Crítica: Casa Gucci

No dia 15 de julho de 1997 o mundo da moda viveu uma tragédia. Giovanni Versace, um dos maiores estilistas do mundo, que aliava tradição e modernidade no mundo fashion, voltava para sua casa em Miami depois de uma caminhada e foi morto, baleado duas vezes por um psicopata chamado Andrew Cunanan, que entre abril e julho de 1997 já havia assassinado quatro pessoas. Andrew, uma semana depois do crime, tirou sua vida, arquivando de vez as motivações do cruel ato. Versace tinha 50 anos e nutria uma rivalidade sadia com Giorgio Armani, outro exemplar da modernidade da moda de elite. Dois anos antes, outro crime também abalou as estruturas da moda italiana, Maurizio Gucci, neto do fundador da clássica marca, foi assassinado com três tiros quando chegava ao trabalho, mas diferentemente de Versace, foi morto a mando da ex-esposa, a socialite Patrizia Reggiani. Esse caso, retratando o conflituoso relacionamento de Maurizio e Patrizia dos anos 1970 até sua morte, vai às telas dos cinemas nesta semana, no filme Casa Gucci (House of Gucci, 2021), com direção de Ridley Scott.

Maurizio era um estudante de Direito, neto de Guccio Gucci, fundador da famosa marca e filho de Rodolfo Gucci, ex-ator galanteador que vive do glorioso passado. Uma noite, em uma festa, conhece Patrizia Reggiani, filha de um dono de uma frota de caminhões e, contrariando a expectativa do pai, que não vê com bons olhos o namoro dos dois, eles se casam e se aproximam do tio de Maurizio, Aldo Gucci, que realmente toca a marca pelo mundo. Duas décadas vão passando, a marca passa por mortes, heranças, crises, escândalos, puxadas de tapetes, luta de egos e o casamento dos dois, mesmo com os filhos, não vai nada bem e Patrizia, inconsolável, só vê uma saída para acabar com sua agonia, mesmo que isso acarrete numa tragédia.

Ridley Scott, com 83 anos, continua em ótima forma. Depois de nos apresentar o excelente O Último Duelo, meses atrás, agora está de volta contando sua visão do conturbado ninho de cobras que era o interior dos Gucci e seus herdeiros. E Ridley não decepciona mesmo. Costura uma trama eficiente, ora dramática, ora caricata, da famosa casa italiana. O roteiro de Becky Johnston e Roberto Betivegna, que adaptaram para as telonas o livro de Sara Gay Forden, A Sensational Story of Murder, Madness, Glamour, and Greed, nos apresenta de forma cronológica o relacionamento de Maurizio e Patrizia. De forma mais didática possível, sem grandes surpresas, somos apresentados para uma família que vive de um passado glorioso, mas que tende a não inovar e se atualizar às tendências de mercado. Símbolo de ostentação e sucesso, o sobrenome esconde intrigas, disputas familiares, crises e uma péssima administração da marca. Nesse meio temos o casal, que de um começo de relacionamento sonhador, apaixonado e pé no chão, acabam virando a cabeça, com a fama e dinheiro subindo à cabeça e arruinando o relacionamento dos dois. Tudo isso numa reconstituição de época fantástica, com paisagens italianas e a finesse das grandes cidades fashionistas do mundo. Destaque para a excelente trilha sonora com Blondie, David Bowie, Donna Summer, a própria Lady Gaga, Nancy Sinatra, entre outros, dando um tom de vídeo clipe às belas imagens do filme. O filme tem um elenco de quilate desfilando na tela. Temos um Al Pacino meio caricato, gordo e parece que não se levando à sério, como o tio Aldo Gucci, numa atuação mediana, mas sempre é o Al Pacino; Selma Hayek como Pina, cartomante e guru de Patrizia, também com uma atuação no piloto automático, mas com muita importância na trama e um Jared Leto, como Paolo Gucci, com uma atuação cheia de histrionismos e exageros e uma caracterização digamos meio bizarra, bem diferente do verdadeiro, mas convence, apesar do esforço de não parecer ele mesmo. Jeromy Irons, como Rodolfo Gucci, está ótimo, como o protótipo perfeito do canastrão italiano, que vive de um passado idealizado, muito bem caracterizado e trejeitos perfeitos, no pouco que aparece tem grande destaque e pasmem: até Adam Driver consegue não ser Adam Driver. Talvez o seu melhor papel recente, onde muda de fisionomia e dá vida a seu personagem, vai de um ser humano simples até sua transformação no cara esnobe e blasé que virou Maurizio. Mas logicamente, A Casa Gucci seria um filme normal se não fosse a atuação colossal de Lady Gaga. A cantora atriz está perfeita como a taxada brega socialite Patrizia Reggiani, brilhando, ela encarna perfeitamente o estereótipo da italiana deslumbrada, ambiciosa, exagerada e no final, vingativa. Cada cena e fala dela vale o filme e deve pintar uma indicação certeira para o Oscar. No final o elenco se equilibra ente razoáveis atuações e boas, mas o pêndulo sobe com a atuação de gala de Gaga.

O filme pode ser considerado uma espécie de O Poderoso Chefão do mundo da moda, só que ao invés de vendetas, tiros, execuções, traições mortais, vemos barracos familiares, um falso glamour, parentes se sabotando, uma marca em frangalhos e sangue mesmo vemos só no ato final, como consequência de uma mulher traída, abandonada e desesperada. E o mais incrível, é tudo baseado numa história real. Uma coisa que não fica bem claro no filme é como Maurizio, de um cara simples, que queria seguir sua vida desassociada da marca, meio que da noite para o dia, assume todo o império ao seu modo e também repentinamente deixa de amar Patrizia, que tem um papel fundamental na trajetória dele, estimulando a seguir em frente com a marca, mas que sem muita explicação, quer abandonar a esposa. Fica um homem ambicioso, gastador e cínico e como consequência acaba sem vida.

A Casa Gucci é um filme de gente como a gente, o que diferencia é o sobrenome e a conta bancária, mas tem todos os dramas que uma família qualquer tem. E mesmo longe de ser uma obra prima é mais um show de direção do incansável Ridley Scott que conduz com maestria esse novelão italiano, tragicômico, rico em diálogos, ótimas frases, divertido e exagerado, como todo bom nativo da terra da bota e que tem como fio condutor uma atuação soberba de Lady Gaga, que mesmo afirmando nem ter conhecido a Patrizia da vida real, nos apresenta uma personagem inesquecível para a galeria dos grandes do cinema. Assista e divirta-se.

Casa Gucci é inspirada na chocante história real do império da família por trás da italiana casa de moda Gucci. Abrangendo três décadas de amor, traição, decadência, vingança e em última instância, assassinato, vemos o que um nome significa, o que vale e quão longe uma família para se manter no controle.

Mais do NoSet