Crítica: King Richard – Criando Campeãs

Compton é uma cidade da Califórnia que fica a sul de Los Angeles. Não chega a ter 100 mil moradores. Hub City, como é conhecida (por causa do eixo exato que representa sua distância do centro de Los Angeles), tem em sua centenária história três características marcantes. Por muito tempo foi considerada o berço do rap na Costa Oeste, grupos como N.W.A são crias de lá. Dr. Dre, Eazy-E, Kendrick Lamar, Arabian Prince. Enfim, para entender o gangsta rap e a violência da quebrada, basta prestar atenção na letra da música do citado N.W.A, Straight Outta Compton. Infelizmente outra característica, mas negativa, da cidade é o alto índice de criminalidade. Entre os 1960 até os 1990, a cidade era uma das com maiores índices de homicídio dos Estados Unidos (apesar de hoje estar com números mais reduzidos) e uma verdadeira guerra de gangues entre os Bloods e os Crips, por território, fez de Compton ser um local muito perigoso, tudo isso embalado pelo gangsta rap de bandas como Compton’s Most Wanted e o ícone do estilo, o N.W.A. Porém Compton também é o local onde um pai exigente, determinado e confiante treinou suas duas filhas nas abandonadas quadras da cidade e ajudou, com o talento delas e sua perseverança, a se tornarem duas das maiores tenistas da história, Serena e Vênus Williams. Essa história de um pai, uma família unida e duas meninas talentosas, que deram suas primeiras raquetadas na abandonada Compton, é retratada no filme King Richard: Criando Campeãs (King Richard, 2021), dirigido por Reinaldo Marcus Green, que aterrissa nos cinemas nessa semana.

Richard Williams é um pai obstinado. Desde cedo, antes mesmo de suas filhas nascerem, criava planos e treinamentos para elas serem as melhores jogadoras de tênis do mundo. Seu amor pelo esporte, juntamente com a esposa Oracene, fizeram o casal, com cinco filhas, superarem obstáculos sociais, raciais e de ambiente para transformar Vênus e Serena, duas prodígios talentosas, em futuras campeãs.

Esportivamente falando, é impossível mensurar o poder e a importância das irmãs Willians para a história do tênis. Com um monstruoso talento, técnica apurada e incrível faro de vitória, as duas empilharam títulos e ajudaram a derrubar barreiras raciais em um esporte elitista e se transformaram em exemplos para novas gerações. O diretor Reinaldo Marcus Green nos conta o antes de tudo isso e tem como personagem principal da trama, ao invés das meninas, o pai, o polêmico, mas importantíssimo na vida delas, Richard. Qualquer biografia esportiva recente esbarra no problema de endeusar demais os personagens principais, mas nisso Marcus acerta ao contar a história do pai delas. E tem como mérito terminar o filme quando o mundo conheceu uma das irmãs, numa partida contra Aranxta Sanchez. Numa comparação cinematografia podemos citar Dois Filhos de Francisco, com o mesmo script de um pai obstinado e rigoroso atrás do sucesso dos filhos e também encerrando no momento certo, quando eles começaram a estourar nacionalmente. Talvez Richard seja o Seu Francisco do tênis na luta pelo sucesso das filhas no esporte. O roteiro de Zach Baylin não nos apresenta grandes novidades, segue uma cronologia de uns cinco anos na vida da família Willians, abusando dos clichês básicos de filmes para emocionar, com frases positivas, com momentos de tensão e alegria, e principalmente, superação e foco. Will Smith, apesar de um pouco caricato, muito pela necessidade do personagem, está muito bem, se doando muito pelo papel, uma atuação de gala e emocionante, até parecida com a sua no filme A Procura da Felicidade, onde nunca desiste da família e de seus sonhos. Uma atuação digna, de um personagem difícil, porque por mais que Richard fosse um incentivador, disciplinado e que planejava os detalhes da vida da família e das filhas ao seu jeito, era um cara teimoso, extremamente vaidoso e por vezes arrogante. Will consegue encarnar todos esses sentimentos no polêmico personagem e mesmo com seus calções apertados e meiões até o joelho da caracterização do pai das meninas, deve concorrer a uma estatueta do Oscar. Aunjanue Ellis, como sua esposa Oracene, está ótima também, tentando dar um equilíbrio de realidade e segurando as barras da família, sendo a razão nos quase devaneios de Richard. Saniyya Sidney como a menina Vênus Williams também tem uma excelente atuação, mostrando a personalidade forte que tinha e tendo forças para enfrentar o pai quando esse a protegia demais e a podava em seu talento. Demi Singleton, como Serena, a futura maior tenista da história, também representa bem seu lado coadjuvante de irmã e pacientemente espera sua vez. Duas grandes atuações.

Impressiona também as cenas de tênis do filme. Desde os treinamentos, até as partidas, tudo é conduzido brilhantemente pela edição de Pamela Martin, que com seus cortes certeiros, dá um ar de tensão e emoção às empolgantes cenas do esporte no filme, isso que o tênis é um esporte que muitas vezes não funciona muito bem na telona, mas em King Richard ele naturalmente é umas das estrelas principais da trama, nos presenteando com cenas maravilhosas. A reconstituição do início dos anos 1990 também é brilhante, nomes como Pete Sampras, John McEnroe, Jennifer Capriati e Arantxa Sanchez desfilam pelo filme, em uma era mais romântica do tênis sem os super monstros dos anos 2000 (incluindo as Ets irmãs Wiillians). A crítica social e o ambiente de poucos amigos de Compton também marcam o filme, quadras abandonadas, precários locais de treinamento, convívio com traficantes e bandidos e o racismo eram mais alguns obstáculos que Richard e sua trupe tiveram que enfrentar antes de achar treinadores que acreditassem nelas e mudassem a vida da família.

King Richard é um bom filme, tem cenas esportivas excelentes e um clima noventista já nostálgico, abusa de alguns clichês básicos de obras similares, mas consegue sim passar o que representou Richard Willians na carreira das filhas. É um filme sobre foco, dedicação e sobre buscar os sonhos ao invés de apenas sonhá-los. Além de mostrar que em uma família unida, com amor, que coopera entre si, tem valores e objetivos comuns (por mais megalomaníacos e meio surreais que sejam, como o dos Williams), os sonhos podem tornar-se realidade, seja em Compton ou em qualquer lugar do planeta.

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