Crítica: A Era de Ouro

Estava mais que na hora de o cinema prestar uma homenagem a um dos caras de bastidores da música mais incríveis da história, mas hoje praticamente esquecido. Uma pessoa, que com seus projetos e gravadoras, ajudou a alavancar a carreira de artistas com sua Casablanca Records. Artistas do quilate de Kiss, T. Rex, Parliament, Donna Summer e Village People, entre outros, tão distintos entre si, mas fundamentais na estética musical dos anos 1970. Esse cara foi Neil Bogart, que quando conheceu o sucesso e seu bônus, veio a falecer com menos de  40 anos, e coube a Timothy Scott Bogart, filho do homem, a prestar uma carta de amor ao pai, o polêmico e inovador executivo musical, no filme A Era de Ouro (Spinning Gold, 2023), com estreia marcada para os cinemas essa semana.

A trama não tem mistérios, conta através de uma narração do próprio Bogart, sua agitada vida, não de forma linear, mas fragmentada em diversas situações. Sabemos que desde pequeno ele tinha tino para negócios, quando morava no Brooklyn em Nova York, suas constantes mutações de nome, sua carreira musical, até chegar a criação da Casablanca Records, gravadora independente, que aos trancos e barrancos chegou ao sucesso. Amores, vícios, apostas, eterna falta de dinheiro de um homem imperfeito, mas que com muita perseverança e busca dos objetivos, nortearam a vida agitada de Bogart nos anos 1970.

Timothy Scott Bogart deve ter convivido pouco com o pai, que faleceu em 1982, mas jamais deve ter esquecido da sua importância crucial para a música pop dos anos 1970 e, principalmente, a afetividade dele. Nesse filme homenagem ele dirige, assina o roteiro e é um dos produtores da obra. Às vezes fica difícil entender uma cinebiografia de alguém que realmente não aparecia nos holofotes, ter alguma atração, existem exceções, é claro, mas A Era de Ouro é um filme que cumpre bem tal papel. Alguns vão achar que o filme é lento em determinados momentos, frenético em outros, que a história do Bogart contada do ponto de vista dele mesmo, já morto, em idas e vindas do tempo, com algumas pontas soltas e confusas, prejudicam a trama, mas eu já sou daqueles que acha que mesmo com esses possíveis defeitos, o filme consegue agradar em cheio e nos brindar com um interessante e equilibrado espetáculo. Não tem como um conhecedor da época não se emocionar com a reconstituição da tal era, as incríveis canções, os exageros e excentricidades da música pop, o Kiss, George Clinton, a era disco. E o filme não passa pano pro Neil, o apresenta como um aventureiro, viciado em cocaína, picareta muitas vezes, que não mede esforços para conseguir o sucesso, tem seus casos extraconjugais, um apostador nato, mas também equilibra mostrando o quanto seu lado perseverante, sua luta atrás da fama para sua gravadora e artistas, uma pessoa que jamais desistiu de lutar pelo o que almejava, o sucesso.

Jeremy Jordan interpreta Neil Bogart com uma leveza exemplar, em uma atuação simpática, sem exageros, coerente com o que foi a vida do manager da Casablanca Records, já a grande Michelle Monaghan está mais atuando em  ritmo de piloto automático como Beth, a esposa de Bogart. Grande elenco como Jay Pharoah, Dan Fogler, James Wolk, Lyndsy Fonseca, entre outros, completam o time, mas os holofotes são mesmo para Bogart e o filme é de Jordan mesmo.

Os números musicais não decepcionam, as apresentações do Kiss são muito bem executadas, a cena onde Donna Summer grava com Bogart seu primeiro sucesso, que a transformou na musa da disco, Love to Love You Baby, quando ele provoca a cantora num estúdio de gravação para chegar na sensual gravação é ótima. A nota negativa é realmente o final, com um número musical que beira à breguice, onde Bogart parece um anjo cantando num momento onírico e surreal. Conclusão extremamente dispensável e de gosto duvidoso. Mas no geral os números musicais  funcionam muito bem, por mais que na primeira parte do filme tenha sentido falta de mais música, sendo que da segunda hora em diante realmente engata e torna o filme mais prazeroso.

A Era de Ouro é uma prazerosa homenagem de filho para pai e apresenta para o mundo atual um dos personagens mais controversos e importantes da música dos anos 1970, infelizmente esquecido pelas novas gerações, que pouco se importam com o mundo antes das redes sociais. Tem emoção, muito tempero kitsch, uma recriação de uma época inesquecível, mas que fique claro, é longe de ser uma obra-prima, é sim um filme de superação, de que os sonhos jamais devem ser abandonados. Aquela famosa frase da canção Volta por Cima, de Paulo Vanzolini: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, serviria em cheio como mantra de vida do Bogart, um cara que, mesmo muitas vezes derrotado, ao seu modo venceu e pena que não conseguiu viver muito para aproveitar suas conquistas. Abra sua cabeça, conheça o passado e assista com prazer essa admirável e ousada  cinebiografia.

 

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