Crítica: Como Vender a Lua

Em um mundo recheado de ceticismo, teorias de conspiração e incredulidade da ciência, a chegada do homem à lua, em 1969, sempre provocou dúvidas. Conheço pessoas que jamais acreditaram e tinham argumentos (ou achavam que tinham) para refutar esse fato histórico e ter certeza que aquilo foi uma grande farsa. Aproveitando esse gancho e fazendo uma brincadeira, não apenas como os Estados Unidos poderiam fazer qualquer coisa para vencer a corrida espacial nos anos 1960, além de brincar que tudo pode ser vendido, basta uma boa propaganda e persuasão, estreia essa semana o delicioso filme Como Vender a Lua (Fly Me To The Moon, 2024), com direção de Greg Berlanti.

O filme se passa no final dos anos 1960. Depois de algumas fracassadas missões dos Estados Unidos para pousar na lua, a opinião pública parece não acreditar mais nos projetos Apollo e perde o interesse pela corrida espacial. Para manter acesa essa chama, Moe Berkus, figurão do governo americano, contrata a marqueteira Kelly Jones para ajudar a melhorar a imagem da Nasa e retomar o interesse do povo para a chegada do homem na lua. Fazendo da missão espacial uma verdadeira ode ao consumo, explorando desde o suco que o astronauta toma até a roupa íntima que usam, Kelly consegue convencer um atormentando Cole Davis, funcionário da Nasa, para manter firme o projeto de o homem chegar à lua. Mas ao mesmo tempo, com medo de um fracasso, Kelly é contratada também para ser responsável por uma encenação da tal missão lunar, no caso dela falhar para passar, mesmo em caso de fracasso, sensação de vitória dos Estados Unidos contra os soviéticos.

Como Vender a Lua é o típico filme agradável, à moda antiga, que agrada um público ávido por bom e leve cinema e quer fugir das pirotecnias sem sentido do cinemão atual. Com a premissa que tudo pode se vender, inclusive o fascínio pela lua, o filme é uma deliciosa e adulta comédia romântica sem muitos rodeios, mas que faz falta no cinema atual. Com o roteiro inspirado de Rose Gilroy, Greg Berlanti nos faz voltar para o final dos anos 1960, com uma reconstituição fidedigna, uma trilha de clássicos da época e brinca com as famosas desconfianças que a Nasa jamais poderia ter mandado Michael Collins, Buzz Aldrin e Neil Armstrong pra lua. Além de ser uma aula de como a publicidade tem poderes infinitos na arte de manipular e vender qualquer tipo de ideia ou produto.

Mas o filme é todo de Scarlett Johansson. Como a publicitária, ex-trambiqueira e adorável Kelly Jones. Ela comanda o filme, empoderando a mulher num ambiente tão machista e fechado, como eram a Nasa e as agências publicitárias dos anos 1960. Sempre na elegância e no bom papo, ela consegue tudo que quer sem nunca descer do salto. Um show à parte da excelente atriz. Não posso dizer o mesmo do seu par romântico Channing Tatum, engessado no papel do funcionário do alto escalão da Nasa, Cole Davis. O ator até tentou entrar no jogo de Scarlett, mas ficou muito aquém no papel sem sal que desenvolveu. Woody Harrelson está, como sempre, ótimo como Moe Berkus, do governo dos EUA, que arquiteta o plano para salvar a Nasa e a missão Apollo. Claro que faz sempre um papel  meio ele mesmo, mas não tem como resistir a suas atuações fortes e precisas.

Como Vender a Lua consegue dosar em mais de duas horas (talvez um pouco exagerado o tempo) bom humor, feminismo, romance, história, teorias de conspiração, como o capitalismo sabe aproveitar qualquer brecha pra faturar e que tudo vira mercadoria, se bem apresentada e vendida. A parte final, quando se conecta a verdadeira chegada à lua com a suposta encenação, consegue criar suspense, inserir humor na dose certa e mostra o quanto os gatos são metidos, enfim uma meia hora final de tirar o fôlego.

O cinema tem dessas coisas, de brincar com a história, reinventar os fatos e mostrar como seria se as coisas tivessem sido diferentes. Como Vender a Lua, de maneira divertida e admirável, encanta, com uma história simples à moda antiga, e com uma atuação brilhante de Scarlett Johansson, mostrando a força da mulher, literalmente, botando pra quebrar em um universo de homens conservadores e preconceituosos. Um filme muito mais que água com açúcar como os típicos da Sessão da Tarde e que merece ser conferido no cinema. Vá sem medo e se delicie, pois além de uma classuda comédia romântica, é um filme que mistura, com muita competência crítica política e de gênero, fatos históricos de um jeito cativante e encantador.

 

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