Crítica: Amor, Sublime Amor

Confesso que quando leio alguma notícia do mundo cinematográfico de que algum clássico vai ser refilmado, já começo a sentir calafrios na espinha. Existem filmes que são eternos, que não devem ser mexidos, que ficam na história para revê-los quantas vezes quisermos e apreciá-los. Mas existem pessoas que são lendas, são diferenciadas e que têm licença poética para isso. Falo, é claro, da refilmagem do clássico absoluto de 1961 Amor Sublime Amor, que completa 60 anos e ganha, nas mãos do genial Steven Spielberg, sua refilmagem, que estreia nessa semana nos cinemas e tem cara de buscar inúmeras estatuetas e premiações.

Amor Sublime Amor (West Side Story, 2021) mostra um lado sem glamour de Nova York em 1957, um bairro que está sendo praticamente destruído para construir novos prédios de luxo, duas gangues juvenis vivem em eterno pé de guerra. Os Jets, americanos “nativos”, mas também pobres, lutam por domínio de território contra os Sharks, imigrantes porto-riquenhos que querem um lugar no sonho americano. Até que um dia Tony, um polaco, ex-integrante dos Jets, que havia largado as ruas devido a incidente de violência do passado, encontra num baile Maria, porto-riquenha recém-chegada na cidade, em busca do sonho americano, que vive com seu protetor irmão Bernardo, líder dos Sharks, que é casado com Anita. Tony e Maria se apaixonam intensamente e nem imaginam a revolução que esse romance pode acarretar no lado oeste da Grande Maçã.

Spielberg sempre dizia em entrevistas que as canções de West Side Story foram as primeiras de caráter popular que entraram na sua casa e o fascínio, tanto pelo musical de 1957 e o filme de 1961, o fizeram sonhar em refilmar o clássico, que completa seis décadas exatamente no dia em que o novo filme estreia nas telonas. Enfim, fica difícil falar sobre West Side Story sem elogiar o trabalho fantástico de Spielberg. O que parecia temeroso ficou delicioso na versão 2021. A história é a mesma, a duração do longa próxima, e as canções também, mesmo assim essa versão encanta e prende atenção do início ao fim sem fazer modernices e invencionices, mas usando tudo que a tecnologia do cinema pode nos dar. A edição é fantástica, principalmente nas sequências de dança e música, a edição de som também é uma aula de precisão. A fotografia de Janusz Kaminski, escudeiro de Spielberg, nos mostra um filme mais sombrio, com um bairro decadente, e suas tomadas aproveitando o pôr do sol, a luz das ruas e o clima noturno beiram a perfeição. As tomadas de dança com a tecnologia dos drones abrilhanta cada vez mais os números coreografados brilhantemente por Justin Peck. A coreografia do início do filme tal qual o original é sensacional, uma atualizada homenagem sem as cores fortes dos 1960 e sim um bairro mais abandonado e sombrio, mas sempre com a mesma essência.

O roteiro adaptado é de Tony Kusher, pendendo mais a adaptação para a peça da Broadway que o filme de 1961. Um dos pontos positivos dele é abordar com veemência a questão latina e seu lugar na preconceituosa sociedade americana em busca do american way of life, a exploração imobiliária com suas desapropriações e limpeza urbanística e a total falta de perspectiva de jovens abandonados por um núcleo familiar, que veem nas ruas uma maneira de extravasar suas vidas medíocres. Tudo isso embalado pelas eternas canções, dessa vez repaginadas por David Newmann. Outro ponto positivo do filme foi a ênfase na língua espanhola, muitas vezes os latinos trocavam palavras, tinham dificuldade com o inglês dando um ar de realidade e identidade aos porto-riquenhos. O elenco, com o núcleo do Sharks, formado por latinos mesmo, também é mais um ponto para verossimilidade da trama. Destaques no elenco para Rachel Zegler, uma encantadora Maria e com uma belíssima voz aguda, David Alvarez, como seu irmão Bernardo, está muito bem também, mas quem rouba o filme é Ariana De Bose como a forte e guerreira Anita, numa representatividade bárbara da latinidade e o quanto é difícil a luta contra o preconceito. Rita Moreno, vencedora do Oscar pelo filme de 1961, como Anita, está bem também num novo papel com a viúva de Doc, Valentina, e tem uma cena emblemática defendendo Anita de um estupro dos Jets. Parecida com a do original, mas com um discurso mais atual e extremamente necessário. Ansel Egort é um Tony inicialmente menos deslumbrado e bobalhão quanto o ator que o fez em 1961, mas depois meio que se perde na paixão impossível, e não decepciona na incrível história de amor inspirada em Romeu e Julieta.

Alguns poderiam dizer que Spielberg perdeu a chance de fazer um musical atual com a mesma premissa e abusar de canções, atitudes, cenários e problemas mais modernos, mas fica claro que é um filme de homenagem, uma declaração de amor a um clássico, uma nova roupagem sem descaracterizar. Fica difícil dizer se é melhor que o excelente filme dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins. Acredito que a versão de 2021 passará longe de se tornar um clássico, mas ela é um deleite visual, sonoro e sentimental. Para quem viu o original, mesmo conhecendo cena por cena, é uma experiência rica e emocionante, e para quem vai começar, pode ter certeza de que pode se entregar às emoções, aflorar seu lado sentimental e apaixonado, porque por mais que a crítica social, a delinquência juvenil, os balés urbanos, as brigas e rixas de gangues sejam a tônica do filme, ele é um filme de amor, e como seu título traduzido já diz, o amor é sublime.

Sobre o Filme: Adaptado de um musical da Broadway, Amor, Sublime Amor conta uma história de amor e rivalidade juvenil que se passa na Nova Iorque de 1957. As gangues Jets, estadunidenses brancos, e os Sharks, descendentes e/ou porto-riquenhos, são rivais que tentam controlar o bairro de Upper West Side. Maria (Rachel Zegler) acaba de chegar à cidade para seu casamento arranjado com Chino (Josh Andrés Rivera), algo ao qual ela não está muito animada. Quando em uma festa a jovem se apaixona por Tony (Ansel Elgort), ela precisará enfrentar um grande problema, pois ambos fazem parte de gangues rivais; Maria dos Sharks e Tony dos Jets. Nesta história inspirada por Romeu e Julieta, os dois pombinhos precisarão enfrentar a tudo e todos se quiserem celebrar este romance proibido.

Direção: Steven Spielberg

Roteiro Tony Kushner, Stephen Sondheim

Elenco: Ansel Elgort, Rachel Zegler, Ariana DeBose

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