Crítica: Argylle – O Super Espião

Uma característica do cinemão moderno de ação é que é cada vez mais difícil contar uma simples, ou até que seja uma intrincada história, sem partir para uma sucessão de efeitos exagerados, conduzir uma trama em um ritmo de uma trem-bala, tamanho o frenetismo das imagens, tudo isso conduzido por trilhas sonoras de música pop ou peças originais que enchem tanto o saco por serem mais onipresentes que as cenas de um filme. Ponto. Com essas características poderia aqui encerrar minha percepção crítica do novo filme do inglês Matthew Vaughn, Argylle – O Super Espião (Argylle, 2024), mas como sou insistente, sigo nas próximas linhas tentando analisar a tal obra, que estreia nos cinemas dia 1 de fevereiro.

Ely Conway é uma escritora solitária, que vive com seu gatinho de estimação, o Alfie. Nos últimos anos, ela tem feito um tremendo sucesso com seus livros sobre espionagem, tendo o super espião e boa pinta Argylle como protagonista de suas aventuras. Em vias de terminar mais uma obra, decide visitar sua mãe, mas como tem medo de avião, acaba indo de trem. No trem conhece Aidan, que no início se revela um grande fã da escritora. Mas o que se sucede é que no trem, Ely acaba sendo perseguida por uma horda de assassinos violentos e Aidan se revela um espião que tem a missão de protegê- la. Ele acaba revelando que uma organização de espiões do mal acreditam que com a intuição de escritora, ela pode ajudar, tanto Aidan, que é do lado do bem, quanto a organização do mal, revelando onde está escondido um pendrive com informações que são vitais para ambos os lados, o que irá mudar a vida da tímida escritora para sempre.

Se a missão de Vaughn era fazer um grande e exagerado besteirol, de quase duas horas e meia, com tantas viradas de roteiro que chegavam a beirar o ridículo, ele acertou em cheio. Argylle é um festival  do absurdo, pretensioso, com cenas de ação forçadas, de péssimo gosto e que consegue reunir um elenco que só piora as coisas. Não que grandes filmes não tenham tido reviravoltas fantásticas, o gênero de espionagem conseguiu nos dar grandes obras, mas no caso de Argylle tudo soa falso, surreal e sem sentido algum. Alguns até podem gostar da fotografia exaltando as belas locações, as referências a filmes do James Bond e o ritmo ágil de algumas cenas de ação. Mas praticamente todas elas são constrangedoras pilhas de corpos de inexpressivos coadjuvantes, tiros e lutas em câmera lenta, tudo isso com um pseudo humor e tiradas que tentam quebrar o gelo de uma maneira embaraçosa ao extremo. Se a ideia era rir com momentos como a heroína patinando no petróleo matando um bocado de gente ou o casalzinho dançando e matando capangas com fumaças emulando corações, Vaugh errou e muito.

Por um momento até achei que o filme seria algo mais ou menos parecido com obras como Tudo Por Uma Esmeralda, com uma romancistas vivendo suas aventuras na vida real ou até Heróis Não Tem Idade, com um imaginário espião ajudando na intrincada trama, mas da metade em diante, o filme se perde de um um jeito, criando uma das saídas mais cretinas e inverossímeis dos filmes de ação, simplesmente jogando todo o pingo de lógica pro ralo e beirando o absurdo, tamanhas as patéticas viradas de roteiro. Eu falei roteiro? Nem sei se podemos chamar isso de um… E quanto a trilha sonora: um dos scores orquestrais originais mais exagerados e descabidos, em muito tempo, subindo a música em qualquer momento e nem mesmo a inclusão da mais nova música dos Beatles, feita recentemente por IA, Now and Then ajuda. Devido às suas inserções a todo momento, acaba apagando o brilho da canção. O resto da trilha sonora com canções pop são agradáveis aos ouvidos numa sala de cinema, mas parece extremamente deslocado na trama. Desbarato de som e imagem, fazia muito tempo que eu não via…

E falando de desperdício, o elenco todo também carece de direção. John Cena e a Dua Lipa, que tem ênfase nos cartazes do filme, tem papéis pouco aproveitados; Samuel L. Jackson deve ter ganho uma boa grana pra ficar sentado batendo palmas e assistindo basquete na maior parte de suas parcas cenas; Henry Cavill tenta ser um agente Argylle divertido, mas suas caras e bocas dão mais asco que divertem. O mesmo com Sam Rockwell, o verdadeiro agente, que tem uma atuação exagerada e sem carisma. Bryan Cranston, como o chefão da organização, também abusa dos clichês e a melhor da trama é ainda Bryce Dallas Howard, isso quando é apenas uma escritora amedrontada, depois da metade do filme, naufraga sem dó num caldeirão de bobagens que é a película. Ariana DeBose, em papel diminuto, e Catherine O’Hara, como a mãe de Ely, completam o elenco. Ah, quando o filme não ajuda, nem um gato salva, o animalzinho de Ely, o Alfie, fica a  maior parte do filme numa mochila com um vidro para se poder observar ,e mesmo o bichano não ajuda nem para provocar sentimentos de fofura no espectador.

Argylle – O Super Espião (que título secundário medonho) além de tudo dura duas horas e 20 minutos, uma eternidade para tão pouca história e que mesmo com suas viradas de roteiro, talvez em uma hora e quarenta poderia aborrecer menos. O filme não serve como comédia, tem ação frenética demais que chega a provocar tontura de tão mirabolantes, tem uma trama que se julga intrincada, mas de um surrealismo tacanho difícil de engolir. Bons tempos que tínhamos filmaços como Top Secret, que faziam sátiras inteligentes e divertidíssimas de filmes de espionagem e ação, mas em 2024 somos obrigados a engolir coisas pavorosas como Argylle, um filme que tem tudo para ser esquecido rapidamente… 

 

Mais do NoSet