Crítica: A Morte do Demônio – A Ascensão

Em 1981, Sam Raimi e uma turma ávida por fazer cinema, simplesmente revolucionou o gênero de horror com uma história de cinco amigos, que em uma cabana isolada, através da invocação de um livro, chamado O Livro dos Mortos, despertou demônios cruéis, dizimando quase toda a turma, sobrando apenas Ash (Bruce Campbell) e sua motosserra pra contar a história. Claro que falo do clássico A Morte do Demônio (Evil Dead, 1981), um dos filmes mais assustadores de todos os tempos. Essa obra prima do improviso e do terror, feita no peito e raça, gerou duas sequências (uma interessante, outra dispensável), um remake cumpridor anos depois, além de uma série bem requisitada. E como esse tal demônio não cansa de morrer, mas nunca morre, um novo filme, baseado no original, estreia essa semana, A Morte do Demônio – A Ascensão (Evil Dead Rise, 2023), com direção de Lee Cronin.

Em uma noite que tinha tudo para ser uma pacata, em Los Angeles, Ellie vive com seus três filhos, Danny, Bridget e Kassie. Sem avisar chega Betty, irmã de Ellie, que vive como roadie de bandas, viajando o mundo, e que acaba de descobrir que está grávida. A família se surpreende com a chegada repentina da tia, mas com fome, os sobrinhos resolvem buscar pizza para o jantar familiar. Um estranho terremoto que parece só atingir o prédio da família (um muquifo que está prestes a ser demolido), abre uma fenda no chão da garagem do edifício, que no passado abrigava um banco, e Danny, na curiosidade, resolve entrar lá para buscar um sinistro livro e alguns discos de gravações datadas de 1923. Como o garoto era DJ, tinham equipamentos que tocam long plays, descobrem que os discos têm depoimentos de padres da época e ouvem uma invocação demoníaca gravada nas bolachas, fato que faz o livro se mexer sozinho e liberar demônios terríveis. E em instantes, após ouvirem os discos, a mãe da meninada, Ellie, acaba sendo possuída por um desses demônios libertados e uma noite de pesadelos sem fim tem início no apartamento da família.

Com grandes expectativas e com esperto marketing, do tipo de que alguns espectadores saíram mal das sessões de cinema nas estreias estadunidenses, A Morte do Demônio – A Ascensão enfim estreia nos nossos cinemas, e sem grandes surpresas, cumpre o papel que esperávamos. Cheio de obviedades típicas do gênero, técnicas clássicas da franquia (Sam Raimi e Bruce Campbell são produtores executivos), como câmeras seguindo as vítimas, muito olho mágico e voyeurismo de captação, temos um filme de terror com a cara de 2023. Uma história clássica transportada para um apartamento em Los Angeles, com poucos sustos e surpresas, mas muito sangue, violência, possessões, humor quando necessário, facadas, tiros e membros decepados. Às vezes de tanto gore, parece estamos vendo uma sequência de Terrifier, filme do palhaço mais carniceiro do cinema. Mas o filme realmente não pretende revolucionar o gênero e mostra com sua história manjada, que o mais do mesmo pode funcionar e muito bem, ainda mais em filmes de terror, onde o nível do público de hoje em dia, tem uma exigência da profundidade de uma piscina infantil.

Do time de atores temos atuações coerentes com a exigência da trama, toda a família se sai muito bem nas indesejadas situações que passam, desde Alyssa Sutherland, a mamãe demônio, a Lily Sullivan, que nos remete aos grandes momentos de Bruce Campbell com rosto coberto de sangue e motosserra à tiracolo. A molecada, Morgan Davies, Gabrielle Echols e Nell Fisher também estão ótimos na terrível noite de terror que vivem na trama.

Lee Cronin, que além de dirigir assina o roteiro, tem o mérito de nos dar na sequência inicial uma homenagem à franquia clássica, com uma sequência bucólica com rio, florestas e cabanas, mas sabiamente transporta a trama para a perturbadora e claustrofóbica tensão de um apartamento. Além de abusar de itens como agulhas de tatuagem, copos de vidro e até raladores de queijo, usados como armas perigosas pelos incautos personagens possuídos pelos demônios libertados. Se o filme falha em trazer tensão e suspense, devido à obviedade do roteiro, acerta em causar desconforto visual no espectador, já que cada segundo daquela sinistra noite, pontuada por uma fotografia soturna, acaba nos gerando surpresas desagradáveis e constantes, mas que como já alertei antes, longe de impactar profundamente quem assiste à trama. Entre referências e odes eficientes ao Evil Dead original, o diretor nos apresenta um interessante filme com cara de sua década, agraciado por técnicas e efeitos especiais vibrantes, uma espécie de remake moderno do original com tudo que 2023 pode nos oferecer em matéria de tecnologia, sangue e violência, mas carece de algo novo, algo que possa sustentar e reviver de maneira original a cultuada série de filmes que tanto marcaram os anos 1980. Em suma, entre as diversas mortes do demônio que insiste em não morrer, A Ascensão cumpre seu dever com esmero, com um roteiro oxigenado, atuações eficientes e o melhor que o tempo atual pode nos apresentar em matéria de horror. É um filme que tem de tudo pra agradar aos fãs de terror, mas vai gerar curiosidade e público muito mais por carregar o nome da clássica franquia que por apresentar algo realmente novo no gênero.

 

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