Crítica: 45 do Segundo Tempo

Dentre as milhares de coisas nesse mundo que não tem sentido ou explicação, a amizade é, com certeza, uma das mais intrigantes. Às vezes uma amizade de uma noite na mesa de bar vira uma jura de fidelidade eterna e se torna maior que amizades que sustentamos desde os tempos de moleque. Existem aqueles que só se satisfazem com os velhos amigos, aqueles que buscam a renovação e tem amigos que por vezes ficamos anos ou décadas sem ver e quando nos encontramos vimos que a amizade ainda está intocável. Uns queriam ser como o Roberto Carlos, ter um milhão de amigos, outros fecham seu ciclo para uns dois, enfim, a amizade não tem explicação, mas as que fazemos na escola, se não são as melhores, são as que despertam as melhores (ou piores) lembranças das nossas vidas. E é sobre essas amizades, dos tempos de escola, que passadas décadas de nossas vidas, parece que não representam nada, mas são de uma importância enorme, que o diretor Luiz Villaça nos apresenta no seu bonito filme 45 do Segundo Tempo (2021), que estreia no cinema nessa quinta.

Pedro Baresi tem uma cantina que funciona por mais de 56 anos. Herdada da tradição familiar de culinária, ele ainda tenta viver dos louros do passado, mas com a falta de movimento e dinheiro, às vezes até insumos para manter o restaurante faltam. Juntamente com sua cadelinha Calabresa tenta manter a pau e corda e humilhações a velha cantina. Um dia ele é convidado para reviver uma foto de 1974, que ele e mais três colegas do colégio tiraram dentro do novíssimo metrô de São Paulo. Hoje os quatro são três, mas o encontro com Mariano, que hoje é um padre, e Ivan, um advogado defensor de gente graúda envolvida em escândalos, balança Baresi. Vendo que não tem mais nada a perder na sua vida, fora sua paixão pelo Palmeiras, ele resolve chamar os dois amigos, que hoje tem pouco em comum, e anuncia que irá tirar a vida depois que seu time for campeão. Mas para isso, os três vão entrar numa jornada existencial, dissecarem suas vidas, suas decepções, suas falhas e relembrar um passado idealizado, além de tentar fazer com que o desiludido Pedro desista do intuito.

Com roteiro do próprio Villaça, Rafael Gomes, Luna Grimberg e Leonardo Moreira, 45 do Segundo Tempo consegue, meio que exageradamente, nos mostrar um belo retrato da amizade, a nostalgia e o quanto nunca estamos satisfeitos com nós mesmos. Com toques de humor e leve drama, mexe no delicado tema do fim da meia idade e o início da velhice, o quanto nunca estamos preparados ou satisfeitos com nossas vidas e que somos frutos do que plantamos na nossa existência. De pensar que aqueles meninos nos idos dos 1970 tinham toda uma vida pela frente e suas preocupações eram flertar com as meninas do colégio, jogar bola e curtir a adolescência, e hoje um é um fracassado dono de cantina, feliz por fora, mas amargurado pela solidão, um é um padre logicamente preso por suas escolhas e o outro é um advogado rico e de sucesso, mas tem um casamento fracassado e uma barreira de relacionamento com o filho. Lógico que o filme cansa muito em frases de filosofia barata, metáforas, parece que em todo momento os três tem algo para ensinar, se queixar, aprender, o que torna um pouco piegas, mas dentro do balanço final o filme agrada mais que enche o saco e consegue provocar reflexão e comover.

Tony Ramos como sempre está muito bem à vontade como o Baresi, palmeirense fanático e desgostoso com a vida, mas é responsável pelos toques de humor e leveza do filme, como Tony consegue fazer papeis populares e com maestria. Cássio Gabus Mendes também vai bem como o advogado Ivan, que leva uma vida que tinha tudo para ser de vencedor, mas é um imenso fracasso com as pessoas do seu lado e Ary França, como o Padre Mariano, também leve no papel, apesar de um pouco mais caricato que os dois. Louise Cardoso faz uma ponta como a paixão antiga do trio e Denise Fraga é a esposa de Ivan e protagoniza uma cena incrível com uma tangerina (bergamota para nós do sul), ambas em boas atuações.

45 do Segundo Tempo é uma agradável experiência cinematográfica, um filme adulto, que expões as fragilidades das nossas vidas, temas como amizades, frustações e suicídio, nunca perdendo a leveza e mesmo abusando de alguns clichês, algumas piadas sem graça, algumas pitadas de papo furado, consegue prender o espectador que com facilidade imerge nas tão reais crises e dramas existenciais dos personagens, mostrando nossas fragilidades e o quanto erramos tentando acertar em nossas vidas. A metáfora com o futebol é bem sacada, a cena dos três jogando bola no antigo colégio emociona e a viagem ao passado idealizado, materializado na cidade do interior, onde mora a musa adolescente do trio, faz o filme quase um road movie existencial, onde três amigos que hoje nem são tão mais amigos, estão num mesmo barco, em busca de um sentido às calejadas vidas e essa busca pode inclusive passar os 45 do segundo tempo, porque cada acréscimo de esperança na vida pode, no final, definir uma gloriosa vitória, nessa maluca jornada de cada um na Terra. Assistam sem medo e prestigiem o cinema brasileiro direto, divertido, sem invencionices e de fácil entendimento, mas extremamente competente e tocante. E isso 45 do Segundo Tempo faz de goleada!

 

Mais do NoSet