Crítica: Drácula – A Última Viagem do Demeter

Stephen King é um cara peculiar. Apesar de ser um dos maiores escritores de terror das últimas décadas, parece que não entende de filmes de terror. Primeiro abominava a obra-prima inspirada no seu livro O Iluminado, dirigida com maestria por Stanley Kubrick, uma blasfêmia aos amantes do cinema fantástico. Depois teve tempo para dirigir o pavoroso Comboio do Terror, em 1986, mas a sorte é que ele nem se lembra do filme, tamanho consumo de álcool e drogas que circulavam no sangue do iniciante diretor. Recentemente, teceu elogios a uma nova adaptação de Drácula, dizendo que era um filme muito bom de romper a garganta, que lembrava o melhor da Hammer (produtora de filmes de terror dos anos 1960). Ele falava de Drácula – A Última Viagem do Demeter (The Last Voyage of the Demeter, 2023), um sonolento filme de terror que estreia nessa semana nos cinemas, com direção de André Overland.

O filme conta a história do famoso navio Demeter, que no livro do Drácula, transportou o sanguessuga para Londres. Partindo de um porto da Bulgária, o capitão Elliot reúne uma marujada para ganhar uma boa grana e levar caixotes para a Inglaterra. Entre eles, temos o cético Dr. Clemens, um menino simpático e neto do capitão, de nome Billy, e uma trupe ávida por ganhar o pagamento em ouro nos portos londrinos. Só que em uma dessas caixas está Drácula, que pouco a pouco, como um psicopata sedento por sangue para garantir sua sobrevivência, acaba dizimando a tripulação com seus sinistros ataques noturnos e dentadas mortais.

Confesso que acreditei no filme. Com um roteiro adaptado do capítulo VIII do livro Drácula, de Bram Stoker, ou melhor, o diário de bordo do capitão que narra os horrores que a tripulação passou com o indesejado tripulante, André Overland tinha tudo para fazer um grande filme. Mas infelizmente, o filme é um exemplo de como desperdiçar uma grande ideia. Primeiro, o filme não coloca medo em ninguém. Segundo, as atuações soam forçadas demais, com alto grau de teatralidade, textos pomposos e cansativos. Além dos personagens que, com exceção dos três que citei acima, tem carisma zero. E é claro, a condução do roteiro, assinado por Bragi Schut Jr. e Zak Olkewicz, nos apresenta uma trama arrastada, com poucas surpresas e algumas coisas descabidas. Claro que para um filme de terror a noite é o cenário ideal, mas eles passam dias em alto mar e parece que só tentam se defender ou realizar os planos contra a criatura na parte da noite. Acredito que 80 por cento é com fotografia noturna, diga-se de passagem um breu total, com cenas confusas e extremamente sonolentas e o que poderia ajudar e causar suspense causa sim uma canseira e tanta. Quanto ao Drácula em si, a produção foi feliz em caracterizá-lo mais na linha do Nosferatu, uma criatura anêmica e fraca, que vai aos poucos encorpando,  ganhando força graças ao sangue das suas vítimas, mas infelizmente ele tem poucas aparições com nitidez, aparecendo quase como um espectro que mais foge das câmeras que uma ameaça real e apavorante.

Das atuações, destaque para Corey Hawkins, como o Dr. Clemens, sempre em luta contra a supersticiosa e religiosa tripulação, mesmo vendo que o que enfrenta é algo sem explicação; Liann Cunningham também é o personagem mais carismático, como o Capitão Elliot, que pretendia fazer dessa sua última viagem e se aposentar do Demeter; Woody Norman, como Toby, o simpático e querido netinho do capitão está muito bem e também posso destacar Aisling Franciosi, como Anna, que servia como comida pro Drácula e é resgatada pelo doutor e é salva por transfusões de sangue.

Infelizmente, mesmo tendo como cenário a quase claustrofobia sem saída de um barco, usa-se muito pouco esse artifício como mérito na trama. O Demeter é mal explorado e a maioria dos ataques é no convés, sem muita criatividade, apenas com pescoços escorregando sangue e o cenário, tempestades marítimas, ventos e névoa soam mais como clichês do que artifícios para causar medo. Em particular, temos uma cena forte e corajosa para padrões de hoje, que gera certa apreensão no filme como é mostrada, incluindo um personagem do filme, uma das poucas ousadias de um parco roteiro. Em alguns momentos o filme é tão artificial que parece aqueles filmes feitos para a televisão, com citações bíblicas, diálogos insossos, o medo da tal criatura demoníaca e até o embate final, que se pretendia ser épico, se mostra uma bagunça e passa tão rápido que não entendemos quase nada. Além de um final cretino e totalmente descartável.

Drácula – A Última Viagem de Demeter é, com certeza, um dos mais fracos filmes de terror do ano, vai ser facilmente esquecido, desperdiça o que poderia ser uma competente nova visão da obra de Bram Stoker, personagens sem graça, ataques preguiçosos do  vampiro, muitos com jumpscares patéticos, um pouco de pitada de sangue, mas pouco convincente e uma história que já vimos muitos vezes só que dessa vez muito mal conduzida. O filme é um elixir para insônia e  mais uma vez posso afirmar que Stephen King sabe tudo de terror, mas parece não gostar de filmes do gênero, ou gosta de alguns um pouco duvidosos…

 

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