Conferimos Frejat Trio em Porto Alegre
Podemos citar poucos artistas da música popular brasileira que com mais de 40 anos de carreira, ainda esbanjam talento, simpatia e possuem um repertório próprio, ou ligado a sua trajetória, tão rico. E mesmo com essas quatro décadas, ainda permite ousar e fazer um show diferente do habitual. Falo de Roberto Frejat, a voz do Barão Vermelho e com uma carreira solo competentíssima. E esse Roberto Frejat fez um show com toques minimalistas, mas gigante na sonoridade, no último sábado no Araújo Vianna. Acompanhado pelo seu guitarrista Maurício Almeida e seu filho Rafael Frejat, revisitou seus clássicos e alguns de outros, com formato recheado de violões, piano, baixo, e às vezes marcações eletrônicas, em um espetáculo de alto gabarito. E é claro que o NoSet acompanhou tudo e vai contar para vocês.
Noite quente no verão de março de Porto Alegre, um bom público, mas longe de ter casa cheia, às 21h15min, Roberto Frejat, Rafael Frejat e Maurício Almeida, portando seus violões, sobem ao palco. Frejat já começa esbanjando seu vozeirão e carisma com a canção de seu segundo disco solo Sobre nós dois e o resto do mundo. Segue com Amor pra recomeçar, de seu disco de estreia, grande sucesso da carreira do artista. Uma lindíssima canção pontuada por um belo arranjo de três violões. Na sequência, seu vozeirão de trovão presta homenagem à Angela Ro Ro, no clássico Amor meu grande amor, cantada em uníssono pela plateia. Fadas, canção meio lado B de Luiz Melodia, é apresentada em mais um arranjo lindíssimo do trio. Flores do mal, do diminuído álbum do Barão Supermercados da vida, é mais um resgate eficiente de Frejat para o repertório do show, o mesmo da ótima Meus bons amigos, do álbum de 1994, Carne crua.
Roberto Frejat explica que é viciado em animações e anuncia que irá tocar duas canções que tiveram clipes com essa marca e emenda Túnel do Tempo e Segredos, duas lindas canções da sua trajetória fora do Barão. Impossível não resenhar um show do Frejat sem dar crédito a seu exímio talento como músico. Fugindo do lugar-comum da guitarra na mão, e sim com violão, demonstra por que é um dos grandes músicos da sua geração, muito bem acompanhado pelo excelente Maurício Almeida e Rafael Frejat, que o que tem de timidez no palco, sobra em talento. E, é claro, a voz impecável de Frejat e sua simpatia, onde conversa com o público, conta histórias, em uma delas conta como ganhou Boomerang blues, de Renato Russo, que foi incluída no Declare guerra, de 1986. Então o trio emenda esse visceral blues, mostrando a verve blueseira do carioca que já manda em seguida Bilhetinho azul, continuando a onda blues nesse clássico do álbum de estreia do Barão em 1982. Poema, canção lindíssima de Cazuza, imortalizada na voz de Ney Matogrosso, é revisitada pelo trio em uma emocionante versão.
Pergunta urgente, canção do Frejat do seu mais novo trabalho, lançado no começo da pandemia de Covid em 2020, mostra que mesmo tendo anos sem novas composições, ainda se mantém afiado ao seu estilo único de composição. Segue com a sensacional Codinome beija-flor, emocionando a plateia, numa saudosa homenagem ao poeta Cazuza, parceiro de banda, de letras e de vida do Roberto. Aqueles momentos que valem o show. Todo amor que houver nessa vida segue a mesma emoção do tempo que o Baixo Leblon e Arpoador urgiam poesia num Rio de Janeiro oitentista. Homem não chora, do disco de 2001 do cantor, segue o baile em mais uma linda canção com a marca de composição. O poeta está vivo, parceria de Frejat e Dulce Quental, a bela ode que a dupla fez em vida ao Cazuza, emociona ainda mais com os arranjos singelos e sofisticados do trio. Por você segue o show com um público de pé cantando, a meu ver, uma das maiores declarações de amor em forma de música no cancioneiro brasileiro, mostrando um Frejat esbanjando seu vozeirão impecável.
Ideologia segue o show, em mais uma homenagem ao grande Cazuza, agora com Almeida tocando baixo e Rafael usando uma marcação eletrônica, dando mais punch pro show, que segue com Malandragem, canção do Frejat para a saudosa Cássia Eller, com um solo maravilhoso de violão de Rafael, mostrando todo o talento do jovem músico. Eu preciso te tirar do sério segue o espetáculo antes da Cartas e versos, do último álbum dele, canção um pouco diferente do padrão de composição do artista, mais dançante e com um belo arranjo acústico. Bete balanço, clássico absoluto dos anos 1980, faz o Araújo, com perdão do trocadilho infame, balançar.
Por que a gente é assim?, clássico notívago do Barão, faz a plateia cantar e pirar com um Frejat com uma guitarra nos braços, mais à vontade, esbanjando performance do guitar hero, e para terminar, emenda Puro êxtase, pop perfeito dançante dos 1990, findando com chave de ouro, com um auditório senão lotado, mas ávido pela música de Roberto Frejat.
No bis emenda já em formato menos acústico e mais pesado, clássicos como Maior abandonado, um Exagerado cantado a plenos pulmões pela galera e finda com Pro dia nascer feliz, canção que fez o Barão ser o que foi, com um Frejat emocionado fazendo solos, correndo pelo palco (apesar de uns problemas técnicos na sua guitarra) e mostrando sua vitalidade e amor ao rock.
Frejat Trio mostra um artista consagrado, com um estofo único de unir velhos sucessos, canções esquecidas, parcerias antigas, um novo trabalho, tudo num formato um tanto ousado, mas extremamente competente, com uma dupla de músicos excelentes – seu filho mostrando que conhece do riscado e Maurício Almeida, um coringa que toca qualquer instrumento com maestria. Além, é claro, de o prazer de vermos Roberto Frejat feliz, com uma simpatia única, aquele vozeirão indefectível, contando histórias de sua rica carreira, com seu carioquês irresistível e apresentando um excelente e marcante show, abrindo a nossa temporada de coberturas do NoSet em grande estilo.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta