Crítica: Dunkirk (2017, de Christopher Nolan)

Se você acha que é difícil falar sobre filmes que se baseiam em adaptações de quadrinhos porque a paixão intensa costuma falar mais alto e qualquer debate tem grande potencial de virar um campo de batalha, espere até lidar com a filmografia de Christopher Nolan. Se você também eventualmente se cansou de ver o cinema ser transformado em briga de futebol, lhe digo que está no caminho certo. Qualquer tipo de polarização tende a prejudicar nossa experiência como expectador e a simplificar a arte em termos de definições simplórias; o “filme pipoca” vs “filme de arte” é uma das mais famosas e da qual mais discordo. Não que não existam filmes que se adequem claramente a certos tipos de público, mas todo cinema é arte, porque não? O cineasta citado, de fato, é um cineasta acima da média, como prova sua excelente filmografia. Como dizer que um diretor que fez excepcionais blockbusters em sua carreira simplesmente não faz arte? O que mais importa no cinema é a narrativa, isto é, a maneira como você conta uma história. Apesar de não ser um cineasta perfeito, é inegável que seu mais novo longa, Dunkirk, é resultado das mãos talentosas de um regente experiente e ciente do poder da narrativa audiovisual, e não é necessário exclusivamente amá-lo ou odiá-lo para que se reconheça isso. No filme, os eventos históricos da Operação Dínamo, ocorrida entre o final de maio e começo de junho, durante a 2ª Guerra Mundial, em 1940, são contados através do ponto de vista de soldados britânicos e franceses em meio a uma gigantesca missão de evacuação de tropas aliadas. Cercados pelo exército alemão e encurralados na costa da cidade de Dunquerque, na França, os mais de 300.000 soldados ingleses, franceses, belgas, entre outros, aguardavam o resgate para a Inglaterra enquanto os alemães avançavam em direção à praia. Dessa vez, o próprio diretor escreveu o roteiro, que busca retratar o sentimento de urgência, desespero e heroísmo através de 3 segmentos no enredo que ocorrem em tempos diferentes. Sendo assim, há aqui uma junção entre a já conhecida habilidade do cineasta em construir narrativas instigantes através da manipulação do tempo (vide Amnésia e A Origem em maiores escalas) e a opção – nem sempre ousada como ele gostaria – de focar o roteiro claramente nos eventos, e não na força individual dos personagens. De fato, a escolha, como o próprio diretor explica nas entrevistas, é proposital porque tem o objetivo de justamente trabalhar a tensão coletiva envolvida nos momentos mais marcantes dos nove dias de operação. A boa notícia é que isso funciona, ao menos em grande parte do tempo, graças ao talento de Nolan em imergir o expectador através de um apuro visual deslumbrante, uma montagem ousada (aí sim) e a trilha sempre marcante de Hans Zimmer. E é fácil notar como esses elementos trabalham em conjunto nos primeiros 10 minutos de projeção, quando acompanhamos o soldado Tommy (Fionn Whitehead) se dirigindo à praia depois de escapar de um tiroteio nas ruas de Dunquerque. A dimensão de escala que temos ao experimentar o ponto de vista do soldado acontece graças ao trabalho de Nolan e do diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema (Interestelar), que consegue focar a opressão visual de milhares de soldados aguardando o resgate através de grandes planos abertos que os colocam reduzidos perante um ambiente frio e desolador. Somando-se ao visual, o silêncio dos soldados encontra o encaixe perfeito com uma trilha inicialmente monotonal que vai crescendo lentamente ao fundo até atingir o clímax com o desenrolar de um grande perigo. Essa é a lógica que permeia a construção de tensão que veremos em todo o filme e que se repete em vários intervalos. O que leva a outra escolha peculiar do longa. O que parece quando assistimos a Dunkirk é que antes havia um épico tradicional de guerra de 3 horas de duração e que depois foi “recortado” do meio para o final, resultando neste filme. A impressão é que estamos vendo uma obra de um ato só, que já começa num tom que se mantém constante durante todo o tempo, e isso não é necessariamente ruim, já que ajuda o sentimento de angústia tomar conta dos nossos sentidos durante os 106 minutos do filme. Ainda em entrevista, o próprio diretor afirmou que a intenção era realizar “um grande clímax na duração de um filme”. Só por esses elementos, já se nota um realizador que se preocupa em se diferenciar da maioria em contar histórias marcantes e imersivas. Visualmente, Dunkirk é realmente deslumbrante e cativante. Continuando a preferência do diretor em adotar um design de produção e efeitos que prezam o prático ao invés do CGI, a ambientação do longa jamais deixa de passar a sensação de realidade e grandiosidade. Nos sentimos plenamente a bordo dos navios, botes, aviões e ameaçados por torpedos, tiros e explosões. Os efeitos sonoros são igualmente espetaculares e ajudam o expectador a reagir à dimensão de situações desesperadoras através de sons que tornam aquele cenário de guerra um quase pesadelo. Assistir a esse filme é uma garantia de experiência áudio visual das melhores. Quanto ao aspecto do enredo e do nosso envolvimento com os personagens, Christopher Nolan ainda continua a oscilar bastante entre as abordagens de sua carreira. Mesmo, como dito anteriormente, que a intenção seja priorizar a temática coletiva, há momentos na narrativa onde o distanciamento emocional pode prejudicar a experiência de alguns. Na parte onde a ação de guerra em si é mais intensa, Tommy (Whitehead), Alex, que é interpretado com segurança por Harry Styles, e Gibson (Aneurin Barnard) são responsáveis pelos momentos mais urgentes e tensos do filme. Sob a supervisão do Comandante Bolton (Kenneth Branagh), vemos os soldados e suas inúmeras tentativas de fugir da costa através das tomadas mais grandiosas e visualmente impactantes do filme, o que acaba não exigindo muito que sejamos brindados com muito desenvolvimento de personagens. Fora isso, são os momentos onde os blocos de tensão da narrativa são elevados ao máximo, os tornando … Continue lendo Crítica: Dunkirk (2017, de Christopher Nolan)