Crítica – Bailarina – Do Universo de John Wick

Se uma coisa que a série de sucesso John Wick nos ensinou de forma categórica é que jamais devemos mexer com o cachorro de alguém. O pequeno beagle, de nome Daisy, entrou para história como o motivo da vingança regada à sangue e pilha de corpos do matador interpretado por Keanu Reeves. Com quatro filmes mais rentáveis na franquia, não demorou muito para os gênios de como ganhar grana resolverem criar um universo expandido para a saga de Wick. Com a inserção de Eve Macarro, personagem interpretada por Ana de Armas, assassina e bailarina criada pela academia de morte e dança Ruska Roma, metendo bala nos desafetos e em quem matou, não seu cachorro, mas seu pai, estreia essa semana Bailarina (From The World Of John Wick: Ballerina, 2025), com a direção de Len Wiseman.

Quando garota, Eve Macarro passou pelo trauma de ver seu pai ser assassinado na própria casa por uma emboscada feita por crueis assassinos. A menina sobrevive, e do passado resta a memória de seu brinquedo, uma caixinha de música de corda com uma bailarina na neve, com O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. Eve então é treinada pela escola de dança de fachada Ruska Roma no Teatro Tarkovsky. Ela é treinada pela organização que forma assassinos, liderada pela diretora, tanto como uma disciplinada bailarina, quanto uma fria matadora. Com sede de vingança por quem assassinou seu paizão, Eve resolve se desgarrar e investigar quem foram os responsáveis pela morte dele e acaba provocando um rebuliço entre os assassinos profissionais, tendo sua cabeça à caça e causando a ira do Chanceler, o seu algoz, que mobiliza uma cidade inteira formada por matadores, no interior do leste europeu, para acabar com a bailarina vingativa.

Não tenho nada pessoal contra a franquia do John Wick, um bom cinema brucutu de ação, com corpos empilhados e tiroteios sem fim às vezes servem e muito para desopilar a mente. O que torço o nariz é para a suposta complexidade das organizações de assassinos que norteiam a série. É muita pompa, classe e hierarquias difíceis para dar uma maquiada no que todo mundo quer ver, que é pancadaria e sangue. Essa tal pretensão acaba confundindo a cabeça com roteiros mirabolantes (mas rasos como um pires) que tentam fazer conexões que dão um ar de importância àquele bando de matadores que, vamos combinar, não é preciso. O termo neo-noir fica um pouco perdido na definição da série, porque do clássico investigador, não tem muita coisa.

Mas falando de Bailarina, o diretor Len Wiseman, com experiência em filme de ação e diretor de alguns episódios da aclamada série Lúcifer, com o roteiro de Shay Hatten, nos entrega uma versão John Wick feminina. No spin-off que se passa entre o terceiro e o quarto filmes da série, a personagem Eve tem o mesmo passado devastador de Wick, e acaba tendo o mesmo destino, sendo treinada pela mesma organização, para ser a máquina de matar, embebida em uma vingança pessoal. O filme nos remete ao flashback do passado, recriando a morte do pai, mas dá um pulo no tempo mostrando a personagem praticamente pronta para o combate. Ou seja, não conhecemos muito seu tempo de vida dividido em ser uma bailarina que sangrava os pés de tanto treinar enquanto treinava tiros e defesa pessoal. O problema é que já vimos esse filmes várias vezes. Não temos grandes novidades em relação à série principal e a bailarina não acrescenta muito no universo da trama.

Uma personagem genérica que passa o filme todo numa eterna matança, e que transforma as exageradas duas horas de filme num filmado jogo de videogame, em que ela vai liquidando seus inimigos como se estivesse passando de fase, avançando conforme habilidade ou oponentes, numa matança desenfreada que pouco empolga. O que não acontece nem mesmo com as lutas super bem coreografadas, os cenários pomposos do filme, principalmente na cidade do interior da República Tcheca, que tentam dar um charme a mais para a constante ação. Diversão ao menos temos, quando a bailarina chega a usar patins de gelo, como eram, e tem um embate épico com um inimigo num duelo de lança chamas… e depois se defende com uma mangueira de incêndio, num teatro do absurdo total, lembrando comédias de besteirol. Mas mesmo essas boas passagens engraçadas, ajudadas pela fotografia de Romain Lacourbas, mantendo aquele mistura de clima soturno da noite com ares de luzes de neon, não fazem a gente se encantar numa trama que realmente não tem muito a acrescentar ao tal mundo de John Wick. Até a música que encerra o filme, Hands That Feeds, de Amy Lee e Halsey, numa tentativa de dar um clima 007, com trilha para créditos, também não emplaca.
Ana de Armas, por mais que se esforce, num papel difícil, físico e intenso, carece de dar alguma alma ao personagem. Não que John Wick tenha, mas ao menos Keanu Reeves soube captar bem a essência quase robótica da máquina de abater inimigos de seu personagem. Aliás, no filme, ele tem uma aparição importante, e pasmem, ele fala bastante! Gabriel Byrne, como o Chanceler, assassino do pai de Eve, que consegue jovens órfãos para serem treinados, tenta dar um ar pomposo ao canalha personagem, mas se perde na caricatura. Anjelica Huston segue como a diretora, que outrora treinou John Wick, e continua firme sentada dando ordens. Temos ainda os amigos de John, do Hotel Continental Charon (na última aparição de Lance Reddick, antes de falecer) e Winston Scott (Ian McShane) dando o ar de suas graças também.

Bailarina é uma razoável diversão para quem está com saudades de Wick, mas realmente se não tivesse sido produzido, não teria feito falta alguma. Uma personagem com pouco carisma, naquela ânsia de termos um John Wick feminino para manter ativa a franquia. Um mais do mesmo sem muito sentido, um festival de tiros, porrada, sangue e corpos empilhados. Nada que não tenhamos visto em dezenas de filmes desde os tempos áureos do cinema brucutu nos anos 1980. Mas que aqui a tentativa de dar uma certa aura para a classe de assassino, num roteiro intrincado, aliado a essa matança, faz o filme perder o gás em um demorado balé da morte, mesmo com tanta ação, entediante. E sem nenhum cachorro para termos como motivação para tamanha violência…
