Uma Mulher Fantástica é um drama sobre a perda e a feminilidade, visto sob a ótica do preconceito.
Marina Vidal (Daniela Vega), nascida Daniel, é uma transexual que namora Orlando (Francisco Reyes Morandé). Ele, um empresário do setor têxtil que tem idade suficiente para ser pai dela. Ela, uma garçonete que canta em bares à noite para complementar a sua renda. As diferenças não importam; estão apaixonados e em um início de vida conjunta, projetando um futuro feliz.
Então, depois de uma noite romântica, Orlando morre vitimado por um aneurisma.
A partir desse momento, entra em cena a família de Orlando: a ex-mulher, Sonia (Aline Küppenheim), que ele abandonou quando decidiu viver a paixão por Marina; o filho, Bruno (Nicolas Saavedra), um homem feito que não consegue entender a opção de seu pai; e o irmão de Orlando, Gabo (Luis Gnecco), que serve como contraponto e como voz da razão para os outros dois.
O filme acompanha Marina na jornada de aceitação da perda de seu amor, ao mesmo tempo em que resiste às continuas humilhações e desconfianças sofridas pelo fato de ser uma transexual.
O diretor e roteirista chileno Sebastián Lelio trabalha bem tanto com os maiores como com os menores constrangimentos de Marina. Aliás, é exatamente nos últimos, nos pequenos embaraços, que estão os principais momentos do filme. Como em uma cena na qual o médico da polícia não sabe como se portar ou examinar o corpo da garçonete.
Daniela Vega, a atriz que interpreta Marina, também é transexual e carrega a responsabilidade de trazer a câmera focada em seu rosto, em close ou perto disso, a maior parte do filme. Sentimos a dor que guarda em si a cada novo aviltamento que sofre. Em algumas cenas, aparece dando socos, em solitários atos de alívio à frustração que guarda em si. Falta à Daniela, contudo, o poder de projetar empatia. A plateia ascende-se de raiva com o que sofre, mas não chora junto com ela.
Os demais personagens orbitam ao redor de Marina, sem chance de um maior desenvolvimento. Este é um dos problemas do filme. Ao não dar maior espaço para a família de Orlando, Sebastián Lelio torna-os estereotipados. A viúva rancorosa. O filho fraco e inútil. Os amigos homofóbicos. E estereótipos rasos não casam bem com um drama que se pretende profundo e veraz.
Há o uso de símbolos interessantes, como a busca de Marina pelo conteúdo de um armário, cuja chave encontra depois da morte de Orlando. Essa procura acaba por envolver uma investigação do próprio legado do namorado em sua vida. O final do filme, que obviamente não contarei, é também envolto por símbolos da transformação e da verdadeira natureza de Marina.
Se acerta no simbolismo, Sebastián erra ao trazer para o filme cenas com um misticismo deslocado, que não se ajusta ao drama cotidiano e cru que narra. Em uma das cenas, por exemplo, Marina é colhida por uma ventania inexplicável e que a impede avançar pela rua. Um uso desse surrealismo quebra o ritmo da narrativa e é completamente desnecessário para a história.
Considerado em seu conjunto, Uma Mulher Fantástica é um bom drama, que dá ao público um panorama das dificuldades que um transexual ainda encontra para se afirmar e se realizar como pessoa. Das dificuldades de ver atendidas as suas mais básicas aspirações e necessidades, como as de amar e ser amado, de ser aceito e de ser respeitado por aquilo que é, e não por aquilo que os outros gostariam que fosse.
Ficha Técnica:
Título original: Uma Mujer Fantástica
Direção: Sebastián Lelio
Roteiro: Sebastián Lelio, Gonzalo Maza
Produção: Juan de Dios Larraín, Pablo Larraín, Sebastián Lelio, Gonzalo Maza
Fotografia: Benjamín Echazarreta
Edição: Soledad Salfate
Música: Matthew Herbert
Figurino: Muriel Parra
Gênero: Drama
País: Chile
Ano: 2017
Duração: 104 minutos
Classificação: 14 anos