Crítica: Asteroid City

Existem filmes que já nasceram pra ser taxados de insuportavelmente chatos. Wes Anderson é um grande responsável por obras-primas da chatice cinematográfica (Andrei Tarkovski é outro… mas é gosto pessoal). O realizador tem uns dois filmes interessantes e é protegido por seu seleto grupo de fãs que defendem qualquer esquisitice do diretor, mas de uma coisa não posso criticá-lo: é autêntico, não abandona o seu sonolento estilo e vazio de emoção que pontuam suas películas. Sim, ele sabe usar bem as câmeras, cores, direção de arte, esses artifícios até encantam por alguns minutos, mas depois causam um tremendo sono. E seu esperado Asteroid City (idem, 2023) que estreia nos cinemas brasileiros essa semana é mais um caso desses de muita pretensão, estética e um vazio geral que provoca boas pescadas nas poltronas.

O filme já não é bem um filme. No início um narrador nos apresenta a história (em preto e branco) dizendo que veremos uma peça de teatro dos anos 1950. Nos convida a conhecer o dramaturgo que explana a trama e somos transportados para o filme, na cenográfica e praticamente pintada à mão, cidade de Asteroid City. Lugarzinho perdido no deserto do Oeste dos Estados Unidos, é conhecido por uma cratera que foi provocada pela queda de um asteroide há milhares de anos. Essa cidade peculiar vai ser sede de uma exposição científica de jovens aspirantes a cientistas que irão mostrar seus trabalhos. Só que no meio dessa exposição, em um evento, um alienígena surge e rouba o tal asteroide com todos como testemunhas, que são obrigadas a ficar em quarentena pelo exército a fim de não expor o contato. E assim o filme vai se desenvolvendo, como três atos de uma peça, divididos por cenas, misturando a produção dessa e encenação como se o fosse o filme.

Com direção, roteiro (com Roman Coppola) e produção de Wes Anderson, Asteroid City é mais uma das grandes pretensiosas experimentações do diretor. Usando metalinguagem tenta nos apresentar uma peça dentro do filme de uma maneira insólita, mas pouco cativante. Com uma espécie de montagem de uma época, da America dos anos 1950, dos grandes carros, da paranoia atômica, do medo alienígena e dos grandes dramaturgos e grupos de atuação (é nítida a homenagem ao lendário Actors Studios, criado por Elia Kazan, formatado nas ideias de atuação de Constantin Stanilavski), o diretor usa um amontoado de grandes atores, criando vários personagens que praticamente não acrescentam nada à trama. Enfim, a trama é o que menos temos. Um roteiro confuso, uma história monótona, diálogos que em algumas obras do diretor eram o ponto forte, aqui são um amontoado de nada que aborrece e desperdiça talentos. Um filme desconexo, que pouco empolga. Inclusive tenho dificuldades em pensar em alguma grande cena ou momento do filme.

Talvez os diálogos (insonsos) entre o fotógrafo Augie Steenbeck, da janela de sua cabana, com a atriz Midge Campbell, sejam o ponto alto do filme, mais pelo enquadramento, fotografia e detalhes que pelo teor pobre do roteiro. Até a chegada do alienígena é uma cena que poderia provocar impacto, mas é tratada de um jeito tão blasé pelas testemunhas que fica uma cena desconexa. Talvez quem possa ter dado um pingo de emoção são os adolescentes do filme, com suas criativas e perigosas invenções e as três meninas gêmeas, filhas de Augie, responsáveis por algumas cenas divertidas. Escassos momentos de humor, às vezes ácido do diretor, mas com essas passagens, todas concentradas no trailer do filme, diminuindo a surpresa e a graça. Até a questão do luto e da perda da família do fotógrafo de guerra Augie é tratado de forma sofrível no filme, uma besteira existencialista, mal desenvolvida, com um personagem (talvez o único do filme que possa ter sentido) e suas indagações pessoais entre a sua vida de ator e realidade que deixa mais furos que reflexão e tentativas de respostas. E o mais incrível é que quando nem Tom Hanks dá carga de humanidade a um filme, algo deve estar muito errado.

Mais uma vez Anderson conta com um elenco estelar. Desde Jason Schwartzman, como Augie o fotógrafo, Scarlett Johansson como a atriz Middge Campbell, o já citado Tom Hanks, ainda temos Tilda Swinton, Bryan Cranston, Edward Norton, Adrien Brody, Willem Dafoe, Matt Dillon, Steve Carell, Hope Davis, Margot Robbie e até Seu Jorge como um caipira tocando violão. Um gigante e talentoso elenco interpretando personagens sem alma, desconexos, esquisitos e frios, um desperdício monumental de material humano sob a batuta do “gênio” Anderson.

Obviamente que o filme tem aquele toque pessoal do realizador. Direção de arte apurada, o cenário da cidade parece aquelas miniaturas de playmobil com muita simetria, quase como um personagem do filme. O céu e a paisagem árida, mais uma vez com pinturas com cores áridas, realçando o cenário da cidade e um eficiente preto e branco na parte teatral, obra da excelente fotografia de Robert Yeoman parecem pintados à mão. O jogo de câmeras mudando focos e closes também são um show a parte, mas nada que faça o interesse pela história que nos é apresentada, com tanta pompa e robustez, não passe de um imenso vazio com zero envolvimento de trama que possa sequer prender a atenção do espectador.

Como já tinha falado, Wes Anderson tem o mérito de fazer o que quiser. Tem essa banca de diretor consagrado que pode se dar o luxo de experimentar. Mas com Asteroid City, o time que não suporta os trejeitos cinematográficos dele, terá sim mais bala na agulha pra odiar a sua obra, apesar de o filme ser tão inócuo que ódio é um elemento que nem funciona pra criticar tamanha pretensão da nova brincadeira metalinguística mal estruturada, tramas paralelas dispersivas, com cores típicas do diretor, personagens sem sentido,com uma visão extremamente enfadonha dos anos 1950, ciência, ficção científica e alienígenas, condensados em um filme sem alma e facilmente esquecível, mas que deve ter alimentado muito o ego do aclamado (ou desprezado) diretor. Apesar de ser suspeito, sou do time que não engole Anderson, é mais um dispensável filme do diretor, assista por sua conta e risco e tome bastante café antes pra não correr o risco de dormir profundamente.

 

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