Quem nunca parou para ouvir – e por que não? – se assustar, com uma lenda urbana bem contada? No Brasil, cada cidade tem a sua, cada bairro, cada rua. Num âmbito geral, existem as mais clássicas, como a loira do banheiro, as facas escondidas no boneco do Fofão ou o célebre diabo loiro da lambada. Histórias que o povo conta e que, se bem narradas, podem arrepiar os fios de cabelo do ouvinte. Em 1992 Bernard Rose adaptou um conto de Clive Baker (The Forbidden) para as telonas. Se tratava de O Mistério de Candyman. O filme contava a história de uma estudante que tinha como tese de mestrado as lendas urbanas e acaba fascinada pela lenda de Candyman, um filho de escravos artista que circulava bem pela alta roda da sociedade no fim do século 19. Só que ele teve a petulância de se envolver com a filha de um figurão e engravidar a moça. Motivo que provocou uma vingança da população, que linchou o rapaz, que foi jogado a uma colmeia de abelhas, teve a mão decepada e cravado um gancho no lugar dela, além de ser queimado vivo. Com o tempo, ele voltava a assombrar os moradores de Cabrini Green, um gueto abandonado de Chicago, e que pelo simples fato de evocar seu nome cinco vezes na frente do espelho, era motivo para Candyman, alcunha do falecido Daniel Robitaile, assassinar quem tinha a coragem de invocá-lo. No filme de 1992, Viriginia Madsen é a pesquisadora Helen Lyle, que sofre nas mãos do ser vingativo, sendo manipulada e acusada pelos brutais crimes da entidade. O filme fez um grande sucesso na época, e com um tom de crítica social, retratou o abandono dos negros em periferias, além de criar Candyman, um ser sobrenatural negro, uma mistura de Drácula e Freddie Krueger, deu origem a uma franquia, mais dois filmes completamente desprezíveis. Foi preciso quase 30 anos para surgir uma oxigenada versão na fantástica história de Candyman. Com diversos atrasos devido à pandemia da Covid-19, estreia essa semana nas telonas A Lenda de Candyman (Candyman, 2021), dirigido por Nia da Costa.
O primeiro filme:
Passados mais de 30 anos dos fatos ocorridos do primeiro filme, o antigo bairro de Cabrini Green teve seus antigos blocos de edifícios destruídos e foram construídas no local casas padronizadas para a população da região. A história de Candyman ainda ecoa e agora concorre também com a de Helen, que por ter salvado um bebê de uma fogueira, ganhou ar de mártir e de lenda urbana. Essa história cativa o pintor Anthony McCoy, que buscando inspiração para sua nova exposição na galeria que sua esposa Brianna dirige, entra de cabeça na lenda de Candyman e acaba invocando a maldita entidade.
Com um roteiro de Jordan Peele, Win Rosenfeld e da própria diretora Nia da Costa, adaptando o conto de Baker e o filme de 1992, de Rose. A Lenda de Candyman tenta dar uma modernizada na história que fez tanto sucesso nos anos 1990. Com o mérito de manter uma continuidade, mostrando o que aconteceu na região de domínio da criatura e o que se tornou a Helen na cultura popular da época, Nia nos apresenta um filme bem amarrado, com uma narrativa bem construída e uma feliz modernizada na lenda. Mas, infelizmente, ela peca demais no ritmo do filme. Por mais que hoje em dia os efeitos especiais possam fazer coisas que eram impossíveis em 1992, o filme demora para decolar, e como é um slasher movie, deixa a muito a desejar no sangue mesmo. Se o filme de Rose dava um campo de apresentação genial da lenda e deixava quase a metade do filme para mostrar a criatura, criando um suspense de prender o folego, na versão 2021, fica meio óbvio desde cedo o destino de Anthony. O roteiro tenta aproveitar a história do original e liga algumas questões como o bloco residencial de Cabrini, os inúmeros Candyman e os que se passaram por ele, além de resgatar um fato crucial do primeiro filme. Mas tudo soa um pouco cansativo demais, e a meu ver não chega a emplacar.
Yahya Abdul-Mateen II, como Anthony, mais uma vez prova seu talento dramático (explorado bem em Os 7 de Chicago), tentando passar a visão atormentada do rapaz que entra numa viagem sem volta na lenda de Candyman. Teyonah Parris, como a esposa Brianna, está discreta não aproveitando bem o papel que poderia ser destaque na trama. Mas o filme, no quesito horror, é de Candyman, que assume uma forma mais real e não apenas um quase surto individual, como no primeiro filme, e temos boas cenas como a do banheiro escolar, da galeria, mas repito, infelizmente para a proposta do filme, ou ao menos como eu imaginava, tudo muito subjetivo e pouco explícito. Porém, engana se o terror psicológico impera no filme, ao invés do terror sanguinolento. Temos pouca tensão, uma leve dose de suspense. Os acertos do filme são a história das lendas contadas por bonecos de sombras nas paredes, que é muito bem realizada, e os efeitos sonoros e a edição de som dão um ar constantemente perturbador ao filme. E o principal ponto positivo é como Nia coloca em voga os assuntos étnicos da época, a gentrificação do preto pobre, a violência policial nas minorias e o preconceito, fantasmas reais, muito mais cruéis que qualquer ser sobrenatural com um gancho na mão.
A Lenda de Candyman (título acertado, até por se referir aos fatos do primeiro filme como lendas no presente) foge um pouco do padrão usual do filme de terror. Se alguém procura jump scares, sadismo nas mortes ou uma costura psicológica recheada de suspense, não encontrará nessa não tão continuação (usa mais o filme de 1992 como premissa) do Mistério de Candyman. Mas irá encontrar um filme atualizado aos nossos tempos, muito bem montado e dando uma visão pessoal da diretora a questões sociais e étnicas necessárias, usando um filme de terror com um vilão negro, vítima de uma sociedade racista do século 19, que passados mais de 100 anos ainda é atormentada por preconceitos, abusos de autoridade e violência velada. Em suma, temos pouca atmosfera de terror clássico, mas um belo panfleto de denúncia, nas feridas da nossa sociedade. Se vai agradar, realmente não sei, porque mesmo com todo o teor necessário, é um filme irregular, de ritmo lento e com jeito de não ficar para a história.
O vencedor do Oscar, Jordan Peele, produz uma nova versão do arrepiante conto urbano de Candyman, com a cineasta Nia DaCosta (Passando dos Limites, o inédito The Marvels) na direção desta encarnação contemporânea do clássico cult, A Lenda de Candyman.
Os moradores lembram-se, desde sempre, que os conjuntos habitacionais do bairro Cabrini-Green, de Chicago, eram aterrorizados por uma popular história de fantasma – um assassino sobrenatural com um gancho no lugar da mão, que podia ser invocado por quem quer que ousasse repetir seu nome cinco vezes em frente a um espelho.
Nos dias atuais, uma década após a última das torres Cabrini ser derrubada, o artista visual Anthony McCoy (o vencedor do Emmy, Yahya Abdul-Mateen II, de Watchmen, Nós), e sua parceira, galerista de arte, Brianna Cartwright (Teyonah Parris, de WandaVision, Se a Rua Beale Falasse), mudam-se para um condomínio de lofts de luxo em Cabrini, agora gentrificado, remodelado, com prédios modernos habitados por millennials conectados ao mundo por seus onipresentes celulares.
Com a carreira à beira da estagnação, num encontro casual com um velho morador de Cabrini-Green (Colman Domingo, de Zola, A Voz Suprema do Blues, Se a Rua Beale Falasse), Anthony descobre a terrível história verdadeira por trás da lenda de Candyman. Ansioso para manter seu status no mundo da arte de Chicago, e estimulado por seu agente e marchand, Anthony começa a pesquisar os detalhes macabros da lenda urbana em seu estúdio para se inspirar para uma nova coleção de pinturas. Sem saber, ele abre uma porta para um intrincado passado que desafia sua própria sanidade e desencadeia uma onda aterrorizante de violência, colocando-o em rota de colisão com o destino.
A Lenda de Candyman traz ainda em seu elenco Nathan Stewart-Jarrett (Generation, da HBO, O Menino que Queria Ser Rei), como o irmão de Brianna, Troy Cartwright; Brian King (As Viúvas) como o dono da galeria de arte, Clive Privler; Carl Clemons-Hopkins (Hacks, da HBO) como o artista conceitual Jameson; Rebecca Spence (Utopia, da Amazon) como a crítica de arte Finley Stephens; Kyle Kaminsky (DriverX) como o namorado de Troy, Grady Greenberg; e de O Mistério de Candyman, de 1992, Vanessa Estelle Williams, como Anne-Marie McCoy, e Tony Todd como Daniel Robitaille.
A Universal Pictures e a Metro Goldwyn Mayer Pictures apresentam, em associação com BRON Creative, Jordan Peele e Monkeypaw Productions, de Win Rosenfeld, A Lenda de Candyman, dirigido por Nia DaCosta, coautora do roteiro com Peele & Rosenfeld, produzido por Ian Cooper (o inédito Nope, Nós) Rosenfend e Peele. David Kern, Aaron L. Gilbert e Jason Cloth assinam a produção executiva.
Com John Guleserian (Com Amor, Simon) na direção de fotografia, Cara Brower como designer de produção (The Marvels), Catrin Hedström (Passando dos Limites) na edição, e a figurinista Lizzie Cook (The Chi). A trilha sonora é de Robert Aiki Aubrey Lowe (Ao Cair da Noite).