Crítica: “8 Presidentes 1 Juramento – A História de um Tempo Presente”
A nova República no Brasil ainda não pode ser considerada uma realidade sólida. Nesses 37 anos, desde o movimento de Diretas Já até o governo de Jair Bolsonaro, muita coisa já aconteceu, mas o que podemos ter como relevante e talvez solidificado, é que sempre tivemos eleições, usamos urnas desde 1989 (com a histórica eleição daquele ano) e o brasileiro sempre teve o direito de eleger um presidente. Porém o que ocorreu após essas eleições, desses oito cidadãos que assumiram a faixa presidencial, cinco de forma direta, um eleito pelo congresso e dois assumindo devido a impedimento dos titulares, foi um festival de falsas promessas, momentos de bonança, crises estratosféricas, corrupção, jogos de poder, má gestão do dinheiro público, muito populismo, escândalos, alguns momentos de lucidez política, e um misto de esperança e decepção que permeia na cabeça do eleitor brasileiro. Carla Camurati condensa esses 37 anos de Brasil e sua nova república, pós-regime militar, em um documentário sensacional que estreou esses dias nos cinemas: 8 presidentes, 1 juramento: A História de um Tempo Presente (2021).
O filme, através de recortes de imagens de arquivo, faz uma colagem do período de redemocratização brasileira de meados de 1984 até os tempos recentes. Com certeza, 8 presidentes, 1 juramento: A História de um Tempo Presente tem todo o potencial e deve servir como bússola histórica para qualquer estudante, leigo ou cidadão mesmo, entender o nosso Brasil atual. Com um trabalho impecável de garimpo de imagens em arquivos de televisão, Carla Camurati, que também assina o roteiro, nos dá em um show de edição, um retrato do Brasil. De um Brasil que vive indo da esperança
à dúvida, e às vezes decepção, mas que tem o mérito de ao menos nesses 37 anos ter o direito ao voto quase como um sagrado ofício. O problema realmente é quem o tal direito elege.
Carla começa com o histórico movimento de Diretas Já, que por muito pouco foi barrado no Congresso, mostra as imagens das gigantescas mobilizações populares pelo Brasil, os comícios onde os caciques históricos e os novos manda-chuvas da política discursavam, depois vai a eleição indireta de Tancredo, à súbita morte dele, a posse de Sarney, seus planos mirabolantes, a chegada de 1989 com a eleição mais esperada da pátria. A construção de Collor, primeiro presidente jovem e pop do Brasil, sua queda através de impeachment e renúncia em um mar de escândalos, a posse de Itamar, o plano Real, a eleição de Fernando Henrique Cardoso na esperança de um sociólogo intelectual e social-democrata no poder, os naturais escândalos, a polêmica votação da reeleição, as crises internacionais que derrubaram a estabilidade do real, a oposição do PT. A chegada de um Lula paz e amor ao governo, um governo pragmático nos primeiros quatro anos, um mensalão minando a base. Uma reeleição e aí sim um governo megalomaníaco que, artificialmente, mas eficientemente construiu um gigante Brasil que não parava de crescer. A eleição de Dilma com um governo na mesma toada, mas que com escândalos e má gestão fizeram o Brasil despencar. As marchas de 2013, onde black blocks conviviam com uma direita porra loca. A eleição de Dilma de 2014 vencendo por uma cabeça Aécio e praticamente dividindo o Brasil até hoje. A puxada de tapete de Temer e o Congresso na desgastada Dilma, o show de horrores que foi a votação do impeachment. O governo Temer e suas crises e estagnação nacional. E o surgimento de um outsider completamente sem noção, fruto da polarização do país, da saída do armário da direita brucutu em 2013 e, principalmente, cria de redes sociais que fizeram seu próprio mito, um deputado federal amante do regime militar, quase inexpressivo, mas que abocanhou o cargo máximo da nação. Ou seja, quando parecia que estávamos com nossos fantasmas de 1964 enterrados, em um looping, vemos uma volta geral ao amor ao regime dos militares, o conservadorismo e o nacionalismo barato. Uma síntese em imagens do que de melhor e pior ocorreu nessa tortuosa estrada democrática brasileira.
Carla nos dá um show de história em uma colagem precisa de imagens, seguindo um roteiro cronológico e perfeito desse cenário. Temos sorte que é a fase da história onde tudo é registrado, e com o fim da censura, a imprensa tinha a liberdade de mostrar sem medo todas as patuscadas políticas do novo regime: seus acertos, erros, crises, planos, tudo de uma maneira didática e extremamente eficiente. Em uma comparação com o excelente Democracia em Vertigem, de Petra Costa, que inclusive ganhou indicação ao Oscar em 2020, Carla se mostra mais diretora e apesar, é claro, de umas aliviadas discretas, principalmente na era FHC, não toma partido, mostra todos os lados desde o melhor e o pior, diferente de Petra, que fez um recorte mais atual, mas nitidamente tomava um partido e uma conclusão, além de utilizar uma narração muito fraca e um roteiro simples para contar uma história tão complexa. Enfim, é ótimo termos duas diretoras fazendo história com dois documentários básicos e atuais, mas bem distintos na forma e que são sínteses da nossa realidade recente.
8 presidentes, 1 juramento: A História de um Tempo Presente é uma aula de história viva, em uma era onde pouco se lê, aprofunda-se tão pouco, se esquece muito rápido do ontem e que a imagem comanda nossa sociedade. Indico assistir ao filme e mergulhar sem medo nessa história de um país que vive de esperança e ilusão, e mesmo vendo os absurdos que nossa democracia criou e tolerou, ainda temos que agradecer e ficarmos felizes que a cada quatro anos temos esse tão decisivo direito de apertar um botão e tentar mudar esse país chamado Brasil. Assista e indique pra todo mundo essa aula de história audiovisual, que mesmo com uma duração de mais de duas horas, passa muito rápido e consegue condensar todos esses 37 anos em 2 horas de 24 minutos. E não faça como o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que nas eleições de 1989, ao ser indagado se tivera assistido o debate (que ele faltou), responde: “não, estava sintonizando na Tela Quente”. Ou seja, esqueça a Tela Quente ou qualquer streaming da vida e se permita conhecer, reviver e adentrar na nossa tumultuada fase pós-ditadura, onde como em 1984, ainda vivemos na expectativa de dias melhores, mesmo com dias tão sombrios…
Sobre a diretora – Carla Camurati: Atriz, diretora, roteirista, produtora e gestora cultural, Carla Camurati teve um papel decisivo para o audiovisual brasileiro com filmes icônicos em seu currículo como Carlota Joaquina, a Princesa do Brazil (1995) e Getúlio (2014).
Foi articuladora da Academia Brasileira de Cinema e acumula experiências na gestão cultural, organização de eventos, direção teatral e de conteúdo, tendo sido Presidente da Fundação Theatro Municipal por mais de 7 anos e Diretora de Cultura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Desde 2003 Carla dirige o FICI – Festival Internacional de Cinema Infantil, maior evento de cinema para crianças no Brasil.
Em 2018 Carla iniciou a produção do seu 5º longa-metragem como diretora, o documentário 8 Presidentes 1 Juramento – A História de um Tempo Presente, que revive a história política do poder executivo do Brasil entre 1984 e 2019 exclusivamente através de uso de imagens de arquivo, registrados por diversos veículos de comunicação.