos e ruivos), o cinema parecia que tinha criado o brinquedo de terror perfeito. Mas não custa citar, que nunca ninguém quis fazer um filme do boneco do Fofão, que nos anos 1980, diziam as lendas urbanas, em uma era de ficha telefônica e longe da internet, uns juravam de pé junto que tinha uma faca dentro dele, se tivesse tido esse filme, acho que teríamos o cult definitivo. Mas aí veio a Annabelle, uma sinistra boneca dos anos 1960, que a mente criativa de James Wan tinha ressucitado no clássico Invocação do Mal e atualizou o medo dos bonecos nas telonas. E o próprio Wan, enfim, resolveu juntar esses dois ícones do terror das lojas de brinquedo do cinema e colocar umas pitadas robóticas, de sci-fi e inteligência artificial, numa nova personagem: a M3gan, que estreia seu filme com o nome da personagem (idem, 2022), com direção de Gerard Johnstone, nessa semana nas salas de exibição brasileiras.

O que parecia ser um fim de semana de muita diversão, onde a pequena Cady e seus pais iriam esquiar no alto das geladas montanhas do Oregon, acaba sendo uma tragédia, quando um acidente de carro deixa apenas a menina de nove anos como sobrevivente. Quem ganha a guarda da pequena é sua tia Gemma, uma brilhante roboticista que tem pouco tino para crianças, mas que está desenvolvendo um protótipo de uma menina robô quase perfeita, que pode ser a companhia ideal para crianças negligenciadas e solitárias e excelente para pais terceirizarem a educação dos filhos. Gemma meio que atropela etapas e acaba dando de presente M3gan, a primeira versão de sua invenção, para a sobrinha, que logo se encanta com a menina robô e passa a ter uma amizade praticamente verdadeira com ela. Enquanto isso, a empresa de da tia quer acelerar o processo e logo comercializar a incrível invenção, mas aos poucos, M3gan começa a agir demais em defesa da sua dona e a se tornar um risco mortal a quem está em volta da familia, e com vontade própria, acaba se vingando do que for preciso.

Confesso que fazia tempo que não via um filme como M3gan. Uma obra com a cara dos anos 1980, um terror divertido, ou terrir, como se falava na época, cheio de deliciosos clichês e obviedades, que com meia hora de filme já podemos ter uma ideia do que vai acontecer, e que não tenta se levar muito a sério. Filme sem firula, curto, sem muitas explicações, mas que prende muito bem o espectador. Com uma premissa de James Wan e Akela Cooper, essa responsável pela adaptação, pode até deixar alguns neuróticos por sobrenatural com a pulga atrás da orelha, já que o filme, a meu ver, acerta em ter uma personagem maléfica criada por humanos com alta tecnologia, fugindo das batidas possessões, maldições ou espíritos malignos e zombeteiros. E se falta talvez um pouco de sangue, temos que tirar o chapéu para a criatividade das mortes do filme e o tom de suspense constante, além das engraçadas tiradas da história. Um filme à moda antiga e com uma personagem com cara angelical, mas extremamente sinistra, tanto nos seus conselhos, aparições repentinas e requintes de  crueldade para defender sua dona.

Claro que o filme tem muito de O Brinquedo Assassino, Annabelle, filmes de bonecos sinsitros dos anos 1980, um pouco do esquecido, mas divertido A Maldição de Samantha, pitadas do Hal de 2001: Uma Odisséia no Espaço e até uma pegada meio Exterminador do Futuro, já que a menina/boneca era osso duro de destruir.  É um filme como se fazia num passado recente, que passaria fácil e sem censura em sessões de terror dos anos 1980 e 1990, em pacatas tardes, para alegria da molecada. Existe até uma mensagem meio denúncia de o quanto a geração de pais de hoje em dia terceirizam os filhos, inundando a casa de tecnologia e telas para ter mais tempo para seus afazeres, mas como diz um próprio personagem da trama: não tem como brigar com o futuro. Além, é claro, de fazer uma sátira à indústria de brinquedos que servem como companheiros para as crianças de hoje, que cada vez mais dependem de aplicativos, atualizações e o principal: comprar acessórios online para satistfazer a gurizada e esvaziar o bolso dos pais.

Amie Donald, uma menina de nove anos, empresta seu corpo a M3gan e faz um belíssimo papel, com uma bela caracterização, de colocar medo e com direito a dancinhas dignas de Tik Tok antes de perfurar com facão uma de suas vítimas. A voz dela foi feita por Jeena Davis. Violet McGraw também está otima com a sofrida menina Cady, que fica órfã tragicamente e passa toda a angústia do momento que vive e vê, na inaptidão da tia para cuidar dela, apenas M3gan como sua verdadeira companhia. Gemma, a tia também está muito bem representada por Allisson Williams, que usa sua sobrinha como cobaia de seu invento supremo, sem saber o risco a que pode levar isso.

O filme tem tudo para se tornar uma franquia, uma personagem com potencial, produtores e roteristas dos bons por trás, mas ficaria de bom tamanho se ficasse apenas com esse primeiro filme, que deve se tornar uma pérola das boas dos anos 2020, além de nos privar de continuações abomináveis… só que cinema é dinheiro e é quase inevitável não termos novas bonecas assassinas nos próximos anos. M3gan é um slasher dos bons, com todos os elementos do gênero, vingança, suspense, toques de humor, mortes criativas e uma improvável, mas já icônica vilã. Um filme despretensioso, curto e grosso, mas que ao menos para mim, conseguiu me cativar, provando que muitas vezes o simples feijão e arroz, sem grandes efeitos, exageros e explicações, ainda tem espaço no gênero do terror ou ficção científica. Concluindo, vá ao cinema e se divirta com a M3gan, mas não se esqueça de dar atenção à Alexa de sua casa, porque nunca sabemos quando ela pode se rebelar e apagar as luzes sem nossos comandos…

 

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