Crítica: John Wick 4 – Baba Yaga

Houve uma era no cinema dos anos 1980, em que os brucutus caminhavam na Terra, digo nas telas, ou melhor, telonas de cinema. Foi um tempo em que Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stalonne, Chuck Norris, Charles Bronson e outros menos cotados transbordavam testosterona nos filmes, ao mesmo tempo que, com socos, chutes, bombas, facas e armas, empilhavam corpos nas tramas ufanistas da Era Reagan. E lotavam sessões, sucesso garantido de bilheteria. Muita coisa mudou em quase 40 anos, alguns filmes de ação ainda tem suas doses brutais, mas nada pode se comparar a John Wick. Talvez nenhum dos quatro acima, no auge da sua forma, seria capaz de ir de frente com o galã Wick, sempre de terno impecável, gravata que não se solta e que passa mais perrengue que dublê de filme, só que com a diferença que sempre levanta, sacode a poeira e dá volta por cima. Desde 2014 a série tem seu séquito público, ávido pela longa caçada de vingança e perseguição que o assassino mais temido do mundo vive nas telas (e quem diria que tudo começou por causa do seu cachorrinho) e, obviamente que uma quarta parte da série teria que ser lançada, e nessa quinta, John Wick 4 – Baba Yaga (John Wick – Chapter 4, 2023), com direção de Chad Stahelski, aporta nos cinemas brasileiros.

Depois dos eventos do terceiro filme, e de ter matado quase 300 pessoas, John Wick tem sua cabeça posta a prêmio por cada vez mais dinheiro. A Alta Cúpula está jogando pesado para detê-lo e acaba destituindo o gerente Winston, mata o concierge Charon e implode o Hotel Continental de Nova York. Entre idas e vindas, Wick acaba sendo caçado por velhos aliados, faz o circuito Nova York, Berlim e Paris, empilha corpos pelo caminho e é desafiado por um duelo à moda antiga pelo Marquês de Gramont, membro importante da Alta Cúpula na cidade de Paris. Mas para chegar vivo a esse duelo ele tem que passar por muita luta na cidade luz até chegar à Basílica de Sacré -Couer, palco marcado do duelo.

Uma coisa jamais podemos negar: Chad Stahelski, diretor de toda a saga de John Wick, conseguiu como poucos passar para as telonas um clima frenético de um vídeogame em um personagem original. A cria do roteirista Derek Kolstad nos apresenta um personagem mais poderoso que muitos super-heróis, mais agressivo que muitos lutadores e atira tão bem que coloca Stallone e Schwarzenegger no bolso. Ah, e tudo isso numa beca e elegância primorosas. Nesse quarto filme, que não tem assinatura no roteiro de Kolstad, John Wick está impossível.

Nas absurdas quase três horas de duração (no mínimo uma hora de enrolação poderia ter sido limada), o assassino mais temido e blasé do cinema passa sendo caçado quase que constantemente, enfrenta centenas de inimigos, toma tiros, é atropelado, pula de prédios (e sai andando, logicamente), cai de escadarias, briga com amigos, tenta parar o trânsito de Paris (não consegue porque o caos ali não se importa com tiros e brigas) e leva pro inferno dezenas de pessoas. Como fases de vídeogame, ele vai passando uma a uma com um tom de surrealismo de deixar Chuck Norris com medo. Nada pode deter John Wick. Tanto em Osaka, Nova York, Berlim e Paris o nosso anti-herói vai empilhando cadáveres com cenas de ação de tirar o fôlego, com muita coreografia marcial, tiros e violência. Nessa quarta parte, talvez o diretor e os roteiristas quisessem se levar menos a sério, porque algumas cenas do filme, de tão absurdas, chegam a provocar risadas. Na perseguição a John, dos assassinos em Paris, tem uma clara homenagem ao clássico Warriors, de 1979, com uma radialista anunciando que a caçada a ele está começando, e passando por vários pontos turísticos da cidade, nosso vingador de cães vai derrubando um a um seus algozes, com a capital francesa como cenário.

Keanu Reeves as John Wick in John Wick 4. Photo Credit: Murray Close

Keanu Reeves, como sempre, está impecável como o John Wick. Uma atuação extremamente física e dolorida, realmente não deve ser fácil fazer esse papel, mas ao mesmo tempo poupa texto, porque mais uma vez nosso herói pouco fala e tem expressões faciais tão marcantes que deixariam uma pedra com inveja. O resto dos atores é o mesmo de sempre, Ian McShane ainda tenta dar um ar de pompa para seu personagem Winston, Donnie Yen como o assassino cego Caine, demonstra boa forma nas cenas de ação, às vezes roubando o filme, já que é um veterano nos filmes de artes marciais e Laurence Fishburne faz o papel burocrático dele na série. E o resto, tirando alguns atores que tentam dar profundidade à quase inexistente trama, é figurante, que são iscas de minhocas para a ira tenaz de Wick.

John Wick não deixa de ser um retrato de seu tempo, se nos anos 1980, as aventuras dos brucutus tinham um referencial político, de uma era que tinha como objetivo louvar uma América poderosa, Wick representa uma era frenética, uma era onde o público-alvo de seus filmes gosta de games e uma época cada vez mais individualista, afinal John faz tudo apenas por si, para salvar sua pele e exorcizar seus fantasmas, e com seu jeito quase imbatível, representa bem essa geração que se realiza nas telas e tenta através delas comandar as ações e suas vidas. Enfim, John Wick 4 no que se propôs é impecável e tem tudo que a sua  legião de fãs querem dele, apesar de quase beirar à insanidade, toda a violência que sofre na tela e ver que ele ainda se levanta e sai arrumando a gravata depois de tudo, como se nada tivesse acontecido. Conclusão: pipoca pura, mas com pouco sal, porque sal demais faz mal.

 

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