Crítica: A Médium

O ano de 2004 transformou aquele medo que todos tinham daquelas manchas de fotos, que pareciam almas ao lado do fotografado, em um arrepiante filme. Espíritos – a Morte Está ao seu Lado, filme tailandês daquele ano, foi com certeza, um dos filmes mais arrepiantes da década de 2000, sendo que o final até hoje causa frio na espinha e as dores nas costas nunca mais foram tratadas como simples dores nas costas. Além, é claro, de ter como mérito consolidar o terror asiático daqueles tempos como uma saída criativa aos tão batidos filmes de horror do cinemão em língua inglesa. O diretor Banjong Pisanthanakun, que codirigiu o sucesso de 2004, volta a explorar o tema, com A Médium (The Medium, 2021), terror que estreia nos cinemas essa semana.

Uma equipe de documentaristas adentra o interior da Tailândia atrás de uma médium, no vilarejo de Loei. Encontram a simpática costureira Nin, que recebe o espírito da entidade de proteção Bayan, faz curas espirituais e xamanismo. Em depoimentos, ela conta como adquiriu esse dom e como conseguiu ter o respeito da aldeia. Um poder que vem de herança familiar, e que a irmã Noi negou, convertendo-se ao catolicismo. Uma tragédia acontece e o marido de Noi falece num acidente. A equipe de filmagem e Nin viajam para o funeral e acabam notando que Mink, a filha de Noi e sobrinha de Nin, começa a ter estranhas atitudes, tanto na vida pessoal, quanto no trabalho, o que gera a suspeita de que a menina está sendo possuída, já que a família do pai dela tem um passado nebuloso.

Confesso que ao assistir A Médium, o filme Espíritos me vinha direto na cabeça. Esperava algo parecido ou até melhor, visto que seu filme de estreia é uma obra-prima do terror moderno. Infelizmente, A Médium saiu devendo. Claro que a cópia dublada em português em que assisti ao filme meio que fez perder muito do ambiente e clima da história, mas não isento de culpa Banjong, que usou intermináveis duas horas e onze minutos, num filme que em menos de 90 minutos poderia ter feito muito mais estrago, leia-se, dar medo. Claro que pode se alegar que ele tentou criar um clima com paciência para explodir no clímax final, mas em diversas partes o filme realmente não engrena. Usando os artifícios de A Bruxa de Blair, dando a ideia de estarmos vendo um documentário, câmeras de segurança, dando o clima meio Atividade Paranormal e até algumas cenas lembrando o espanhol Rec, esse estilo de filmagem de terror documentário utiliza o mais do mesmo e tem poucas surpresas. Já a ambientação em um vilarejo tailandês, dando aquele ar de mistério, juntando os incríveis rituais xamânicos e as invocação de entidades típicas da região, criam um certo panorama perturbador. Religiosidade em dúvida, superstição, mandigas nativas e ancestralidade também dão as caras, mas o excesso do tom documental acaba cansando e na primeira hora e meia do filme, praticamente nada acontece. Vemos uma mãe desesperada, uma filha sendo possuída e uma tia pouco ajudando no caso. E na meia hora final sim, tanto nos eventos pré-ritual para libertar Mink, quanto nele em si, somos apresentados a cenas de violência extremamente perturbadoras, mas em nenhum momento realmente assustadoras, de tirar o sono. Talvez a preferência do diretor por mais sangue e violência que sustos e cenas de dar calafrio (apesar de abusar de alguns jump scares), tenham feito o filme ser mais angustiante do que amedrontador em si.

No elenco o trio familiar está muito bem, tanto a médium Nin, interpretada de maneira muito eficiente e realista por Sawanne Utoomma, quanto Sirani Yankittikan, como a mãe aflita da menina possuída, que negou a herança de ser médium. Narilya Gulmongkolpech, como Mink, a rebelde menina que é possuída, também faz um papel forte e corajoso, dando alguns arrepios na sua transformação. Claro que sempre temos a comparação quando uma mulher é tomada por algum espírito ou demônio com a Linda Blair de O Exorcista, mas Narilya manda muito bem e não decepciona em um papel extremamente difícil.

Logicamente que, como sempre falo, em um Saara de filmes ruins de terror, uma película como A Médium consegue ser acima da média, mas a carga de expectativa no filme me gerou uma certa decepção, com poucos sustos e principalmente, a história por mais incrível que possa parecer ser, não contagia o espectador. Uma mistura do que o melhor do cinema contemporâneo fez, tentando dar um ar de cinema verdade, mas que acaba se tornando aborrecido e cansativo, até pela longa duração, que pode afugentar os fãs mais pipoca do gênero, que tendem a preferir histórias mais diretas e com câmeras menos nervosas, com sustos mais imediatos. Enfim, Banjong não chega a perder completamente a mão, mas desperdiça uma grande história e nos apresenta um filme que fica longe de sua incrível estreia, com um filme que parece que já vimos muitas vezes, apenas com a diferença de que é em um não tão pacato vilarejo tailandês.

 

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