Crítica: Chernobyl, O Filme – Os Segredos do Desastre

O mundo, principalmente o pós-guerra, sempre viveu com o fantasma de uma destruição em massa devido à corrida nuclear que a URSS e os Estados Unidos disputaram por décadas a fio e deixando calafrios no mundo, já que por um mal-entendido e um toque no botão tudo viria pelos ares. Entre o dia 25 e 26 de abril de 1986, o mundo realmente esteve em perigo, aliás, muito perigo. A usina nucelar de Chernobyl, outrora considerada joia soviética, pela eficácia em gerar energia, em um teste de segurança, combinando falha humana e manutenção precária (consequência do já quase fim do império soviético, que negligentemente não zelava mais tanto pela segurança) acabou provocando um terrível acidente e incêndio de grandes proporções em um reator liberando altos índices de radiação. Pripiat, a cidade mais próxima da usina, foi evacuada e as ondas de radiações, principalmente entre a Ucrânia e a Bielorrússia (a usina fazia fronteira entre elas), atingiram índices altíssimos devido à nuvem radioativa. Trinca e cinco anos depois, muitos livros foram lançados, uma série ficou famosa, mas ainda faltava uma visão russa (e por que não heroica?), dos tétricos acontecimentos. Lacuna preenchida por Chernobyl, O Filme – Os Segredos do Desastre (Chernobyl Abyss, 2021), com direção de Danila Kozlovsky.

O filme começa nos apresentando dias tranquilos na cidade Pripiat. Olga mantém sua rotina de cabeleireira quando recebe a visita do bombeiro Alexey, ex-affair da moça e possível pai de seu filho, que cria sozinha. O menino, viciado por cinemas, acaba ganhando uma câmera de vídeo de Alexey, que faz de tudo para reatar com Olga. Até que chegamos ao fatídico dia 25 de abril e o garoto e alguns amigos captam com sua câmera a explosão e o princípio de incêndio que ocorre no reator. A partir dali vemos o caos que se instaurou na cidade e a bravura suicida dos primeiros bombeiros que tentaram conter o foco. Expostos a graus absurdos de radiação são condenados pela coragem. Alexey também tenta ajudar seus colegas, já que tinha largado o departamento, mas como foi pouco exposto é recrutado pelo governo soviético em uma missão quase suicida que é evitar que a água do reator se transforme em gás, drenando, já que a presença dela pode acarretar uma nuvem de radiação sem precedentes e letal para toda a Europa.

Muito já se falou sobre o icônico acidente de Chernobyl, claro que verdades oficiais mesmo, só com o fim a União Soviética, onde o mundo pôde realmente ter dimensão do imenso perigo que correu. Temos muito o lado ocidental da história contada e o lado técnico, digamos assim falando, dos burocratas, dos voluntários, dos bombeiros, mas pouco sabíamos do dia a dia das pessoas que eram gente como a gente, que moravam em Pripiat e tiveram suas vidas e passado abandonados em questão de horas. Danila Kozlovsky tem esse mérito de mostrar um pouco do lado cotidiano do acidente, usando uma história familiar, um drama de amor e abandono com a visão dos russos (ucranianos na verdade) dos fatos de abril de 1986. O diretor reconstitui muito bem a cidade, aquelas típicas cidades soviéticas, feitas para trabalhadores, em um local que servia apenas para trabalhadores da usina. A própria reconstituição do complexo de Chernobyl também é impressionante, principalmente do antes da suntuosa usina e o caos de fogo e radioatividade que ela ficou pós-acidente. Mas o filme de Danila, que também atua como o herói bombeiro Alexey, é um filme de ode à coragem e doação dos bombeiros. Ele, que faz um desses voluntários que arriscam literalmente a pele (os pulmões, o cérebro, a saúde), para tentar tapar o buraco da má gestão soviética no final do regime. Danila trabalha bem, faz um tipo boa vida, mas quando chamado para o dever não titubeia, é o primeiro a tomar as rédeas da suicida missão de drenar a água do reator. Oksana Akinshina, como Olga, também retrata muito bem o perfil do cidadão de Pripiat, sofre com a evacuação, a falta de informações e principalmente com o drama do filho, com graus de radiação altíssimos. Um belo retrato da população atônita em uma tragédia repentina que desmoronou com vidas, passado e dignidade dos cidadãos.

Chernobyl, O Filme – Os Segredos do Desastre é uma película russa feita para o ocidente, com cópias dubladas e roteiro padrão, não tenta explicar causas, procurar culpados, apenas dá alguns pitacos em burocratas, mas tem como intuito mostrar as altas doses de heroísmo e ação constante, com imagens impressionantes. Um drama familiar com pitadas de romance, mas tem como maior mérito é dar vida, nem que seja superficial, aos cidadãos de Pripiat, mostrando seu cotidiano, seus sonhos, profissões e famílias, que numa explosão, por causa de muita negligencia e desinformação, perderam tudo. E um retrato mais que justo aos heróis anônimos como bombeiros, enfermeiros e voluntários, também cidadãos com filhos, vida e histórias, que com precários equipamentos conseguiram, graças à doação incondicional, deram a vida para controlar as chamas, a radiação e, principalmente salvar, tudo isso em favor da humanidade e não apenas aos presentes, medalhas, apartamentos e louros que os burocratas de Moscou ofereceram a eles em troca do sacrifício.

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