Confesso que, às vezes, ainda mais em tempos tão belicosos, uma sociedade dividida e muito ódio no ar, assistir um filme leve, despretensioso, bonitinho e humano (nem tanto, já que o Lilo é um crocodillo) faz um bem para espairecer as ideias e ficarmos mais leves. Um filme perfeito para isso é o que estreia essa semana, falo de Lilo, Lilo, Crocodilo (Lyle, Lyle, Crocodile, 2022), uma live action e animação digital com direção de Will Speck e Josh Gordon.
Hector P. Valenti é um artista. Vive de números de mágica, espetáculos musicais, mas acaba devendo mais que lucrando no showbizz de Nova Iorque. Um dia descobre, numa loja de animais, um pequeno crocodilo que tem o talento de cantar. Surge aí uma amizade entre os dois. Lilo, o réptil, vai crescendo, cantando e dançando e é a esperança de Hector para faturar alto. Só que Lilo tem fobia de palco e fracassa na primeira apresentação. Hector o abandona num sótão de uma casa em Manhattan, até que uma família os Primms a aluga e o menino Josh, o solitário filho do casal Winslow e Constance, começa uma amizade com Lilo e os dois tornam-se grandes amigos. O mesmo acontecendo a seus pais, no início apavorados com o grandão, acabam simplesmente se apaixonando por ele. Mas o vizinho de baixo, Senhor Grumpps, desconfia que algo estranho está acontecendo por lá e pode acabar com a alegria de Lilo e sua nova família.
Gratíssima surpresa Lilo, Lilo, Crocodilo. Um filme com cara dos anos 1980 e 1990, mas com roupagem atual que simplesmente, pela sua curta e direta mensagem, acaba prendendo a atenção do início ao fim com uma história que aparentemente é simples, porém fala de autoestima, vencer os medos, libertar das amarras da vida, laços de amizade e, é claro, uma boa dose de comédia. Com efeitos caprichados a animação do crocodilo esta ótima, conseguindo transformar os sempre temidos répteis em um querido animal de estimação. Simplesmente ficamos com vontade de ter um Lilo dentro de casa. Ainda mais que ele canta muito bem e é um grande companheiro. O roteiro de William Davies é direto, consegue passar, através das situações mundanas, o quanto precisamos de um chacoalhão para nos tornarmos melhores. Ah, e como é bom ter como cenário Nova Iorque em um filme para a família, suas casas clássicas, suas avenidas, o metrô, o que só faz o filme mais aprazível de ser desfrutado. Além de cenas impagáveis como Lilo cantando na banheira Sir Duke, de Stewie Wonder, catando caviar nos lixos, andando de táxi com a cabeça para fora e participando de um show de talentos.
Javier Bardem, com um visual estilo Salvador Dalí, está muito bem como o picareta de bom coracão Hector e parece se divertir muito no papel. Todo o elenco está muito leve e solto, desde o menino Winslow Fegley, como Josh, o garoto com baixa autoestima, que vê no crocodillo uma amizade verdadeira, Constance Wu, como a mãe, que era neurótica por alimentação e se liberta de suas normas para ser mais livre nas suas receitas, e até Scoot McNairy, como o tapado professor, que também retoma a sua segurança como educador e pai de família. Brett Gelman, como o chatonildo vizinho que sempre quer desmascarar os Primms, faz o vilão clássico de filme infantojuvenil, sempre com sua mal-humorada gata Loretta a tiracolo. E é claro que, sendo um musical, temos um punhado de belas canções reconfortantes, cantadas pelo simpático Lilo. Na versão em inglês Shawn Mendes é responsavel pela voz do crocodilo. Mas as versões em português também são agradáveis, edificantes e melódicas.
Lógico que Lilo, Lilo, Crocodillo é um fime feito para a família. Bom levar quem a gente gosta para o cinema e se encantar com o simpático personagem, dando vontade de passear com ele pelas ruas de Nova Iorque, ouvir suas canções e ver seus números de dança. Mas por mais que seja apenas um divertimento descompromissado (e como falei, merecido em tempos tão pesados), nos passa várias mensagens diretas como o fato de que para mudarmos basta querermos e talvez nem precisemos de um crocodilo gigante e talentoso no nosso sótão para termos o impulso de tornarmos nossas vidas melhores e acreditarmos em nós mesmos.