Crítica: Kill – O Massacre do Trem

O cinema e a ultra violência sempre andaram de mãos dadas, apesar de inúmeras críticas e censura por parte dos detratores do gênero de ação. Desde o realismo cru dos anos 1970,  a era dos brucutus exterminadores na década de 1980, o terror dos anos 1990 até alguns filmes de gosto duvidoso dos anos 2000, que ressuscitaram a violência chocante e gráfica nas telonas. Socos, tiros, facadas, cabeças amassadas e pancadaria sempre estiveram de mãos dadas no cinema de ação, e até o sucesso de franquias como John Wick, provam que o povo gosta da coisa. Mas e  quando o John Wick, Chuck Norris, Stallone e Schwarzenegger, entre outros, parecem recreadores infantis, comparados com a violência de um filme que estreia essa semana nos cinemas? Kill – O Massacre do Trem (Kill, 2023), o filme “mais violento” já feito, com direção do indiano Nikhil Nagesh Bhat, é o responsável por fazer isso.

Em Nova Delhi, na Índia, a família de Baldev Singh Sakur, um magnata dos transportes, embarca num trem após ele arranjar casamento para sua filha Tulika. Mas a garota não quer saber do pretendente armado pelo pai e está apaixonada pelo militar Amrith, que junto com seu amigo Viresh, embarcam na locomotiva sem a menina saber. Só que outra família também está nos vagões. Liderada pelo frio e implacável Fani, uma gangue familiar está ali disposta a fazer um assalto dos grandes. Assalto que pode virar um sequestro, já que eles descobrem a presença do magnata Baldev no trem. Então o que seria um assalto, digamos assim pacato, acaba sendo um embate entre Amrith, que quer defender a sua paixão e a família dele contra o cruel Fani, provocando uma hora de intensa pancadaria num trem em movimento.

Kill – O Massacre do Trem já pode ser carimbado hoje como um dos melhores filmes de ação do ano. O diretor Nikhil simplesmente nos entrega, tirando o marketing de maior, com certeza, um dos mais intensos e violentos filmes em muitos anos. Obviamente não é um filme para qualquer estômago, mas as cenas de violência à moda antiga, com coreografias de lutas realistas, sangue jorrando, tiros e até cabeças em chamas, nos  transporta ao que de melhor o cinema brucutu do passado nos apresentou.

E digo mais, coloca no bolso muitos dos nossos herois daquela era onde esses gigantes tomaram as telas. Num misto de Comando para Matar com Kill Bill, mas com uma autenticidade incrível, o diretor, sem rodeios, tendo apenas espremidos corredores de  trem indiano, nos dá uma aula de como fazer cinema de ação, criando tensão, usando o som com perfeição e uma trilha no tom certo como pano de fundo para tamanha violência. E não poupa ninguém, tudo é muito explícito, pesado, qualquer utensílio serve para ajudar a enfrentar os bandidos do trem, o que faz com que cabeças rolem, mãos sejam decepadas e muitos pescoços sejam quebrados, com sangue explícito na exposição visual. Às vezes, devido à edição de som, parece que sentimos os socos e pancadas, e tudo numa maneira à moda antiga, direta, sem o frenetismo e cortes do cinema estadunidense atual, em que não se vê nada nas lutas em tomadas confusas e poluídas. Em Kill o pau literalmente come e estamos no meio do fogo cruzado.

E onde pode parecer que temos apenas um filme que serve apenas como uma ode à violência, temos uma bonita história de amor entre Amrith e Tulika, em que o sentimento de proteção e vingança desperta a revolta feroz do militar. Também, o que me surpreende é que em toda aquela matança desenfreada, o diretor procura mostrar tanto o sentimento das vítimas quanto dos agressores. O grupo de bandidos é de uma mesma família e conforme cada integrante, pai, filho, primo, vai morrendo, eles também carregam o sentimento da perda, choram, não acreditam que perderam o ente querido, e por honra, juram vingança. Já no cinemão, o bandido é apenas um figurante sem coração e descartável. Coisas do cinema indiano, em que valores como honra e família são mantidos, mesmo sob o caos e com um toque de paixão e romance, marcas típicas do cinema da terra do Gandhi.

Lakshya interpreta Amrith, o nosso super-heroi do trem, uma máquina da morte, mas que não perde a ternura jamais (a não ser contra os algozes). Seu arqui-inimigo é interpretado por Raghav Juyal, que está ótimo como o sarcástico, charmoso e violento Fani, contrapondo bem a balança do bem contra o mal. No meio disso ainda temos Tanya Maniktala, como Tulika, a corajosa e apaixonada filha do milionário que pretende enfrentar o pai para ficar com Amrith.

Kill – O massacre do Trem é um filme que, com palavras, fica extremamente difícil descrever, tamanha força visual e violência. Poucas vezes um subtítulo no Brasil foi tão feliz, pois o que vemos em pouco mais de uma hora e meia é um massacre verdadeiro, tudo muito bem coreografado, num balé onde chutes, socos, marretadas e afins se movimentam de forma precisa em umas das vinganças mais agressivas do cinema recente. Se é o filme mais violento já feito, acho que o marketing da frase ajuda, mas é surpreendente, tamanha ferocidade e crueza das cenas do longa. Logicamente não é um filme para qualquer um, se a pessoa não quer ver sangue e corpos no chão, passe e com razão longe do cinema, mas se você é fã de um filme de ação à moda antiga e quer se divertir (o filme às vezes chega a ser tão brutal e surreal que provoca gargalhadas), Kill é  a pedida certa, e que espero que seja referência para as produções de ação do ocidente tão preguiçosas de hoje em dia.

 

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