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CRÍTICAS FILMES

Crítica: Barbie

Crítica: Barbie
  • Publicado em: julho 19, 2023

Fazia muito tempo que um lançamento cinematográfico não causava tanto frenesi. Usando um esquema de marketing agressivo, uma inócua concorrência com Oppenheimer, de Christopher Nolan (que ajudou mais o filme dele), uma pegada afetiva e sentimental no público feminino, além é claro, de uma ótima e talentosa equipe por trás da produção, enfim chegou o dia da estreia do filme do ano, Barbie (idem, 2023). Com uma expectativa imensa, espera e muita agitação, o longa de Greta Gerwig aterrissa o mundo cor-de-rosa da boneca mais famosa do mundo nos cinemas do planeta essa semana.

Aquela máxima: todo dia ela faz tudo sempre igual é a mais pura rotina da Barbie esteriotipada. Morando no paraíso que é a Barbielândia, acorda cedo, cumprimenta as outras Barbies, vive na sua maravilhosa casa dos sonhos, desce de tobogã ou levitando os andares, passeia com seu carro rosa, vai a praia, conversa com as amigas, Barbies de todos os tipos e ainda tem tempo de flertar e depois ignorar o Ken. Afinal, todo dia é dia das garotas e o Ken é apenas um acessório no mundo perfeito das Barbies. Só que um dia Barbie começa a ter problemas existenciais, pensa na morte, seus pés pisam no chão (estão sempre preparados pro salto) e sofre com celulites. Para se livrar desses dramas repentinos, descobre, depois de visitar a Barbie Estranha, boneca renegada do reino delas, que precisa encontrar sua dona na vida real. Então Barbie parte com Ken para Los Angeles em busca de respostas e conhece um estranho mundo novo, dominado por homens e que  vive a ilusão da inclusão e direitos iguais. Mas mal sabe ela que essa visita em busca de respostas pode acarretar uma revolução no seu antigo mundo ou abrir os olhos da falsa normalidade.

É imensurável o tamanho para a cultura pop e para os costumes da sociedade nas últimas décadas a importância da Barbie. Boneca que fez aposentar a era em que elas eram apenas bebês e as meninas apenas emulam o lado mamãe nas brincadeiras (o que é retratado de maneira divertidíssima no início do filme, numa alusão à 2001 – Uma Odisseia no Espaço), mas criou um padrão estético de beleza que por muito tempo perturbou meninas e mulheres do mundo todo. Também criou um mundo onde a Barbie era o que ela queria ser, desde médica, enfermeira, advogada ou apenas querer relaxar e se divertir. Fazer um filme sobre Barbie hoje em dia passaria despercebido se a incumbência não ficasse a cargo da genial Greta Gerwig. A diretora recria o mundo cor-de-rosa e plastificado das bonecas magistrais e é feito sob medida para aquela geração que tem entre 20 e 45 anos e que sonhava em ser, ter ou odiar a boneca. 

O roteiro do filme é da diretora que divide a função com o também ótimo Noah Bambauch, é um liquidificador de referências, tanto à cultura pop, ao cinema, tem piadas certeiras, recheado por muita música, cor e até crítica, mas tudo de uma maneira elegante e sutil. Barbie não é um panfleto feminista agressivo, é um filme que critica privilégios masculinos, o patriarcado e a dificuldade de inclusão feminina no mercado e na sociedade, mas tudo com muito humor. O filme utiliza estereótipos para exemplificar o quanto ainda o processo é lento, mas possível. Não poupa o quanto a mulher sofre por padrões estéticos, a utopia da sociedade perfeita, a idiotice na representação dos machos alfa (responsável por hilariantes cenas), atira (sutilmente, é claro) até na Mattel, a empresa que fabrica a boneca, toda ela comandada por homens, mas vendendo produtos para meninas e mulheres. Uma aula de auto ironia, lembrando os produtos da empresa que fracassaram, como o boneco Allan (que tem ótimas tiradas no filme) e a Barbie grávida, que logo saiu de linha.

O filme tem uma narração em off no início, super engraçada, na voz de Helen Mirren. Margot Robbie excelente como sempre, esbanjando sua veia cômica como a Barbie “esteriotipada”. Ryan Gosling, perfeito como o Ken apaixonado pela Barbie, mas que se revolta contra seu mundo passivo ao conhecer o mundo dos homens; Will Ferrell, um pouco deslocado como o Ceo da Mattel; Kate McKinnon, excelente como a Barbie “estranha” (aquela que as crianças estragam); Michael Cera, como Adam; America Ferrera, como a verdadeira dona da Barbie, Gloria; Ariana Greenblatt, como a empoderada e poderosa Sasha, sua filha, além de participações de John Cena, Isa Rae, Dua Lipa e grande elenco.

Barbie com certeza vai justificar a sua tão aguardada espera. Brinca de maneira inteligente com o rico universo da boneca, é longe de ser um filme para crianças, mas vai acertar em cheio o lado afetivo e nostálgico de uma geração de mulheres. Inclusive quem é a dona da Barbie e a faz ter crises existenciais e estéticas é a personagem de America Ferrera, enquanto sua filha já é da geração que execra a boneca pela imposição de padrões e estereótipos (em uma cena muito engraçada que faz a Barbie chorar, ela faz um discurso sobre o assunto), um filme que mesmo parecendo ter sido feito para um nicho específico vai levar muito gente ao cinema e já é um sucesso antes mesmo de estrear. Como ponto negativo destaco o grau de pieguice da parte final e o excesso de protagonismo do Ken e seus outros “Kens”. Por mais que sirva de exemplo pra mostrar como o homem mal intencionado consegue contaminar um ambiente, acho que teve muito tempo para Kens no filme.

Concluindo, Barbie cumpre com louvor seu papel e a expectativa gerada por ele. É um filme divertidíssimo, inteligente, recheado de grandes piadas e gags visuais, usa muita ironia e denuncia de forma madura a sociedade atual e o quanto a  sensação de inclusão e igualdade ainda é um sonho distante, mesmo com todos os esforços e causas de gênero. Prefere logicamente criticar mais o mercado e o capitalismo em si do que a empresa Mattel, que sempre lucrou com os estereótipos da boneca e os padrões que escravizaram meninas através dos tempos. Mas o principal: acerta em não generalizar e tipificar um vilão apenas, coloca a culpa no status quo patriarcal que vivemos e também serve como um exercício existencial, uma reflexão feminina sobre o papel que às vezes se impõe a uma mulher e quem realmente elas querem ser. Uma boneca que se torna subversiva quanto à ordem e desperta ao seu modo para a vida. E vamos combinar que Barbie já provou que as mulheres podem ser o que quiserem, astronautas, engenheiras, presidente, mães ou (por que não?), apenas serem felizes como elas são ou podem ser.

 

Written By
Lauro Roth