Crítica: Campeões

Em um mundo dos esportes cada vez mais movido à grana e status, por mais que nos seduzimos e encantamos por feitos atléticos, sabemos que principalmente na elite de modalidades como tênis, futebol e basquete, o que menos importa são os pontos, a cesta e os gols, e sim a fortuna dos atletas. A inocência, a competitividade e principalmente o senso de equipe é algo que são meros detalhes. Bobby Farrelly, diretor que muitos amam ou odeiam, responsáveis por divertidas comédias e outras de gosto de duvidoso, resolveu fazer uma refilmagem de um tocante filme espanhol de 2019, de Javier Feser, Campeões. Só que nesse caso o que menos importa realmente é ser campeão, e sim as atitudes que fazem qualquer um ser campeão. Estreia nessa semana Campeões (Champions, 2023) nos cinemas brasileiros.

Markus Marakovich é um amargurado treinador de basquete, que se sente injustiçado por não ter seu trabalho valorizado. Vive como assistente de um time no Estado do Iowa e está sempre metido em brigas com seus superiores e atletas, por achar que o jogo vale mais que qualquer relação pessoal. Um dia, embriagado, bate num carro da polícia e é condenado a 18 meses de detenção. Mas a juíza, vendo que ele é um treinador, propõe três meses de trabalho comunitário em um time de basquete com jogadores portadores de deficiência intelectual. No início, munido de preconceitos, ele pensa que está perdendo tempo na vida, mas aos poucos vai se apaixonando por cada história e cada ser humano que está ali, formando mais que time, uma verdadeira equipe, coisa que com os profissionais jamais tinha conseguido fazer. E juntos podem ir mais além do que qualquer um deles e ele próprio poderiam imaginar.

Com roteiro de Mark Rizzo e praticamente seguindo o script linear do original filme espanhol, Bobby Farrelly nos apresenta uma tocante e bem humorada comédia. Tendo o basquete como arco central, Campeões é um filme que mostra que, às vezes, de onde menos esperamos pode acontecer algo bom. Aquela história do homem comum, tomado por preconceitos e com pouca paciência, que vê razão de viver num desafio aparentemente impossível, já foi filmado diversas vezes em inúmeros filmes de superação, de opostos que se unem, mas aqui realmente vemos uma química real entre o encantador time dos Friends, com o turrão Markus. O elenco do time tem atuações tocantes, poucas vezes um elenco passou tanta dedicação e leveza em uma atuação. Uma equipe realmente especial. Em algumas cenas cômicas envolvendo as limitações do time caímos na risada e ficamos até meio preocupados em ver graça numa situação dessa, mas como a graça está no poder de superar, é muito fácil se entregar para o simpático time.

Woody Harrelson parece está um pouco inseguro no início, mas depois de certo momento da trama nos dá uma aula de empatia, ao seu jeito, como o canastrão Markus. Kaitlin Olson, Alex, a irmã de Johnny, atleta do time, também cumpre bem o papel como o par romântico, aos trancos e barrancos, do treinador. Destaque pra participação do lendário Cheech Marin, como Julio, responsável pelo ginásio dos garotos especiais. Mas o filme é totalmente deles, dos “Amigos”, time de basquete interpretado brilhantemente pelos atores (faço questão de citar todos) Madison Tevlin, Joshua Felder, Kevin Iannucci, Ashton Gunning, Tom Sinclair, James Day Keith, Alex Hintz, Casey Metcalfe, Matthew Von Der Ahe e Bradley Edens. Todos ótimos e em excelentes atuações.

Campeões é diferente da grande maioria dos filmes, que às vezes reduzem as pessoas especiais aos clichês do gênero, onde ficamos mais propensos a ficar com pena e torcer por eles do que entendemos que todos, ao seu modo, tem capacidades. O fio da trama traz temas complexos com grau de emoção, dramas pessoais e, é claro, capacidade de nos fazer rir. Vemos jovens como qualquer um, que tem a sexualidade aflorada, querem trabalhar, ser independentes e levar uma vida normal, por mais que a sociedade jamais encare isso como normalidade. Em suma, criamos uma empatia verdadeira e por ora identificamos problemas mundanos que nossos preconceitos não estão preparados pra entender. Talvez o único defeito do filme seja não ter dado essa autonomia toda para eles, sempre aos olhos do treinador, pois raras são as cenas que exploram os meninos em situações solos, sempre tendo Markus como referência, mas nada que diminua as atuações de gala do elenco.

Campeões também tem seus clichês básicos (homem sai do fundo do poço, vê um sentido na vida, fica em dúvida se continua ou fica), mas tudo de forma discreta, não abusa de trilhas sonoras lacrimejantes e cenas piegas, e sim o humor é o mote da trama. No caso, a parte dramática fica mesmo para Markus, que vive uma vida meio sem rumo e vazia, diferente dos seus treinados, que querem e muito aprender, se divertir, jogar e, principalmente, se superar. A lição que fica do filme é que às vezes damos valor demais à grandeza das coisas, à vitória suprema, a conquista o pódio, não só nos esportes, mas na vida e abandonamos as coisas simples, o cotidiano, a luta diária, a superação e o quanto são importantes as pequenas conquistas e como elas nos fazem tão bem. E a lição dos Amigos é que um dia bom, uma viagem, um momento de descontração, ter amigos ou até uma bola arremessada na cesta que acerta o aro, são mais importantes que sonhos inalcançáveis que só provocam decepção e depressão. E que talvez só quem vê a vida com olhos e mentes especiais tem esse dom de nos ensinar a levar a vida assim, pois ainda temos muito a aprender sobre empatia e vitórias diárias. Assista correndo, pois vale muito a pena!

 

 

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