Quando surgiram as primeiras imagens do live action A Pequena Sereia, inspirada na animação da Disney de 1989 e choveram as críticas racistas dizendo que era um absurdo uma sereia ser negra, logo me perguntei: se não existem sereias, como saber qual a raça delas? E envolto nessas polêmicas descabidas e preconceituosas, mas todas tiradas de letra pela produção e atores, enfim estreia essa semana o tão aguardado A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 2023), com direção de Rob Marshall.
O filme conta a história de Ariel, uma jovem e um tanto rebelde sereia, que mora no fundo dos oceanos com suas irmãs, tendo como pai o rei dos sete mares, Tritão. Apesar dos conselhos dele de não se aproximar de humanos, a sereia tem muita curiosidade para saber como é o mundo em terra firme, pois se encanta com objetos encontrados no fundo do mar, oriundos de naufrágios e idealiza um mundo lindo acima do mar. Na superfície, temos Eric, um herdeiro de um reino, que não querendo depender dos pais nobres, se atira aos mares em expedições marítimas, até que um dia o barco naufraga e ele é salvo pela doce Ariel. Mas obviamente que o paizão não quer saber de encontros das sereias com humanos recriminando-a. Só que Ariel está disposta a qualquer coisa pra explorar um novo mundo, faz um pacto com a malévola Úrsula, sua tia e típica bruxa do mar, e troca a sua encantadora voz por três dias na superfície em forma humana. E se nesse tempo conseguir um beijo romântico de Eric, ela poderia manter-se eternamente na nova condição. Mas é claro que a tia fará de tudo pra sabotar esse beijo, provocando um rebuliço no reino dos homens e dos mares.
Não temos como negar que A Pequena Sereia é um dos mais belos acertos em live actions da Disney, mesmo depois de tantas pisadas na bola da empresa do camundongo Mickey. Ele tem uma beleza visual deslumbrante, colorido efusivo, maquiagem impecável das sereias, efeitos convincentes, uma fotografia explorando as belezas terrestres e um CGI que funciona bem nas cenas aquáticas, com tomadas lindíssimas e com cores vibrantes (apesar do medo ao ver prévias em trailer e teaser, em que as cenas marítimas pareciam opacas). O experiente Rob Marshall usa todo esse aparato técnico a favor do filme e acrescenta muita nostalgia do clássico de 1989 como artifício para entrarmos a fundo na história da encantadora Ariel. Uma história de amor contada à exaustão, com todos os clichês de sempre, príncipe, famílias contra a relação, açucarada rebeldia juvenil, vilã maquiavélica e um duelo que resolve a questão. Enfim, conto de fadas mais Disney impossível, mas que ainda consegue prender a atenção e encantar.
No elenco, logicamente, o destaque é pra Halle Bailey. A atriz mostra toda a sua força, mas sem perder a ternura de Ariel, deslumbrante nas tomadas do fundo do mar, demonstrando seu talento com sua voz maravilhosa nos números musicais, e mesmo no momento do filme em que não pode falar, se destaca por sua expressão forte e dando vida a uma inesquecível personagem. Melissa McCarthy, como a tia Úrsula, apesar de todos os arquétipos de vilã, nos apresenta uma personagem forte, com poder de persuasão e vingança, se destacando com uma segura atuação na trama. O príncipe Eric, interpretado por Jonah Hauer-King é um pouco sem sal, tem uma atuação um tanto quanto inexpressiva, mas consegue, muito graças ao talento de Halle, nas cenas que atuam juntos, uma química interessante e convincente como casal. Javier Bardem, livre e solto como o Rei Tritão, parece se divertir muito com o papel, não se esforçando muito, mas só sua presença já engrandece o personagem. E claro que não podemos esquecer do trio de animais Linguado (esse infelizmente num CGI duvidoso), o caranguejo Sebastião e a gaivota Sabidão, esses na versão original com as vozes de Jacob Tremblay, Daveed Diggs e Awkwafina, responsáveis por momentos cômicos da película e tendo, principalmente, Sebastião com as melhores piadas.
A Pequena Sereia é um filme musical e as canções, algumas inéditas, outras do original, como a oscarizada Under the Sea, fecham bem o quesito sonoro do filme e tem tudo para fazer os fãs cantarem junto, ora se apaixonando, outras vezes se emocionando e em muitas vezes se divertindo. Mas falando de alguns pontos negativos do filme, não posso deixar de ressaltar: os figurinos muitas vezes simplórios do habitat terrestre, a pouca participação das irmãs sereias de Ariel, que mal aparecem e o final, com um duelo entre Ariel, Eric e Tritão contra a tia malvada, que deixa muito a desejar tamanha a expectativa. Se esperava um desfecho mais caprichado já que de tanto tentarem mostrar imagens colossais do embate, acabam com um CGI mequetrefe, escuro e confuso.
A Pequena Sereia segue o script básico da animação original, mas consegue dar mais profundidade à trama de 1989, mostrando motivações mais firmes de Ariel e a ousadia da sereia de desafiar o destino em busca do novo e do amor. Além, é claro, de ser um filme de inclusão, que vai fazer várias meninas ter orgulho de se verem representadas na tela e ainda de abrir o leque para diversidade na representação das sereias, principalmente no desfecho da trama. Enfim, fantasia de primeira com um visual caprichado, uma história que sabe dosar o romantismo e os momentos cômicos, tudo isso regado a belas e agradáveis canções, uma atriz completa como personagem principal e como falei no início, por mais que não existam sereias, se elas existissem não seria nada mal se elas fossem como a Halle Bailey.