Crítica: Downton Abbey – Uma Nova Era

Existem alguns fenômenos na televisão que são difíceis de explicar, ou melhor, de uma maneira mais racional, não são tão fáceis de explicar. A série Downton Abbey é um deles. Fenômeno em vários países, a história sobre a família aristocrática dos Crawley, na Inglaterra no início do século 20, que durou seis temporadas entre 2010 e 2016, fez sucesso inclusive no Brasil. Mas por que o Brasil se interessaria por uma decadente família britânica, outrora rica e hoje vivendo de status, e suas tramas familiares? A resposta parece simples, somos apaixonados por novelas, e a série é uma bem costurada novela, com uma colcha de retalhos de personagens, tramas, subtramas, núcleos dos nobres, dos empregados, tem romance, tragédia, mistérios, enfim um novelão com a cara que o brasileiro gosta, mesmo se passando no interior inglês. O sucesso do programa originou o excelente filme de 2019, Downton Abbey (de Michael Engler), uma das maiores bilheterias inglesas, com o roteiro do criador da série, Julian Fellowes. Com tanto sucesso, seria natural o lançamento de um segundo filme e nessa semana estreia nos cinemas Downton Abbey – Uma Nova Era (Downton Abbey – A New Era, 2022), dessa vez com a direção de Simon Curtis.

Um grande mistério cerca a família. A matriarca Violet, Condessa de Grantham, recebe uma inesperada notícia: acaba de herdar de um marques francês uma vila no sul da França. Fato que faz os irmãos se unirem e investigarem o porquê de um francês, que há 60 anos teve um pequeno flerte com Violet, dar como herança o tal lugarejo, provocando raiva na viúva e curiosidade no filho do francês. Uma comitiva da família se manda para França para investigar essa aventura da mãe e o tamanho da herança. Ao mesmo tempo, em Downton, uma equipe de cinema quer usar a luxuosa mansão como cenário para um filme, ainda mudo e, mesmo a contragosto, a família acaba cedendo, porque além da grana ser boa, as goteiras da mansão, enfim poderão ser sanadas com essa verba inesperada. Mas vivíamos uma outra era e o até então milionário cinema novo, ia perdendo público para a novidade do momento: o cinema falado, fatos que iriam mudar para sempre a história do cinema e alguns fatos que iriam balançar as estruturas dos Crawley.

Se o primeiro filme tinha uma profundidade maior e conseguia manejar a penca de personagens de uma maneira impecável, Downton Abbey – Uma Nova Era consegue fazer isso de uma maneira melhor ainda com uma leveza e bom humor contagiantes. Enfim, se o primeiro já era um ótimo filme, a continuação consegue ser melhor ainda. Julian Fellowes consegue juntar duas tramas e, sempre interligando muito bem as subtramas, brinca com a metalinguagem, cria diálogos maravilhosos, usa o humor ácido inglês de forma brilhante, e ainda presta uma homenagem ao cinema, em especial ao clássico Cantando na Chuva, onde a atriz principal do cinema mudo, musa com sua voz destreinada, tem dificuldades para se adaptar à nova era, precisando ser dublada, no caso por Lady Mary Crawley. Todos os tipos muito bem explorados, a aristocrática família, os serviçais com sua devoção à família, os forasteiros do cinema com o charmoso diretor e o casal de atores que provoca suspiros, principalmente no núcleo pobre, já que para os ricos, cinema é uma arte menor e brega e o núcleo francês, nas belas paisagens locais, onde reside o mistério que pode abalar a estruturas, principalmente de Robert Crawley.

São tantos atores atuando com uma equipe bem treinada por anos de série, que fica difícil destacar alguns em especial, mas a atuação de Laura Haddock como a atriz Myrna Dalgleish está ótima, assim como Michelle Dockery tomando cada vez mais as rédeas das situações como Lady Mary, mas quem rouba o filme com sua classe e humor peculiar é Maggie Smith. A veterana atriz dá um show de interpretação sempre com tiradas elegantes e extremamente divertidas, como a Lady Violet.

© 2021 Focus Features, LLC

No restante da produção, continua tudo impecável, mesmo com mais dinheiro devido ao sucesso do primeiro filme, nada entrou em deslumbre e excesso. Os figurinos, direção de arte, música e principalmente fotografia continuam brilhantes na medida certa. Destaques para as belas tomadas de Andrew Down, diretor de fotografia, nas paisagens francesas, com tons quentes contrastando com o tom tão gelado de Downton.

Downtown Abbey – Uma Nova Era tem o mérito de ser ainda melhor que o original. Se no primeiro temas mais espinhosos como conflitos pessoais, um tom político, ciúme e até insatisfação de classe, mesmo que moderada, davam seu ar, os muitos temas se perdiam na trama, esse, com um certo tom de simplicidade e muito humor e elegância, consegue prender ainda mais o espectador no novelão inglês, que no Brasil poderia ser uma telenovela de época facilmente. Além de usar também o cinema como uma exemplificação que os tempos mudam, se aquele cinemão de expressões fortes, canastrões e divas caladas já não tinha mais espaço e estava cedendo lugar para o cinema falado, onde toda a atuação e trabalho de ator teria que mudar, o mesmo vale para os Crawley, que com o passar dos tempos começam a mudar também, ou são obrigados a mudar com as perdas, os ganhos, as novas gerações chegando, a história batendo, enfim, a vida segue sua intensa mudança e os Crawley e Downton apenas seguem o rumo disso tudo nessa excelente continuação.

 

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