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CINEMA Críticas

Crítica: É Assim Que Acaba

Crítica: É Assim Que Acaba
  • Publishedagosto 8, 2024

Colleen Hoover pode ser considerado um daqueles fenômenos literários, que ao mesmo tempo que tem fãs fervorosos que absorvem e se encantam com sua literatura, em menor medida provoca asco em muita gente que considera os romances de jovens adultos como um escapismo de péssimo gosto, além de mal escrito. Independente de julgamentos, até que estava demorando para alguma obra dela ser adaptada pro cinema, e oito anos depois do lançamento de ums dos seus livros de maior sucesso, chega nas telonas essa semana É Assim Que Acaba (It Ends With Us, 2024), com direção (além de atuação) de Justin Baldoni.

A trama gira em torno de Lily Bloom, que resolve deixar a cidade natal para tentar a vida abrindo uma floricultura em Boston. Ainda absorvendo a morte do pai, que passou a vida agredindo a mãe, acaba se apaixonando por um famoso neurocirurgião. Rico, charmoso e dono de si, Ryle encanta a sonhadora garota em sua nova fase da vida. Ao mesmo tempo que Lilly ainda precisa prestar contas com um ex-namorado da sua adolescência, que teve um trágico rompimento, e que hoje é dono de um restaurante descolado da cidade. Com seus fantasmas do passado para resolver, ainda tem que enfrentar um nebuloso presente ao descobrir que Ryle não é flor que se cheire e abusa violentamente da frágil florista.

Fica difícil fazer uma comparação entre a obra literária e a adaptação, quando o autor da crítica, no caso eu, nunca leu uma linha de qualquer livro da Hoover. Mas pesquisando brevemente, detalhes como a idade mais avançada dos protagonistas em comparação ao livro e tintas mais pesadas na questão da violência conjugal são algumas consideráveis mudanças das páginas do livro para as telonas.  

Mas afirmo que mesmo tendo pouco conhecimento dos livros de Colleen, consegui me embrenhar com prazer na adaptação (roteiro de Christy Hall) e saí muito feliz com o resultado. A direção do ator, protagonista e galã Justin Baldini acerta em fazer o fácil, contando uma história aparentemente simples na estrutura, mas muito bem desenvolvida na trama. Apelando para voltas temporais que nos elucidam o passado tenso de Lilly, recheado de traumas familiares e uma paixão antiga mal resolvida, é tudo muito bem costurado com a nova vida da adulta Lilly, uma florista de sucesso na charmosa Boston, com uma vida aparentemente perfeita, com amigos, um marido “maravilhoso” e livre para ser feliz. 

Claro que algumas coisas me aborrecem bastante nesse tipo de trama, como aquele clima plastificado e elegante, onde jovens adultos são ricos e charmosos, e que vivem em apartamentos perfeitos e têm empregos que mais parecem um passatempo que um ganha-pão. Enfim, essa imagem é que é a vendida para a telona. E outra questão que me deixa encasquetado é que o Justin Baldoni, talvez até por dirigir a película e fazer o papel do imprevisível Ryle, em poucos momentos nos transpassa sua verve violenta, e confesso que por mais que qualquer violência é violência, no filme, a cenas mais pesadas, em que ele bate em Lilly, ainda tem um filtro mais leve, o que acaba que muitas vezes não cremos muito na sua índole. Mas homens agressivos e abusadores podem ser bonitos, ricos e salvarem vidas como neurocirurgiões também, né? 

Blake Lively está excelente como Lilly. Mesmo em alguns momentos em que apresenta uma personalidade frágil, fantasiosa e às vezes indefesa, mostra sua força, como ignorar o enterro do pai violento, enfrentar a sociedade e namorar o abandonado Atlas, e no momento mais delicado de sua vida, saber com sábias palavras e marcantes atitudes enfrentar o tóxico e abusivo relacionamento com Ryle. Uma digna e tocante atuação. Baldoni fica devendo um pouco como o narcisista e abusador Ryle. Mesmo com seu charme ainda fica carecendo de mais profundidade em um papel tão importante e com a lástima que são poucos os momentos em que tem sua personalidade abusadora em destaque. O mesmo vale para o ex-amor de Lilly, Atlas, em uma atuação apenas discreta de Brendan Skinner, no papel de um personagem tão chave e sofrido da trama. Quem está muito bem como coadjuvante é Jenny Slate, como Alyssa, irmã de Ryle, que se torna a melhor amiga de Lilly e tem momentos cômicos que quebram o gelo do filme, mas nunca escapando para a caricatura, talvez a personagem mais humana e real da trama. Isabela Ferrer interpreta a jovem Lilly e  Alex Neustaedter é Atlas na adolescência, em boas atuações.

Então É Assim Que Acaba é um filme importante, que toca em feridas fundamentais da sociedade e o quanto relacionamentos, que na prática parece de conto de fadas, podem ser uma farsa regada à violência, tanto física quanto mental, e o quanto essas chagas acabam moldando a vida das pessoas. Mesmo suavizando um pouco nas cenas de violência doméstica, ou tratando de forma rápida, o filme consegue passar a mensagem de quanto o silêncio e a permissividade apenas agravam as coisas. Para uma primeira adaptação de um livro da best seller Coolen Hooover, temos um bom e cativante resultado, em um fime que sabe dosar muito bem o espinhoso tema com muita emoção, sensibilidade e que dá espaço para a sensatez e nunca cai num melodrama barato, ou num panfleto feminista. Um filme adulto que consegue conquistar o espectador e até para quem mesmo não conhece a autora e sua vasta obra, causa um surpreendente impacto.

 

Written By
Lauro Roth