Crítica: Creed III

Algo que é inquestionável na história do cinema é o talento de Sylvester Stallone em se reinventar. Rei dos filmes de ação dos anos 1980, detentor de diversos sucessos de bilheteria e responsável por dar trama e corpo a dois ícones das telonas (Rambo e Rocky Balboa), Sly, como é carinhosamente chamado, é incansável. Como seu personagem Rocky, que desde 1976 lotou muitas sessões de cinema com a interminável luta de ringue e vida do garanhão italiano. E quando parecia que Rocky enfim iria pendurar as luvas, uma história desenterrada de um filho fora do casamento de seu rival e amigo, Apollo Creed, fez ressuscitar a franquia. Só que dessa vez Stallone é apenas o treinador do seu pupilo, Adonis Creed, que seguindo os passos do mestre, contra tudo e todos, se torna um grande campeão. Michael B. Jordan, nosso Adonis em dois filmes da nova franquia, resolve reativá-la e assume as câmeras e as luvas de Creed III (idem, 2023), em mais uma saga do filho do Apollo, estreia de destaque nos cinemas essa semana.

Em Los Angeles de 2002, Adonis, um jovem viciado por boxe e confusão, junto com seu amigo Dame, um talento dos ringues, uma noite acabam se metendo em uma briga e Dame é preso sozinho, já que Adonis consegue fugir. 20 anos depois, Adonis Creed já é um grande campeão mundial, aposentado e que administra sua academia de boxe, onde aposta todas suas fichas em Felix Chavez, exímio lutador. Em paralelo, Creed vive em família, cuidando da filha surda e acompanhando a carreira da esposa Bianca, grande produtora musical. Só que um dia Dame aparece e se apresenta a Creed, e depois de 18 anos em cana, ainda alimenta sonhos de ser um campeão do boxe.  Devido a um acidente com Drago, que iria lutar contra Felix, Creed resolve dar uma chance a Dame de lutar contra Felix Chavez, em uma espécie de reedição do que seu pai Apollo fez com Balboa em 1976. Um supercampeão pegar um despreparado veterano. Só que Dame transpira ódio e revolta e acaba massacrando o lutador mexicano, se tornando um improvável e insuportável campeão. Esse fato faz com que Adonis resolva colocar de novo as luvas, treinar e desafiar seu velho amigo, numa luta contra seu passado e seus fantasmas, que jamais o deixam dormir em paz.

Como falei antes, a criação da franquia Creed foi um dos melhores acertos dos últimos anos. A incrível história do filho fora do casamento do Apollo, que surgiu do nada para o estrelato, rendeu um grande filme, o primeiro, e um mediano, o segundo. E a dobradinha Michael B. Jordan e Sylvester Stallone funcionou muito bem. Até que a coisa poderia ter ficado por aí, mas Michael resolveu assumir a boleia e continuar a franquia. Não posso negar que ele não faz feio. Nos apresenta uma direção correta, dinâmica, com boas tomadas de luta, às vezes lembrando os grandes momentos da série Rocky.

Mas o que realmente falta no filme é solidez. O roteiro de Keenan Coogler e Zach Baylin, baseado em argumento dos dois mais Ryan Coogler, consegue juntar praticamente tudo o que a série Rocky já usou e formar um filme óbvio, tenta dar profundidade aos atores, mas beira o piegas e principalmente na primeira parte, extremamente lento. O filme demora a pegar no tranco, além de desencavar uma história obscura do passado do Adonis na época Johnson, para justificar uma razão para ele voltar aos ringues. E vamos combinar, a falta de Sly no filme é grande, que por divergências com produtores não quis participar, mesmo com uma ótima atuação no Creed II, ausência que provoca um vazio e tanto na película.

Michael B. Jordan está como sempre muito bem no papel de Adonis Creed, demonstrando mais maturidade e a dificuldade de lidar com a vida de aposentado. Tessa Thompson atua como Bianca, a esposa, dessa vez num papel mais discreto e secundário. Quem realmente carrega o filme é Jonathan Majors, que leva nas costas 20 anos de cadeia, sonhos abortados e uma inveja do amigo que conseguiu tudo na vida. Desde o jeito de falar, suas atitudes e trejeitos, nota-se a mágoa e ódio de alguém que quer recuperar o tempo perdido nem que seja na marra.

No quesito ação Creed III também ousa pouco, sendo mais um drama do passado mal resolvido que um filme frenético, mas as lutas são bem filmadas, com destaque para a câmera lenta nos golpes e a luta entre Dame e Felix, que beira à selvageria esportiva, num balé de sangue bem executado. Já o embate entre Adonis e Dame, apesar do espetáculo de produção mostrando a megalomaníaca disputa no estádio dos Dodgers, acaba usando alguns recursos visuais, que ao menos pra mim não agradaram, tornando o que seria o ápice numa entediante disputa. E parece que toda cartilha do Balboa foi usada na película, desde o desconhecido boxeador surgindo para o estrelato, dramas pessoais, espancamentos no ringue, traumas do passado, enterros, aquela saidinha básica de carro pra desopilar, treinamentos à moda antiga, enfim tudo que já vimos está de novo na tela, bem dirigido, mas com pouca novidade.

Enfim, Creed III, a meu ver, nem precisaria ter sido realizado (acho que a segunda parte acaba bem a franquia), já que fizeram, digo que é um filme mediano, repetindo fórmulas que deram certo, uma direção esforçada, uma grande atuação, boa trilha sonora, mas que infelizmente deixa, e muito, a desejar. Ah, e ainda abre uma ideia para quem sabe termos a dinastia Creed sendo seguida pela brigona filha de Adonis, Amara Creed… Talvez em alguns anos teremos nas telonas algo do tipo…

 

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