Crítica: Evidências do Amor

Foi-se o tempo em que canções populares eram motivo de asco por parte da população dita culta. Em uma era passada, enquanto o povo idolatrava Odair José, Wando, Waldick Soriano, Roupa Nova, José Augusto, Chitãozinho e Xororó, entre outros nomes da música popular brasileria de verdade, parte da população fazia que não ouvia, não gostava ou que não bombava esse tipo música. Com o tempo tudo mudou, hoje em dia Raça Negra é cult, Odair José virou ídolo indie, Roupa Nova virou o Toto brasileiro, Fogo e Paixão, do Wando, é amada e Evidências, letra de José Augusto e Paulo César Valle, virou um hino não oficial brasileiro. A canção preferida dos karaokês, e talvez uma das mais conhecidas do Brasil, virou premissa de filme. E ao contrário de músicas que viraram filme como Faroeste Caboclo e Eduardo e Mônica, que narravam a canção em imagens, esta serve como uma maneira de, um casal sofrendo por um rompimento, se reconectar. O filme estreia essa semana com o título Evidências do Amor (2023), com direção de Pedro Antonio Paes.

Marco Antonio e Laura se conheceram cantando juntos num karaokê a canção Evidências. Tinham um relacionamento de três anos e abruptamente Laura resolveu romper com ele às vésperas do casamento. Um ano passado do fim, Marco, toda vez que ouve a canção acaba viajando por memórias do tempo que ele e Laura estavam juntos. Só que essas lembranças são sempre de brigas e momentos ruins. Desesperado com esse carma, afinal Evidências toca em qualquer lugar em qualquer momento, ele decide entender o porquê de isso acontecer, contando com ajuda de Júlia, sua vizinha, determinado de uma vez por todos a esquecer (ou não) sua ex-namorada Laura.

Sabe aquele filme que o cara vai pronto pra achar uma grande bobagem e sai do cinema com um largo sorriso e cada vez mais apaixonado por uma canção maravilhosa como Evidências? Enfim, esse é o caso de Evidências do Amor. Pedro Antonio Paes nos apresenta um filme divertido, romântico e um retrato emocionante de um relacionamento amoroso, aquele pacote de momentos inesquecíveis tanto pelo lado bom da coisa, quanto pelas inúmeras besteiras que atrapalham ou destroem romances. Com roteiro dele, Luanna Guimarães, Fábio Porchat e Álvaro Campos, o filme é aquela deliciosa comédia romântica que tanto pipocava nos cinemas dos anos 1990 e início dos anos 2000 e hoje misteriosamente está em falta.

Tudo funciona bem, a inclusão da música a quase todo instante é um charme a mais, e uma prova que ela nunca enche o saco. A montagem é esmerada e consegue editar aquela loucura toda de lembranças, sem aquele tom frenético de hoje em dia. A fotografia  muito bonita de Pedro Faerstein é um personagem a mais, emoldurando a inusitada história de amor com filtros para cada ocasião. O filme tem toda aquela aura de viagem no tempo. As idas e vindas nas memórias de Porchat lembram o lado observador de filmes como De Volta para o Futuro e o looping eterno nas profundezas das suas reminiscências tem um quê de Feitiço no Tempo, em que ele até aproveita a situação absurda que vive, transformando em momentos cômicos.

Falando em Porchat, ele é histriônico, tem aquele humor exagerado, fala demais, muitas vezes é um mala sem alça, mas nesse filme consegue dar um tom moderado a sua interpretação, conseguindo ter um timing ótimo nas suas piadas de bate pronto, que é a sua características e constituindo bem um personagem, no caso o Marco Antônio, um cara dono de si, que se gaba por seu perfeccionismo, mas que nunca entendeu o porquê de ter perdido seu grande amor. Os momentos mais excessivos da sua interpretação ficam mais para cenas das suas voltas ao passado mental mesmo. Sandy também está bem. Entrega o que consegue, nunca foi uma grande atriz, mas tem um carisma e uma doçura encantadora e convence como o par romântico de Fábio Porchat. Quem está muito bem, mas fazendo papel dela mesmo (que é ótimo) é Evelyn Castro, a amigona de Marco Antonio, Júlia, servindo de escada para Porchat, mas roubando a cena na maioria das vezes. Até José Augusto, coautor da obra imortalizada nas vozes da dupla Chitãozinho e Xororó, dá uma canja no filme e manda muito bem.

Evidências do Amor é mais que uma comédia de romance água com açúcar genérica como tinha tudo para ser. Claro que abusa das saídas fáceis do gênero e exageros do Porchat, mas é um filme criativo, que mexe com  o imaginário dos relacionamentos. Quem nunca teve a ideia de saber ou reviver momentos inesquecíveis da vida e ter oportunidade de aprender com os erros e manter os acertos de uma relação? No filme, Marco Antonio e Laura têm essa chance de amadurecer com o que deu errado e através de pequenas evidências, perdão pelo trocadilho, entender o porquê de as coisas darem errado. Com certeza, uma das comédias mais agradáveis dos últimos tempos, com um casal que esbanja química, mesmo com Porchat ligado no 220 e Sandy na sua eterna meia fase, uma história apesar de rocambolesca, simples, assim como Evidências. Sutil, animada e tocante. Uma gratíssima surpresa no cinema de comédia nacional que tem tudo para ser um grande e merecido sucesso.

 

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