Crítica: Besouro Azul

Pensando bem, tem vezes que a gente tem que dar o braço a torcer e concordar com o Martin Scorsese quando esse alertava que filme de super-heróis não é cinema. Não concordo de todo da afirmação do genial diretor, mas com tantos lançamentos de filmes do gênero, o sentimento é de que vivemos em um parque de diversões e numa eterna síndrome de Peter Pan, do público ávido por produções do tipo. Nessa semana, inclusive, temos mais um lançamento, dessa vez mais uma tentativa da DC e seu universo expandido, de nos apresentar um personagem meio série C,  falo de Besouro Azul (Blue Beetle, 2023), com direção de Angel Manuel Soto.

O filme conta a saga da família Reyes. Mexicanos imigrantes que vivem na (paradisíaca, para alguns e pobre para outros, no caso deles) Palmera City. James volta à cidade depois de se formar e tem planos de dar uma vida digna ao sofrido clã. Um dia tenta emprego na gigante Indústrias Kord, que além de controlar a metade da cidade, faz experimentos com nanotecnologia, armamentos e está envolvida em um projeto de criar super soldados com exoesqueletos indestrutíveis, ainda mais depois que acham um escaravelho alienígena que pode se unir com simbiose ao corpo de seu hospedeiro, o que transformaria um soldado em máquina de destruição. James, através de Jennifer, a herdeira boazinha da empresa, recebe o escaravelho, e devido a sua curiosidade, resolve abri-lo e acaba se transformando nesse ser quase indestrutível. Mas a malévola Victoria Kord, outra herdeira da empresa e responsável pelas experiências desumanas e invasões a países do terceiro mundo, vai atrás de James e sua família e conta com Conrad Carapax, seu guarda-costas com passado apagado, que também se transforma num soldado poderoso para acabar com James, o Besouro Azul.

Sabe aqueles filmes que passavam nas tardes dos anos 1980 ou 1990, com aventuras infanto-juvenis que misturavam terror, vilões, ficção científica, empresas malvadonas e serviam apenas para entreter a gurizadinha? Pois então, Besouro Azul é um deles. Tem todos esses elementos, só que com a diferença que é considerado um grande lançamento cinematográfico, é uma produção cara e que causa expectativa nos fãs do gênero. Mas apesar de tudo, não passa de um filme repleto de clichês, só que filmado da perspectiva de uma família de mexicanos. Enfim, se é drama de mexicanos de superação, alegrias e tragédias, prefiro La Bamba, ou as novelas mexicanas do SBT.

E Besouro Azul tem um pouco dos dois, só que o filme trata tudo de uma maneira superficial demais. Angel Manuel Soto, com o roteiro de Gareth Dunnet Alcocer, tenta dar ares de crítica social à película, mostrando o quanto sofrem os milhares de mexicanos que tentam a vida nos Estados Unidos, e também escancara como o eldorado dos Estados Unidos, em nome da democracia, invade e se mete em conflitos em paises da América Latina (citam até a Escola das Américas, máquina de intercâmbio de tortura dos anos 1960 e 1970) e como a indússtria da guerra lucra com os conflitos. Até aí tudo bem. Mas tudo tem a profundidade de uma piscina infantil, com frases prontas, desenvolvimento pobre, flashbacks sem sentido e citações a esmo na trama. Num maniqueísmo forçado demais, mal desenvolvido e  caricatural. 

Claro que a massa latina talvez vá se identificar muito com a história, vai ter orgulho de ter um super-herói para chamar de seu e as referências à cultura mexicana vão emocionar muitos, com muita religiosidade, tacos, Chapolin, aquele calor humano que só famílias latinas tem e o quanto elas são importantes. No caso dos Reyes, eles formam, junto com o Besouro Azul, quase um esquadrão Reyes, para combater o exército da empresa Kord. O problema é que é tudo forçado e estereotipado demais, quase uma caricatura dos mexicanos nos Estados Unidos. Mas voltando, Besouro Azul é um filme de super-heróis, né? O Besouro Azul tem uma boa aparência, o uniforme e a transformação são bem feitos, os poderes são bem filmados e o CGI não decepciona. Mas ainda tem aquele velho truque de filmar as grandes cenas de ação e as lutas com o vilão Carapax na escuridão da noite, provocando aquele embrulho visual que mais confunde que impressiona. Fora isso, os efeitos são dentro da média, mas muitas vezes a tal simbiose lembra o personagem Venom, só que Khaji Da, a inteligência por trás do escaravelho azul que se apossa de James, é bonzinho e educado.

A turma de atores faz o que tem que ser feito. Xolo Maridueña, como James Reyes, está bem à vontade como Besouro Azul. Bruna Marquezine, a boazinha da família Kord, não decepciona, mas pouco empolga num papel engessado demais. Susan Sarandon é aquela vilã clichê total, num papel desconfortável e atuando puramente em estado de piloto automático em um desperdício de talento. O núcleo mexicano tem seus grandes momentos, mas às vezes parece mais uma A Grande Família, só que sem graça. Destaque para o tio Rudy, interpretado por George Lopez, aquele parente encostado na família, que mesmo criando sistemas que bloqueiam câmeras de segurança de uma empresa que trata assuntos confidenciais, dorme no sofá da sala e vive de bicos. O personagem tem algumas piadas boas, mas só.

Talvez o diferencial do filme seja a questão familiar. Talvez todo aquele afeto, carinho e união dos Reyes possa impressionar positivamente o estadunidense típico, tão pouco afeto à demonstração de calor humano. E um dos pilares do filme é o quanto a família unida pode vencer as adversidades e o quanto o sofrimento pode ser enfrentado com otimismo e união (principalmente na figura do super otimista pai de James), mas o problema é que é tudo mostrado de uma maneira exagerada, dramática e cansativa. O mesmo vale para as piadas que não tiram nem sorrisos de canto do espectador. Simplificando, se Besouro Azul queria ser um filme positivo, com bom humor e crítico, acaba derrapando em todos os pontos, provocando mais tédio que uma profunda reflexão, além de pouco fazer rir.

E tentando responder às indagações de Scorsese sobre os filmes de heróis: não sou daqueles que acha que eles não são cinema, Besouro Azul apresenta um roteiro redondinho, uma boa direção e tem um norte, mas deve ser tratado apenas como uma aventura pipoca de se assistir no cinema ou sentado no sofá da sala. Não tem como levar a sério um adulto vestido de inseto azul com super poderes, querer passar uma mensagem robusta, madura e edificante. O lugar de filmes assim é no entretenimento, na Disneylândia cinematográfica e convenhamos, pegando gancho de algumas poucas piadas boas do filme, numa luta entre super-heróis mexicanos, entre o Besouro Azul e o Chapolim Colorado, fico com o segundo sem titubear…

 

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